domingo, 15 de abril de 2007

Monarquia e monarquistas (1)


Monarquia e monarquistas (1)

BRUNO DE CERQUEIRA

Sob este título, precisamente, o jurista Tito Franco d´Almeida (1829-1899) publicava, em 1895, em Belém do Pará, seu livro de memórias sobre os anos traumáticos pós-1889, onde ele e alguns antigos chefes políticos paraenses se reuniam tentando manter viva a chama de fidelidade ao Império do Brasil e à Dinastia exilada.

Tito Franco era conselheiro do Império e havia sido eleito deputado geral para a última Câmara; estava viajando ao Rio de Janeiro quando soube, no meio do caminho, do golpe de 15 de novembro e suas conseqüências. Liberal acirrado e constitucionalista radical, foi um crítico contumaz do chamado poder pessoal de D. Pedro II, todas as vezes que o imperador beneficiou os Conservadores no Ministério, durante os anos 1860 e 1870. Na década de 1880, Tito Franco atuou como um prócere da monarquia brasileira que, segundo ele, era a única forma de organização social capaz de dar ao Brasil a “democracia — religião política em que sempre tenho comungado —, democracia coroada que temos no Império pela Constituição, democracia cristã, ilustrada, laboriosa, onde cada indivíduo aprende a governar-se desde a infância”.

Assim como os anos finais da vida de Joaquim Nabuco, Eduardo Prado, Affonso Celso, Rodolpho Dantas ou Carlos de Laet foram de intensa atividade publicista, os de Tito Franco também foram; nunca mais, porém, de atividade legislativa ou governativa. A vida e a obra desses senhores são, para a maioria dos brasileiros atuais — e até dos historiadores — uma grande incógnita. Por quê? Porque eram monarquistas...

Paulo Napoleão Nogueira da Silva, ex-professor de Direito Constitucional da PUC-SP, teoriza que os brasileiros têm sido submetidos, desde novembro de 1889, ao condicionamento ideológico republicano, segundo o qual a vinda da Corte (1808) foi uma fuga covarde das tropas napoleônicas; o reinado de D. João VI foi caricato, devido a sua figura de bonachão; a Independência do Brasil é mais caudatária do heroísmo do Tiradentes do que do de D. Pedro I; o reinado de D. Pedro II, apesar de tão extenso, não configurou exceção à história de atraso do desenvolvimento econômico, político e social do Brasil, sendo a imagem recorrente do imperador demonstrada pelos livros didáticos prova cabal da “decrepitude” da monarquia brasileira: um velhinho de barbas brancas, algo senil.

Sobre a filha e sucessora de D. Pedro II, D. Isabel (1846-1921) — conhecida quase exclusivamente pela expressão Princesa Isabel —, que durante trinta anos foi a soberana exilada do Brasil na França (1891-1921), a mulher paradoxalmente mais famosa e mais desconhecida da História nacional, proferem-se os maiores despautérios.

Neste “império da ignorância”, reina a falta de conhecimento sobre a melindrosa história da República Velha e seus quarenta anos de militarismo, guerras contra civis, autoritarismo, coronelismo, corrupção governamental. Rui Barbosa, um dos mentores intelectuais do regime estabelecido em 1889 e o maior postulante de sua legitimação jurídica, assim descreve o Brasil em discurso aos membros do Senado, em 1914: "Hoje, senhores, a moral do homem público vai sendo aquela do deputado que, estranhando um amigo vê-lo sustentar o Governo Hermes [da Fonseca], com rara felicidade lhe respondeu: ‘Não sou eu quem sustenta o Governo, ele é que me sustenta’. Não se poderia definir com mais espírito, nem com mais cinismo, a verdade absolutamente verídica da nossa época e do nosso regime”.

Em outra ocasião, ainda em 1914, ele discorre sobre a inação da Justiça num trecho extremamente famoso, quase nunca citado de forma integral: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto... Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime [a Monarquia] o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre — as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Na República, os tarados são os tarudos. Na República, todos os grupos se alhearam do movimento dos partidos, da ação dos Governos, da prática das instituições. (...) a mais grave de todas as ruínas é a falta de penalidade aos criminosos confessos, é a falta de punição quando se aponta um crime que envolve um nome poderoso (...) que todos conhecem, mas que ninguém tem coragem de apontá-lo à opinião pública”.

Os monarquistas brasileiros foram postos na ilegalidade durante 99 anos. Ridiculamente, o mesmo decreto do Marechal Deodoro (85a – 23.12.1889) que estabelecia a previsão de referendum para aquiescência dos brasileiros à República, estabelecia “uma comissão militar para julgamento dos crimes de conspiração contra a República e seu Governo, aplicando-lhes as penas militares de sedição”. Desde a primeira cláusula pétrea anti-monarquista na Constituição de 1891, todas as constituintes do século XX inseriram algum artigo que impedisse a organização de qualquer movimento político contrário à forma de governo vigente.

Em 1987, o deputado federal paulista Antonio Henrique da Cunha Bueno conseguiu inserir uma emenda popular na Constituinte, baseado em um milhão de assinaturas — obtidas em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pará, Pernambuco e vários outros estados — que previa a realização do almejado referendo sobre forma e sistema de governo no Brasil. A Constituição de 1988 tem, nas disposições transitórias, o conclame a esse plebiscito em 7 de setembro de 1993. Manobras políticas de deputados temerosos das simpatias monarquistas conseguiram alterar a data, antecipando-a para 21 de abril, por motivos óbvios...

Em 1992, institutos de pesquisa começaram a demonstrar que a campanha pró-monarquia estava gozando de 22% das intenções de votos e isso apavorou alguns políticos de Brasília, mormente os que compuseram a Frente Presidencialista (PFL / PT / PMDB / PTB) e a Frente Parlamentarista Republicana (PSDB). A campanha do Plebiscito, do ponto de vista do marketing político, naqueles anos terríveis de fins da era Collor, foi um show de incongruências. Os republicanos distorciam a história e diziam que a volta da monarquia significaria a volta da escravidão. Os monarquistas, por sua vez, apesar de argumentos sólidos sobre a estabilidade política de que gozam os dinamarqueses, noruegueses, suecos, japoneses, australianos, canadenses, britânicos, belgas, holandeses etc., não conseguiam fazer entender à população por que seríamos melhores se restaurássemos o trono. Aliás, sobre o aspecto da sucessão ao trono, as divisões entre os monarquistas eram tantas e tamanhas que surgiam mil candidatos a “rei”, não somente entre os Orleans-e-Bragança...

Passado o plebiscito, os monarquistas, extremamente divididos, voltaram a se reunir em pequenos grupos, de atuação limitada. Em 1995, dissidentes da Pró-Monarquia fundaram o Brasil Imperial (www.brasilimperial.org.br), movimento que congrega todos os desgostosos com o reacionarismo de D. Luiz e D. Bertrand, mesmo que em sua maioria sejam favoráveis aos direitos dinásticos de ambos. O movimento é chefiado pelo empresário paulista Alan Assumpção Morgan e pelo general da reserva Pedro de Araújo Braga e edita, mensalmente, a Gazeta Imperial, órgão democrático de exposição do pensamento de monarquistas do Brasil inteiro.

Vários encontros monarquistas foram realizados nos anos 1990 e 2000, tanto em São Paulo e Rio, quanto em outras capitais. A tônica é sempre a de que a instabilidade política da República conduzirá os brasileiros a desejarem a restauração do Império. Por ironia da história, os monarquistas brasileiros assistiram, alhures, no mesmo ano de 1993, primeiro em setembro, depois em novembro, a dois importantíssimos processos políticos de restauração e estabilização social: no Camboja, em setembro, a constituinte finalmente recolocou no trono o idoso rei Norodom Sihanouk, após décadas de exílio e em Uganda, o presidente Yoweri Museveni restabeleceu constitucionalmente os quatro reinos tribais do país (Buganda, Toro, Bunyoro-Kitara e Busoga), após décadas de ditadura militar e guerrilhas civis.

É sabido também que a restauração da Monarquia espanhola em 1975, após a morte do caudilho Francisco Franco, conduziu o país a uma consolidação democrática e a um boom de desenvolvimento social e econômico sem precedentes. Esse é um dos argumentos mais utilizados pelos monarquistas brasileiros. Afinal, a separação entre chefia de Estado e chefia de Governo e a sucessão hereditária da primeira são os pontos ultra-positivos das monarquias modernas. Gastão Reis, atual presidente da FIRJAN da Região Serrana, em recente artigo no Jornal do Brasil sobre o filme A Rainha, de Stephen Frears, comenta: “o soberano é o chefe de Estado por excelência, ou seja, representa a Nação, personifica o interesse público e exerce aquela posição sem dever favores a grupos econômicos ou a partido político que o teria eleito, como ocorreria, por exemplo, num regime parlamentarista republicano.”

Contudo, até os dias de hoje, os monarquistas brasileiros nunca conseguiram apresentar-se como uma alternativa viável dentro dos complexos quadros da política nacional. Parece que a maioria é contrária à criação de um partido monarquista, por se manter leal ao princípio soberanista. Não há um projeto constitucional desenvolvido e eles não possuem representação parlamentar.

José Murilo de Carvalho, autor de dezenas de livros sobre o Império e que está lançando agora a mais recente biografia de D. Pedro II, não suporta a “pecha” de monarquista. Procurado especificamente por causa desta matéria ele foi taxativo: “Não sou monarquista.”. Como historiador e cientista político, ele prefere a qualificação de monarcólogo.

O professor da Universidade Federal de São Carlos (SP), Marco Antonio Villa, autor da mais importante contribuição historiográfica sobre a Guerra de Canudos nos últimos anos, considera ponto pacífico que a República Velha constituiu um período de regresso na História do Brasil, quando comparado ao II Reinado. Todavia, ele não enxerga a menor possibilidade de a restauração voltar a ser cogitada seriamente nos debates políticos nacionais. “Sou um republicano convicto, no sentido de acreditar na defesa da coisa pública acima de tudo; aliás, exatamente como foi D. Pedro II”...

Para fomentar os estudos sobre as décadas de 1880 a 1930, historiadores, advogados, jornalistas e outras dezenas de cultores do abolicionismo e da chamada “redenção do Brasil” fundaram, em 13 de maio de 2001, o Instituto Cultural D. Isabel I a Redentora (www.idisabel.org.br) — o IDII —, na igreja da Imperial Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos do Rio de Janeiro. O instituto propugna o neo-abolicionismo, resgate histórico e retomada do maior movimento social brasileiro do Oitocentos. Concentrando monarquistas ou republicanos, o IDII se importa muito mais com a questão educacional do Brasil do que com disputas entre príncipes e/ou seus partidários. Para os neoabolicionistas, o lema de André Rebouças é o leitmotiv: “Abolir a escravidão não bastou; é necessário abolir a miséria”.

O IDII é apoiado por diversos historiadores, entre os quais o professor da UERJ e da UNIRIO Ricardo Salles que, republicano e gramsciano, já declarou várias vezes: “Apóio o neoabolicionismo e louvo enormemente as iniciativas do IDII”. Da mesma forma, Maria Alice Rezende de Carvalho, professora do IUPERJ e autora de uma esplêndida biografia de André Rebouças. Para ela, resgatar Rebouças, Nabuco, Taunay e vários outros é ajudar a construir o Brasil que eles idealizaram.

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