sábado, 1 de janeiro de 2011

Ser nobre, ser pobre




Ser pobre é uma honra.
Madre Maria Celeste, superiora das Irmãs Franciscanas Alcantarinas

Ser nobre é uma honra.
Papa Pio XII (1876-1958)



Em 2009, Danuza Leão lamentou em crônica a decadência de nossa atual (alta) sociedade em seus valores argentocêntricos, lembrando, com saudade, do tempo em que “ser nobre” era o bom, ainda que o “nobre“ fosse pobre. Está certíssima!

Nos dias que correm, podemos cada vez mais perceber a abundância de dois tipos de personalidade negativa e, infelizmente, a grande ausência de dois tipos de personalidade positiva. Respectivamente, trata-se dos podres-ricos e ricos-podres e, de outro lado, dos nobres-pobres e pobres-nobres.

Explico as categorias. Como toda mente eivada do racionalismo ocidental, ainda que se queira mais pneumática e menos problemática, mais cordial e menos intelectiva, sinto-me tolhido a ver o mundo categorizando tudo e todos. Mesmo que as categorias sejam relativas... 

As seguintes categorizações são muito orientadas para o víeis político, mesmo que as imagine também de forma filosófica e teológica e que preferisse investir em suas descrições mais ao modo tomista, do que ao modo meramente politizante.

O podre-rico nasceu na pobreza, ascendeu socialmente por vias tortuosas e quase sempre inescrupulosas; uma vez chegado aos píncaros do que sequer podia imaginar em sua infância, se volta com todo ódio, consciente ou inconscientemente, aos seus irmãos de origem, não somente renegando-os como ajudando a espezinhá-los, seja através da ação ou da inação política e econômica.

Rico-podre é aquele que nasceu em berço esplêndido, gozou de uma infância feliz – ao menos materialmente feliz –, cresceu e obteve ótimos resultados em seus percursos acadêmicos e agora é um exímio profissional em sua área. Ganha dinheiro. É incapaz, contudo, de sofrer pelo Outro, de sentir o Outro, não se importa e nada faz pelos que sofrem, mendigam, vagam, padecem.

Já o nobre-pobre nasceu em boa linhagem, desprovida, contudo, de grandes recursos. Cresceu e se desenvolveu com algumas dificuldades, mas se tornou um bom e reconhecido profissional. Tenta manter o lustro de seus antepassados e faz da Caridade o cerne de sua vida cotidiana, seja através da religião que professa ou dos grupos sociais em que atua, defendendo e amparando os que nada ou quase-nada possuem. Para o nobre-pobre não é fácil ganhar dinheiro, eis que o vil metal lhe pesa sobremaneira.

E o pobre-nobre? É o excelso tipo de pessoa que nasce na miséria ou na pobreza, cresce e se desenvolve, obtém diplomas com grande dificuldade e se torna um profissional modelar. Sua vida é uma dedicação sem-fim aos seus irmãos de origem, seja na advocacia de seus direitos e na melhoria de suas condições de vida ou na coordenação das mais variadas propostas de inclusão social.  Também vejo o pobre-nobre como aquele que não conseguiu ascender, preso às amarras de sua honestidade e aos fantasmas de seus escrúpulos.

No primeiro grupo estão, para grande desespero de todos os cidadãos brasileiros, a maioria dos membros de nossas classes dirigentes, na federação, nos estados e nos municípios. Conheci dezenas deles nos 4 anos de prestação de serviços para o Cerimonial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

No segundo grupo vemos, também para nosso grande pesar, os membros da alta burguesia brasileira, alienada de suas funções sociais, plenamente afastada do mecenato artístico e cultural, incapaz de patrocinar projetos de Educação e Saúde, mesmo quando haja a isenção fiscal concedida pelas recentes legislações. Empresários incapazes de construir escolas, creches ou hospitais sem que isso reverta em lucros e dividendos. Incapazes de seguir os exemplos de Candido Gaffrée (†1919) e Guilherme Guinle (1882-1960), dentre outros.

No terceiro grupo estão – ou deveriam estar –, dentre os brasileiros, os membros da antiga aristocracia rural – descendente dos barões, condes ou marqueses titulados por D. João VI, D. Pedro I, D. Pedro II e D. Isabel (I) ou dos capitães, coronéis e demais fidalgos do Brasil-Colônia – mas também os burgueses provenientes de religiosíssimos troncos imigrantes. Este grupo reconhece tácita ou explicitamente sua mais-que-natural chefia na Família  Imperial brasileira, uma estirpe de notória carência de recursos econômicos – obviamente me ocorre a imagem de D. Pedro Henrique, neto e sucessor da Redentora. Creio conhecer um número considerável de nobres-pobres.

Por fim, na quarta tipificação está o íntegro cidadão que honestamente ascendeu – me vem à mente o Ministro Joaquim Barbosa (STF) –, tanto quanto o trabalhador que não consegue “subir na vida” porque não admite a trapaça, a desfaçatez, a ladroagem. Resumidamente, o indivíduo que recusa o mundo, ao menos em parte. Lembro-me de Rosinete de Jesus, que me auxilia às vezes nos serviços do IDII. Mora com as irmãs franciscanas alcantarinas no Méier (zona norte do Rio) e sonha com um mundo novamente cristão, onde todos se veriam iguais na diferença, todos amantes absolutos de Deus e do Gênero Humano.

Falta, entretanto, uma categoria, e o leitor atento certamente me instará. Onde o rico-nobre? E o nobre-rico? Fundo-os e já me adianto na resposta. O rico que é verdadeiramente nobre sente-se mal em ser rico. Não estou valorando apenas financialmente, embora também esteja aludindo a pecúnias, claro. Buscando a santidade, o nobre-rico necessariamente se torna um nobre-pobre, pelo Amor de Deus, ao menos no Cristianismo que dizemos professar. Jesus foi claro ao dizer ao jovem rico do Evangelho de São Mateus que convertesse suas riquezas mundanas em bens dos pobres e O seguisse. Evidente que o mesmo Deus-Homem também declarou que sempre existiriam pobres e ricos (S. Marcos, 14:7).

Sempre comento com os amigos que apreciam minhas insanas divagações pseudo-teológicas que a Doutrina Social da Igreja Católica não condena a existência da pobreza e da riqueza como marcas sociais, mas certamente rechaça que existam milionários e miseráveis, que são, aliás, faces da mesma moeda: o pecado humano.

Daí que o nobre-rico necessariamente seja um converso profundo, algo raríssimo nos dias que correm, cada vez mais argentocêntrico, como disse no início da postagem.

Exemplos como os de Francisco e Clara de Assis, Isabel da Hungria, Edwiges da Silésia, além do próprio São Mateus Evangelista já citado, que era um publicano infiel antes da graça de conhecer e aderir ao Cristo, são pouquíssimo existentes em nossa época. Não à toa Madre Teresa de Calcutá (Agnes Gonxha Bojaxhiu), nascida em aristocrática família cristã de etnia albanesa, é exemplo para a humanidade do século XX.

Quem me lê já deve ter percebido as falhas no ementário ora proposto, mas ele não visa à sistematização. Isso seria outra tarefa, não a atual.

Quis apenas iniciar o novo Ano com uma antiga ruminação que me persegue e assim expor aos meus caros amigos ideias a criticar e sugerir.

Um comentário:

  1. "Porque, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; Para que nenhuma carne se glorie perante ele." (1° Coríntios 1:26-29)

    Abraço, BRUNÃO!

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