quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Viva o BRASIL! Viva o NEO-ABOLICIONISMO!

Inspirado por uma excelente mini-reportagem do jornal BOM-DIA BRASIL que a TV Globo acaba de transmitir e pelo texto que a jornalista Vilma Gryzinski publicou em VEJA desta semana, dirijo-me aos amigos e associados do Instituto D. Isabel I para tecer alguns comentários sobre o dia de hoje.

Há 118 anos, uma quartelada depôs o gabinete ministerial chefiado pelo Visconde de Ouro Preto e, horas depois, a movimentação de republicanos como Quintino Antonio Ferreira de Sousa Bocayuva, Benjamin Constant Botelho de Magalhães e Floriano Vieira Peixoto levou o debilitado Marechal do Império Manoel Deodoro da Fonseca a assinar um documento — que parece ter sido chamado por ele de “porcaria” — de “proclamação provisória da República” no Brasil.

Na madrugada de 16 para 17 de novembro, os Imperadores, os Príncipes Imperiais e os príncipes netos de D. Pedro II foram banidos do território nacional por uma ordem arquitetada já por Ruy Barbosa de Oliveira — que prontamente aderira ao golpe de Estado, uma vez que apesar de não se dizer republicano oficialmente, era um anti-isabelista radical —, Aristides da Silveira Lôbo e outros republicanos, positivistas radicais, que deram suporte, digamos assim “intelectual”, àquilo que muito qualificadamente D. Pedro II chamou de “maluquice” e que D. Isabel resumiu no documento Memória para meus filhos da seguinte forma:

Grande incúria, muita falta de cuidado, sobretudo por parte dos ministros da Guerra e Justiça, personificados no Corrêa de Oliveira; corda esticada demais pelo Corrêa de Oliveira e Ouro Preto; Exército ou, antes, oficiais muito minados pelas idéias republicanas e sabendo proceder com muita discrição; tolice do Deodoro que, estou convencida, foi mais longe do que queria; esperteza do Bocayuva e Benjamin Constant que souberam aproveitar a ocasião; verdadeiro ratoeiro para o Ministro [Ouro Preto] e para nós, e, finalmente, força maior que decidiu tudo.

O jornalista que acaba de apresentar a reportagem de BOM-DIA BRASIL — se não me engano, Flavio Fachel é o seu nome — resumiu com clareza o que foi o 15 de Novembro de 1889: confusão. A República brasileira já nasceu confusa e, o pior, ignorada. Assim ela se mantém até hoje, sob diversos aspectos, perante o grosso da população brasileira. Ao contrário do que diz a historiadora carioca Margarida de Souza Neves em um de seus textos sobre a temática, a República não é comemorada anualmente no Brasil, seja em 15 de Novembro e, menos ainda, 7 de Setembro. Há festas oficiais, isso é inegável, mas nada que ressoe popularmente. Sinto-me à vontade para dela discordar, sendo seu ex-aluno de PUC-Rio...

Um conjunto de conspirações tolstoianas deu cabo da Monarquia no Brasil, não porque ela fosse impopular, ao contrário... mas porque ela estava cada vez mais popular. É o que nos elucida em Os Bestializados (1988) e em Formação das Almas (1991) o historiador mineiro José Murilo de Carvalho. De fato, é  este o pensamento do Instituto D. Isabel, acerca da transição do XIX para o XX no Brasil: ignorando-se, como se ignora em larga escala, por parte de historiadores e cientistas sociais, o abolicionismo e o isabelismo, não se compreende, jamais, como tudo se processou em novembro de 1889.

Por outro lado, os conluios de republicanos e cassandras de plantão souberam explorar com maestria as sinuosidades da Família Imperial: D. Pedro II velho e doente, D. Isabel imperiosa e unida matrimonialmente ao príncipe francês Gaston de Orleans (Conde de Eu), que, embora querido por grande parte da população, era detestado por militares conservadores, sendo ele militar liberal. O casal ultra-católico era antipatizado pelos setores — mínimos, vale dizer — intelectualizados das classes médias urbanas e rurais que se imbuíam das teorias cientificistas vindas da Europa de então. É nesse contexto, o do cientificismo, que uma teoria como a do positivismo encontrou receptáculo entre jovens acadêmicos. E é também dentro dessa mesma atmosfera que se pode atribuir algum tipo de “republicanismo” a D. Pedro II. Fora dessa contextualização, é pura fantasia imaginar que o Imperador — que o fora desde os 5 anos de idade — fosse republicano... embora seja aceitável supor sua ambigüidade em relação ao reinado de uma filha muito amada mas tão diversa dele em alguns aspectos, por mais que suas prerrogativas de herdeira fossem constitucionalíssimas. Sobre parte dessas conspirações é interessante a leitura do romance histórico O príncipe maldito, de minha também ex-professora Mary Del Priore, lançado recentemente pela Ed. Objetiva.

Ao contrário do que parece crer nossa jornalista de VEJA, em seu primoroso artigo publicado ontem (O Rei e nós – ed. 2034), D. Isabel não era rechaçada por monarquistas fiéis como futura Imperatriz (p. 118). Não há qualquer indício desse tipo de comportamento nos maiores líderes políticos de então que se mantinham leais ao regime e à Casa de Bragança. O III Reinado de Joaquim Nabuco, André Rebouças, Affonso Celso e vários outros, ou seja, os mais próximos da Redentora em idade e ação abolicionista — independentemente do tipo de matriz filosófica que gerasse o abolicionismo de cada um —, estava tão próximo que foi abortado. A teia de insanas conjurações de alguns chefes militares e positivistas ocasionou um golpe de surpresa, em resposta ao qual, diz D. Isabel “ninguém poderia fazer senão o que fizemos”. Leia-se: aceitar a imposição do banimento e partir rumo ao exílio na Europa, evitando assim uma guerra civil que certamente ocorreria entre cadetes exaltados do Exército e Guarda Negra.

É bem verdade que Vilma Gryzinski retirou suas impressões a respeito da pseudo-antipatia a D. Isabel do capítulo 27 do recente sucesso editorial D. Pedro II, ser ou não ser (Cia. das Letras), de José Murilo de Carvalho. O emérito acadêmico da ABL com quem tive a honra de conversar na defesa de tese de doutoramento de meu amigo Robert Daibert Jr. na UFRJ, em março último, é o maior especialista em Império do Brasil que existe nos meios acadêmicos nacionais. Parte de sua obra, até onde posso perceber, é inspirada na historiografia do grande historiador e cientista político mineiro João Camillo de Oliveira Torres, infelizmente desconhecido dos jovens graduandos e pós-graduandos em História pelo Brasil afora.

Prof. José Murilo vai certamente perdoar minha franqueza, ao considerar impreciso dizer que o III Reinado não estava alicerçado porque, certa feita, o velho Conselheiro José Antonio Saraiva disse ao Imperador: “Majestade, o reinado de sua filha não é deste mundo”, aludindo ao texto evangélico em que Jesus Cristo negava-Se a apresentar como soberano político temporal, preferindo a realeza messiânica universal ao trono davídico ao qual teria direito.

Ora, é inegável que o ultramontanismo e o abolicionismo católico da Princesa Imperial do Brasil provocavam fúria nos meios conservadores e reacionários da política patriarcalista, mandonista e, mais tarde — na República Velha — avassaladoramente coronelística do Brasil de fins do Oitocentos. Mas não era esse o leitmotiv do desprezo e despeito nutridos por aquela que o povo chamava de “Redentora”, de “Loura Mãe da Raça Negra”: era pelo fato de ela ser MULHER.

Lembro-me perfeitamente das histórias contadas por minha avó paterna — cujo apelido de vida toda, Sinhazinha, era marca profunda da origem na aristocracia rural decadente da Zona da Mata mineira-fluminense — sobre a repulsa sentida pelos homens do interior quando souberam que a Princesa Imperial Regente sancionara a LEI ÁUREA. Meu bisavô, Antonio Antunes de Siqueira, recusava-se até a dar a mão a um preto que lha estendesse, vociferando: “Tu não te enxergas, negro!”...

O orientando do Prof. José Murilo, Robert Daibert Jr., acaba de se doutorar no IFCS precisamente defendendo a tese de que o catolicismo de D. Isabel estava inserido num projeto político maior e que as bases para o III Reinado eram sólidas, ao menos entre negros e pobres em geral — maioria da população à época. O tal referendo, prometido na Proclamação, só foi concretizado 104 anos depois, quando os liames entre a Casa Imperial e o Povo brasileiro foram perdidos e a ignorância sobre o processo de transição da Monarquia para a República — ou, como sempre prefiro, em termos freyreanos, “do Processo de Desintegração das Sociedades Patriarcal e Semipatriarcal no Brasil sob o Regime de Trabalho Livre: Aspectos de um Quase Meio Século de Transição do Trabalho Escravo para o Trabalho Livre; e da Monarquia para a República”, subtítulo de Ordem e Progresso (1959) — se tornou a regra, mesmo em meios universitários.

Ao proclamar com veemência que os brasileiros não são republicanos e não festejam a República, preferindo, ao menos os cariocas, chamarem de “Palácio do Catete” ao Museu da República e de “Campo de Sant´Anna” à Praça da República, não quero com isso dizer que sejamos monarquistas. Longe disso, demonstrou-se no Plebiscito de 1993 que os brasileiros são desinformados e pessimamente instruídos. Conforme já disse o Prof. Francisco Weffort, ex-ministro da Cultura, existe um “déficit cultural” gigantesco de nossa população no que tange aos símbolos da Nacionalidade.

Esse verdadeiro descalabro (des)educacional não pode permanecer, sob pena de jamais atingirmos a Res Publica sonhada por todos os intelectuais que se prezem. Seja com um chefe de estado vitalício e hereditário (parlamentarismo monárquico), seja com um eleito (parlamentarismo republicano ou presidencialismo), os brasileiros têm de saber discernir o que é melhor para eles num referendo onde os índices de analfabetismo histórico-cultural sejam baixíssimos, senão inexistentes. Para tanto, é necessário repetir: queremos EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO & EDUCAÇÃO.

Em meio à insuficiência de nossos sistemas de ensino, nas três instâncias, formulamos o NEO-ABOLICIONISMO — http://www.idisabel.org.br/portugues/neo-abolicionismo.pdf. Pode ser contribuição pequena e apenas ideal, mas ao menos tem o mérito de se basear na História do Brasil.

Por fim, é bom lembrar, cara Vilma Gryzinski, que a sinonímia de democracia e democrático para os vocábulos república e republicano só é entendida assim por povos como os norte-americanos, os franceses, os finlandeses, os irlandeses et alii, enquanto que para os dinamarqueses, suecos, noruegueses, holandeses, luxemburgueses, britânicos, canadenses, neozelandeses et alii monarquia constitucional-parlamentar é que é sinônimo de democracia. Do contrário, cabe perguntar aos birmaneses, laocianos, indonésios e uma infinidade de povos asiáticos e africanos se as repúblicas em que vivem são democráticas: as respostas, se puderem ser ouvidas, serão negativas...

Contando com a indulgência de meus caros leitores, ouso inserir abaixo um texto em Francês, proveniente do serviço de informação belga que recebo diariamente. Trata-se de notícia enviada ainda agora, sobre a comemoração da “Festa do Rei” ou “Festa da Dinastia”, que, juntamente com o 21 de Julho (dia da chegada triunfal de Leopold I em Bruxelas - 1831), é o feriado nacional da Bélgica. Este pequeno Estado europeu com o qual o Brasil tem vínculos interessantíssimos e pouco estudados — nossas relações bilaterais jamais foram alvo de uma obra de vulto —, no que se refere às suas Realezas, vive as agruras de manter uma federação tensa de valões (francófonos) e flamengos (neerlandófonos). Sem a monarquia, exatamente como ocorreu com o Brasil no séc. XIX, a Bélgica não mais existiria.

Somos 279 vezes maiores, em extensão territorial, do que nossos irmãos belgas, mas isso não pode significar o menosprezo pelas lições que a História da Bélgica poderia proporcionar aos brasileiros. Em 176 anos de independência nacional, eles construíram uma verdadeira república (res publica).

E nós, o que construímos?


Bruno de Cerqueira (28),historiador e monarcólogo,
é gestor dos projetos do IDII, consultor do Cerimonial da ALERJ e aluno do Curso CLIO.
Organizou o livro “D. Isabel I a Redentora: textos e documentos sobre a Imperatriz exilada do Brasil” (IDII, 2006).




La Belgique rend hommage à son souverain


SOCIéTé jeu 15 nov
La Belgique célèbre ce  jeudi la traditionnelle Fête du Roi. Le 15 novembre entend rendre hommage au souverain et le remercier pour le travail qu'il accomplit. Une célébration qui prend tout son sens en cette période de crise politique durant laquelle Albert II, convalescent, est fort sollicité.

Une tradition qui remonte à Léopold II

On fête le roi depuis le 15 novembre 1866, année sous le règne de Léopold II. Cette date a été choisie parce que, selon le calendrier liturgique germanique, c'est le jour de la Saint Léopold. Après avoir été déplacée à quelques reprises, cette date a été définitivement fixée après l'intronisation de Léopold III en 1934.

Pour de nombreux Belges, la date du 15 novembre correspond encore à la "Fête de la Dynastie". Or, cette appellation avait uniquement été utilisée lors de la régence du prince Charles (1944-1950), puisqu'il n'était pas roi. Le frère de Léopold III devait assumer la régence car le souverain se trouvait à l'étranger en raison de la 'Question royale'.  

Te Deum et visite au parlement fédéral

Comme le veut la coutume, Albert II n'assistera pas à ces événements. La reine Fabiola, le prince Philippe et la princesse Mathilde, la princesse Astrid et le prince Lorenz, le prince Laurent et la princesse Claire assisteront à 10 heures au Te Deum, célébré par le cardinal Danneels et chanté en la cathédrale des Saints Michel et Gudule à Bruxelles.
Ces mêmes personnalités royales se rendront ensuite à 16h30 au parlement fédéral à Bruxelles pour y célébrer la Fête du Roi. Elles sont invitées par le président de la Chambre, Herman Van Rompuy, et le président du Sénat, Armand De Decker, ainsi que le premier ministre, Guy Verhofstadt. Le thème choisi cette année est: "La Belgique et la coopération internationale". A l'issue des discours des trois hommes politiques et de témoignages de volontaires de la coopération au développement, le chanteur Helmut Lotti interprétera la Brabançonne. Une réception suivra la cérémonie académique. 

Parade militaire devant le palais royal
Par ailleurs, une cérémonie militaire d'hommage se déroulera à 14h10 devant le palais royal avec la participation d'un détachement de la garde d'honneur. Le commandant du détachement de COMOPSNAV (commandement opérationnel de la marine) prononcera, au nom du personnel de la Défense, le message que les unités adressent traditionnellement au roi en cette occasion. La famille royale n'assistera pas à cette parade. 

domingo, 15 de abril de 2007

Monarquia e monarquistas (2)


Monarquia e monarquistas (2)

O Plebiscito de 1993

A campanha televisiva do Movimento Parlamentarista Monárquico ficou a cargo da agência de publicidade do jornalista Helio Bloch. O MPM era chefiado pelo deputado Cunha Bueno, em Brasília, e pelo economista Gastão Reis Rodrigues Pereira, no Rio de Janeiro. Ele se chocava com os princípios legitimistas dos líderes monarquistas conservadores que lhes haviam ajudado no recolhimento das assinaturas em 1987. Com jingles e slogans populares — Vote no Rei!, Vamos coroar a Democracia! —, a campanha caiu na boca do povo e ganhou a adesão de milhares de brasileiros pobres.

O MPM formulava que o “trono brasileiro pertence à Nação e, portanto, somente o parlamento (Congresso Nacional) poderia homologar o nome do primeiro chefe de Estado da reinstauração monárquica”. Tacitamente, contudo, o deputado Cunha Bueno e seus aliados apoiavam os chamados “príncipes de Petrópolis”.

Entre os líderes conservadores da velha Corte, despontava a figura do professor de História da SUAM e da Universidade Católica de Petrópolis, Otto de Alencar de Sá Pereira, antigo assessor-chefe de D. Pedro Henrique. Otto e os súditos fiéis de D. Luiz reuniam-se no Círculo Monárquico do Rio de Janeiro. Em São Paulo, os fiéis a D. Luiz e D. Bertrand se aglutinavam na Pró-Monarquia, entidade ainda existente (www.monarquia.org.br). Nos demais estados, havia os círculos monárquicos legitimistas ou as representações regionais do MPM.

Foi o período que, inegavelmente, viu os monarquistas brasileiros numa militância ousada. Mesmo com suas idiossincrasias, aliadas à divisão existente entre os príncipes brasileiros, o parlamentarismo monárquico conseguiu obter quase 7 milhões de votos — equivalente a 13% dos votos válidos.

Segundo o historiador Ricardo Salles expõe em Nostalgia Imperial: “O fato é que, um século após sua proclamação, a República ainda não se considerava suficientemente legitimada. Apesar do aparente caráter anacrônico do plebiscito, da previsível vitória de uma solução republicana, da relativa indiferença popular e de um certo tom cômico que recobriu o episódio, não podemos subestimar seu valor simbólico. Nos debates que marcaram os acontecimentos, sempre esteve em pauta alguma referência ao regime monárquico do XIX. Suas virtudes ou mazelas comparadas com o século republicano foram ressaltadas e combatidas pelos dois lados (...)”

Quem seriam os nostálgicos do Império que teriam votado a favor da Monarquia no Plebiscito? Sabidamente apoiaram o MPM, nos anos de 1992 e 1993, inúmeros profissionais das ciências sociais: os antropólogos Roberto Damatta, Otávio Velho e Luís Fernando Duarte, por exemplo. O sociólogo Rubem César Fernandes, fundador da famosa ONG Viva Rio, aderiu à Monarquia. O jurista católico Célio Borja ou o economista Mário Henrique Simonsen, ex-ministros da Justiça e da Fazenda da República, também “votaram no rei”...

O publicitário Jorge Maranhão, gestor da OSCIP A Voz do Cidadão, que implementa oficinas de estudo da Cidadania em empresas públicas e privadas, é outro exemplo: “Votei na Monarquia e votaria de novo, se surgisse oportunidade”.


A realeza brasileira

Ano que vem o Brasil celebrará os 200 anos da chegada dos Bragança ao país. Se a monarquia ainda existisse, seus sucessores, os Orleans-e-Bragança, seriam reinantes e um deles seria o atual imperador.

Semanas antes do plebiscito, o jornalista Renato Machado, no programa Fantástico (TV Globo), fez a seguinte narrativa: “Poucas pessoas conhecem, de fato, a história da monarquia brasileira. A última a usar a coroa foi a Princesa Isabel e foi ela mesma quem causou a ‘confusão’. A Princesa teve três filhos: D. Pedro, D. Luiz e D. Antonio. O mais velho seria o sucessor natural, mas ele renunciou para se casar com a condessa de Dobrzensky, de família nobre, mas não real.”

Com essas poucas palavras, Machado foi ao cerne daquilo que divide tanto a família Orleans-e-Bragança quanto os monarquistas brasileiros. Essa renúncia, ocorrida em 1908, em Cannes (França), deu-se após longos anos de reflexão de D. Pedro de Alcantara (1875-1940), o neto de D. Pedro II que fora príncipe do Grão-Pará do nascimento até o dia em que o avô morreu em Paris e ele tornou-se, pela tradição dinástica, o príncipe imperial, herdeiro imediato da imperatriz de jure, D. Isabel I. A maioria imagina que a pressão exercida por D. Isabel junto ao seu primogênito era ocasionada exclusivamente pelo noivado com a baronesa Elisabeth Dobrzenska de Dobrzenicz — cujo pai fora elevado a conde titular e par do reino da Bohêmia por Franz Joseph I —, mas não era. Os sogros gostavam muito de Elsie, como era chamada a futura D. Elisabeth de Orleans-e-Bragança, e o Conde d´Eu a tinha como prima distante.

Há vários outros motivos que levaram D. Pedro de Alcantara a renunciar em 1908. Seja como for, esta renúncia teve caráter irrevogável e foi extensiva aos descendentes eventuais da união. Foram eles os príncipes de Orleans-e-Bragança D. Isabel (1911-2003), a futura Condessa de Paris; D. Pedro Gastão (1913); D. Maria Francisca (1914-1968), a futura Duquesa de Bragança; D. João (1916-2005) e D. Thereza (1919), que vive em Estoril, Portugal.

O filho único de D. João é o carismático príncipe D. João Henrique (1954) — mais conhecido como “D. Joãozinho” —, dono da Pousada do Príncipe em Paraty e o mais midiático membro da família.

Do casamento de D. Luiz com D. Maria Pia de Bourbon, princesa das Duas Sicílias, prima-sobrinha da Redentora, nasceram D. Pedro Henrique (1909-1981), D. Luiz Gastão (1911-1931) e D. Pia Maria (1914-2000), príncipes do Brasil e de Orleans-e-Bragança. O neto primogênito e herdeiro de D. Isabel foi batizado pomposamente, em 1909, no palacete de Boulogne-sur-Seine, e reconhecido como príncipe do Grão-Pará por todos os órgãos monarquistas existentes no Brasil. Havia também vários nobres brasileiros que compunham essa espécie de “Corte no exílio” que rodeava D. Isabel em Paris e no castelo de Eu, propriedade de D. Gastão (1842-1922), seu marido e mais conhecido justamente como Conde d´Eu, por causa do título com que o avô (Louis-Philippe I) o agraciara no dia do nascimento.

No final de 1920, após a morte de D. Luiz, a República brasileira assegurou-se de que não havia mais real perigo de restauracionismo e revogou o banimento da Família Imperial, convidando os príncipes a regressarem à Pátria e solicitando de D. Isabel permissão para a trasladação dos restos mortais de D. Pedro II e D. Teresa Cristina para o Rio de Janeiro. Os despojos foram trazidos por D. Gastão, D. Pedro de Alcantara, D. Elisabeth e filhos e D. Maria Pia (viúva) e filhos. Daí a dois anos, o Brasil festejaria o Centenário da Independência (1922).

Em 14 de novembro de 1921, D. Isabel faleceu. Somente restava vivo seu primogênito. O filho mais novo, D. Antonio (1881-1918), havia morrido sem sucessão, de uma queda de avião. Dinasticamente, a chefia da Casa Imperial passou ao neto D. Pedro Henrique, de 12 anos, ainda que a “governança” da família ficasse nas mãos de D. Pedro de Alcantara.

Na década de 1940, após a morte de D. Pedro de Alcantara, seu primogênito D. Pedro Gastão decidiu reverter a renúncia paterna e passou a se considerar herdeiro da coroa brasileira. Em 1946, a família foi aos tribunais, não por causa dos direitos ao trono, mas por causa das ações da Companhia Imobiliária de Petrópolis. Nessa causa perdida por D. Pedro Henrique, D. Pedro Gastão e os irmãos ficaram sendo os únicos proprietários da enfiteuse de Petrópolis, remanescente das terras da fazenda do Córrego Seco, comprada por D. Pedro I na década de 1820.

Em 1971, os primos todos se reuniram para trasladar do Rio de Janeiro à Catedral de Petrópolis os restos mortais da Redentora e do marido. Foi aí que surgiu, na imprensa, a expressão “ramos de Vassouras e de Petrópolis da família imperial”.

No mesmo ano (1981) em que seus filhos D. Eleonora e D. Antonio João se uniram a dois irmãos belgas, os príncipes Michel e Christine de Ligne, garantindo a continuidade da dinastia do Brasil, D. Pedro Henrique faleceu em Vassouras, legando a chefia da Casa Imperial a D. Luiz (1938), celibatário e membro da extinta TFP (Tradição, Família e Propriedade), associação de extrema-direita católica jamais apoiada pela CNBB.

D. Luiz e seu irmão-sucessor, D. Bertrand (1941), sempre foram considerados politicamente inviáveis, justamente pela afiliação à TFP, mas nunca renunciaram. Vivem em São Paulo, onde administram a Pró-Monarquia e visitam o Rio anualmente para celebrar, no Outeiro da Glória, o aniversário de D. Luiz todos os 6 de junho.

A maior parte dos monarquistas brasileiros deposita em D. Pedro Luiz (1983), primogênito de D. Antonio João, todas as esperanças e aspirações. O jovem príncipe, graduado em Administração pelo IBMEC do Rio de Janeiro, vive atualmente no Grão-Ducado de Luxemburgo, onde trabalha no sistema financeiro.

D. Pedro Luiz, um Orleans-Bragança-Wittelsbach-Ligne-Bourbon-Nassau-Weilburg, três vezes descendente direto de D. João VI e três vezes descendente colateral de Maurício de Nassau, poderá ser um D. João IV — o Restaurador — para o Brasil do século XXI, transformando assim em realidade política e social o sebastianismo dos monarquistas.

Sobre ele falam com brilho nos olhos os pais, a avó D. Maria da Baviera (viúva de D. Pedro Henrique), tios e primos. Oxalá tenham todos a sorte de que o príncipe corresponda a tantas expectativas...

Publicado, com edições, na Revista BR HISTÓRIA (abril de 2007).

Monarquia e monarquistas (1)


Monarquia e monarquistas (1)

BRUNO DE CERQUEIRA

Sob este título, precisamente, o jurista Tito Franco d´Almeida (1829-1899) publicava, em 1895, em Belém do Pará, seu livro de memórias sobre os anos traumáticos pós-1889, onde ele e alguns antigos chefes políticos paraenses se reuniam tentando manter viva a chama de fidelidade ao Império do Brasil e à Dinastia exilada.

Tito Franco era conselheiro do Império e havia sido eleito deputado geral para a última Câmara; estava viajando ao Rio de Janeiro quando soube, no meio do caminho, do golpe de 15 de novembro e suas conseqüências. Liberal acirrado e constitucionalista radical, foi um crítico contumaz do chamado poder pessoal de D. Pedro II, todas as vezes que o imperador beneficiou os Conservadores no Ministério, durante os anos 1860 e 1870. Na década de 1880, Tito Franco atuou como um prócere da monarquia brasileira que, segundo ele, era a única forma de organização social capaz de dar ao Brasil a “democracia — religião política em que sempre tenho comungado —, democracia coroada que temos no Império pela Constituição, democracia cristã, ilustrada, laboriosa, onde cada indivíduo aprende a governar-se desde a infância”.

Assim como os anos finais da vida de Joaquim Nabuco, Eduardo Prado, Affonso Celso, Rodolpho Dantas ou Carlos de Laet foram de intensa atividade publicista, os de Tito Franco também foram; nunca mais, porém, de atividade legislativa ou governativa. A vida e a obra desses senhores são, para a maioria dos brasileiros atuais — e até dos historiadores — uma grande incógnita. Por quê? Porque eram monarquistas...

Paulo Napoleão Nogueira da Silva, ex-professor de Direito Constitucional da PUC-SP, teoriza que os brasileiros têm sido submetidos, desde novembro de 1889, ao condicionamento ideológico republicano, segundo o qual a vinda da Corte (1808) foi uma fuga covarde das tropas napoleônicas; o reinado de D. João VI foi caricato, devido a sua figura de bonachão; a Independência do Brasil é mais caudatária do heroísmo do Tiradentes do que do de D. Pedro I; o reinado de D. Pedro II, apesar de tão extenso, não configurou exceção à história de atraso do desenvolvimento econômico, político e social do Brasil, sendo a imagem recorrente do imperador demonstrada pelos livros didáticos prova cabal da “decrepitude” da monarquia brasileira: um velhinho de barbas brancas, algo senil.

Sobre a filha e sucessora de D. Pedro II, D. Isabel (1846-1921) — conhecida quase exclusivamente pela expressão Princesa Isabel —, que durante trinta anos foi a soberana exilada do Brasil na França (1891-1921), a mulher paradoxalmente mais famosa e mais desconhecida da História nacional, proferem-se os maiores despautérios.

Neste “império da ignorância”, reina a falta de conhecimento sobre a melindrosa história da República Velha e seus quarenta anos de militarismo, guerras contra civis, autoritarismo, coronelismo, corrupção governamental. Rui Barbosa, um dos mentores intelectuais do regime estabelecido em 1889 e o maior postulante de sua legitimação jurídica, assim descreve o Brasil em discurso aos membros do Senado, em 1914: "Hoje, senhores, a moral do homem público vai sendo aquela do deputado que, estranhando um amigo vê-lo sustentar o Governo Hermes [da Fonseca], com rara felicidade lhe respondeu: ‘Não sou eu quem sustenta o Governo, ele é que me sustenta’. Não se poderia definir com mais espírito, nem com mais cinismo, a verdade absolutamente verídica da nossa época e do nosso regime”.

Em outra ocasião, ainda em 1914, ele discorre sobre a inação da Justiça num trecho extremamente famoso, quase nunca citado de forma integral: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto... Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime [a Monarquia] o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre — as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Na República, os tarados são os tarudos. Na República, todos os grupos se alhearam do movimento dos partidos, da ação dos Governos, da prática das instituições. (...) a mais grave de todas as ruínas é a falta de penalidade aos criminosos confessos, é a falta de punição quando se aponta um crime que envolve um nome poderoso (...) que todos conhecem, mas que ninguém tem coragem de apontá-lo à opinião pública”.

Os monarquistas brasileiros foram postos na ilegalidade durante 99 anos. Ridiculamente, o mesmo decreto do Marechal Deodoro (85a – 23.12.1889) que estabelecia a previsão de referendum para aquiescência dos brasileiros à República, estabelecia “uma comissão militar para julgamento dos crimes de conspiração contra a República e seu Governo, aplicando-lhes as penas militares de sedição”. Desde a primeira cláusula pétrea anti-monarquista na Constituição de 1891, todas as constituintes do século XX inseriram algum artigo que impedisse a organização de qualquer movimento político contrário à forma de governo vigente.

Em 1987, o deputado federal paulista Antonio Henrique da Cunha Bueno conseguiu inserir uma emenda popular na Constituinte, baseado em um milhão de assinaturas — obtidas em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pará, Pernambuco e vários outros estados — que previa a realização do almejado referendo sobre forma e sistema de governo no Brasil. A Constituição de 1988 tem, nas disposições transitórias, o conclame a esse plebiscito em 7 de setembro de 1993. Manobras políticas de deputados temerosos das simpatias monarquistas conseguiram alterar a data, antecipando-a para 21 de abril, por motivos óbvios...

Em 1992, institutos de pesquisa começaram a demonstrar que a campanha pró-monarquia estava gozando de 22% das intenções de votos e isso apavorou alguns políticos de Brasília, mormente os que compuseram a Frente Presidencialista (PFL / PT / PMDB / PTB) e a Frente Parlamentarista Republicana (PSDB). A campanha do Plebiscito, do ponto de vista do marketing político, naqueles anos terríveis de fins da era Collor, foi um show de incongruências. Os republicanos distorciam a história e diziam que a volta da monarquia significaria a volta da escravidão. Os monarquistas, por sua vez, apesar de argumentos sólidos sobre a estabilidade política de que gozam os dinamarqueses, noruegueses, suecos, japoneses, australianos, canadenses, britânicos, belgas, holandeses etc., não conseguiam fazer entender à população por que seríamos melhores se restaurássemos o trono. Aliás, sobre o aspecto da sucessão ao trono, as divisões entre os monarquistas eram tantas e tamanhas que surgiam mil candidatos a “rei”, não somente entre os Orleans-e-Bragança...

Passado o plebiscito, os monarquistas, extremamente divididos, voltaram a se reunir em pequenos grupos, de atuação limitada. Em 1995, dissidentes da Pró-Monarquia fundaram o Brasil Imperial (www.brasilimperial.org.br), movimento que congrega todos os desgostosos com o reacionarismo de D. Luiz e D. Bertrand, mesmo que em sua maioria sejam favoráveis aos direitos dinásticos de ambos. O movimento é chefiado pelo empresário paulista Alan Assumpção Morgan e pelo general da reserva Pedro de Araújo Braga e edita, mensalmente, a Gazeta Imperial, órgão democrático de exposição do pensamento de monarquistas do Brasil inteiro.

Vários encontros monarquistas foram realizados nos anos 1990 e 2000, tanto em São Paulo e Rio, quanto em outras capitais. A tônica é sempre a de que a instabilidade política da República conduzirá os brasileiros a desejarem a restauração do Império. Por ironia da história, os monarquistas brasileiros assistiram, alhures, no mesmo ano de 1993, primeiro em setembro, depois em novembro, a dois importantíssimos processos políticos de restauração e estabilização social: no Camboja, em setembro, a constituinte finalmente recolocou no trono o idoso rei Norodom Sihanouk, após décadas de exílio e em Uganda, o presidente Yoweri Museveni restabeleceu constitucionalmente os quatro reinos tribais do país (Buganda, Toro, Bunyoro-Kitara e Busoga), após décadas de ditadura militar e guerrilhas civis.

É sabido também que a restauração da Monarquia espanhola em 1975, após a morte do caudilho Francisco Franco, conduziu o país a uma consolidação democrática e a um boom de desenvolvimento social e econômico sem precedentes. Esse é um dos argumentos mais utilizados pelos monarquistas brasileiros. Afinal, a separação entre chefia de Estado e chefia de Governo e a sucessão hereditária da primeira são os pontos ultra-positivos das monarquias modernas. Gastão Reis, atual presidente da FIRJAN da Região Serrana, em recente artigo no Jornal do Brasil sobre o filme A Rainha, de Stephen Frears, comenta: “o soberano é o chefe de Estado por excelência, ou seja, representa a Nação, personifica o interesse público e exerce aquela posição sem dever favores a grupos econômicos ou a partido político que o teria eleito, como ocorreria, por exemplo, num regime parlamentarista republicano.”

Contudo, até os dias de hoje, os monarquistas brasileiros nunca conseguiram apresentar-se como uma alternativa viável dentro dos complexos quadros da política nacional. Parece que a maioria é contrária à criação de um partido monarquista, por se manter leal ao princípio soberanista. Não há um projeto constitucional desenvolvido e eles não possuem representação parlamentar.

José Murilo de Carvalho, autor de dezenas de livros sobre o Império e que está lançando agora a mais recente biografia de D. Pedro II, não suporta a “pecha” de monarquista. Procurado especificamente por causa desta matéria ele foi taxativo: “Não sou monarquista.”. Como historiador e cientista político, ele prefere a qualificação de monarcólogo.

O professor da Universidade Federal de São Carlos (SP), Marco Antonio Villa, autor da mais importante contribuição historiográfica sobre a Guerra de Canudos nos últimos anos, considera ponto pacífico que a República Velha constituiu um período de regresso na História do Brasil, quando comparado ao II Reinado. Todavia, ele não enxerga a menor possibilidade de a restauração voltar a ser cogitada seriamente nos debates políticos nacionais. “Sou um republicano convicto, no sentido de acreditar na defesa da coisa pública acima de tudo; aliás, exatamente como foi D. Pedro II”...

Para fomentar os estudos sobre as décadas de 1880 a 1930, historiadores, advogados, jornalistas e outras dezenas de cultores do abolicionismo e da chamada “redenção do Brasil” fundaram, em 13 de maio de 2001, o Instituto Cultural D. Isabel I a Redentora (www.idisabel.org.br) — o IDII —, na igreja da Imperial Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos do Rio de Janeiro. O instituto propugna o neo-abolicionismo, resgate histórico e retomada do maior movimento social brasileiro do Oitocentos. Concentrando monarquistas ou republicanos, o IDII se importa muito mais com a questão educacional do Brasil do que com disputas entre príncipes e/ou seus partidários. Para os neoabolicionistas, o lema de André Rebouças é o leitmotiv: “Abolir a escravidão não bastou; é necessário abolir a miséria”.

O IDII é apoiado por diversos historiadores, entre os quais o professor da UERJ e da UNIRIO Ricardo Salles que, republicano e gramsciano, já declarou várias vezes: “Apóio o neoabolicionismo e louvo enormemente as iniciativas do IDII”. Da mesma forma, Maria Alice Rezende de Carvalho, professora do IUPERJ e autora de uma esplêndida biografia de André Rebouças. Para ela, resgatar Rebouças, Nabuco, Taunay e vários outros é ajudar a construir o Brasil que eles idealizaram.

quinta-feira, 8 de março de 2007

O filme A RAINHA e o Dia Internacional da Mulher

Assisti ontem, não pela primeira vez, ao filme The Queen, de Peter Morgan (roteiro) e Stephen Frears (direção). Soube, inclusive, pelo acesso à página oficial www.arainha.com.br, que o diretor de fotografia é o brasileiro Affonso Beato.
O vencedor do OSCAR de melhor atriz (2007) para Dame Helen Mirren, totalmente meritório, ao meu ver, é um filme que mescla documentário e ficção de forma magnífica.
Pode não ser uma película “maravilhosa” de se assistir do início ao fim, sobretudo àqueles cujos interesses não sejam voltados às Ciências Sociais e Políticas e à História. A legendagem do filme é de qualidade bem ruim, diga-se en passant, pois inúmeros tratamentos protocolares, pronomes e mesmo verbos são traduzidos incorretamente.
Contudo, o filme é bastante recomendável, digamos assim. Principalmente às MULHERES, objeto maior de nossa divagação ensaística de hoje.
No dia delas, todos nós devemos homenagear nossas esposas, filhas, mães, irmãs, avós e antepassadas em geral, assim como as amigas e as colegas de trabalho.
Nós, ocidentais, cada vez mais tendentes ao desapego da tradição, não honramos como deveríamos a memória de nossas ancestrais. Aquelas mulheres do povo comum, da nobreza ou da realeza de quem todos nós descendemos, de uma forma ou de outra. Aquelas que, convivendo com um patriarcalismo e uma misoginia muitas vezes insuportáveis para algumas delas, conseguiram passar incólumes a maridos tirânicos e a sociedades negadoras da alteridade feminina.
Daí que o filme A RAINHA nos remeta de imediato ao livro Medieval misogyny and the invention of Western romantic love (1991 – trad. no Brasil em 1995, pela Ed. 34), do erudito norte-americano R. Howard Bloch, professor de literatura medieval francesa. Em minha graduação na PUC-Rio, estudei História Medieval com o Prof. Luiz Costa Lima, literato brasileiro, justamente apreciando o livro de Howard Bloch e suas engenhosas contribuições ao conhecimento daquilo que poderíamos chamar de “nascimento do amor”, ou seja, sua invenção pelos nossos ascendentes europeus do século XI. O que nos interessa, contudo, dentro da abordagem de hoje, é o último capítulo do livro, onde Bloch esmiúça as questões relacionadas ao exercício do poder por parte das mulheres. Ele o faz relacionando as soberanas que reinaram durante os séculos XI e XII na Europa medieval. É exatamente nesse paradoxo, o de sociedades misóginas que produziram rainhas ou princesas/duquesas/condessas reinantes, que o autor, encerrando seu livro, chama a atenção do leitor para o fato de que ao gerir uma propriedade, deixa a mulher de ser uma propriedade e, portanto, passa a ter uma igualdade jurídica com o homem que é extramente perniciosa e temida aos olhares masculinos prenhes de sexismo e dualismo.
Ver A RAINHA é, portanto, render homenagem a duas mulheres profundamente marcantes do século XX europeu, e mundial, sejamos francos: Elizabeth II e Diana. Uma pelo anglicanismo estóico, pela agudeza do caráter, pela sabedoria conquistada em quase 60 anos de reinado; outra pelo vigor e a beleza da juventude — para o bem ou para o mal —, pela singeleza do caráter e pela bondade do coração.
Deus, em Sua infinita misericórdia e onisciência, levou Diana Princesa de Gales em um momento de felicidade individual que lhe engrandecia a “beleza interna, tanto quanto a externa”, como disse o irmão dela (Charles, 9º Conde de Spencer), na Missa de Réquiem da Abadia de Westminster, naquele Agosto de 1997. Por outro lado, fez ver ao mundo que a “liberdade” dos meios de comunicação tem limite ético e que os chamados paparazzi não são apenas profissionais de fotografia e sim bandidos.
A História é uma confluência de narrativas acadêmicas que problematiza os fatos passados, tentando desvendar-lhes a “verdade”. Sendo multifatorial, seus profissionais têm dificuldade na apreciação de eventos tão repentinos como o que constituiu a morte trágica de Diana naquele funesto verão europeu. Agora, quase 10 anos depois, puderam os britânicos refletir sobre o que se passou com sua monarca nos dias de choque daquela semana atípica no castelo escocês de Balmoral, através de The Queen, que certamente contou com a consultoria dos historiadores.
Possamos também nós, brasileiros, ver nascer em nossa produção cinematográfica nacional, bons filmes sobre as trajetórias instigantes ou formidáveis de nossas imperatrizes: as consortes D. Carlota Joaquina, D. Maria Leopoldina, D. Amélia e D. Teresa Cristina e a grande D. Isabel primeira e única.


VIVA O DIA INTERNACIONAL DA MULHER!