sexta-feira, 15 de junho de 2012

Artigo - O jubileu de diamante, a monarquia britânica e o papado



O jubileu de diamante, a monarquia britânica e o papado
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Bruno de Cerqueira*
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Inúmeras têm sido as manifestações por ocasião dos 60 anos de reinado de Elizabeth II da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, do Canadá, da Austrália, da Nova Zelândia, da Jamaica, de Belize etc. Trata-se do Chefe de Estado mais importante do mundo, pois que titulariza a maior quantidade de nações!
Em artigo muito interessante (http://cronai.wordpress.com/2012/06/07/god-save-the-queen/), a jornalista Cora Ronai acaba de nos falar sobre sua continuada aversão à instituição monárquica, mas salienta ela admirar de forma inconteste a monarca mais visada, fotografada, comentada e, por muitos, venerada, do planeta.
Elizabeth Alexandra Mary desperta nas pessoas sentimentos complexos: respeito, admiração e acatamento nos súditos fieis; indignação e até afetação nos republicanos do Reino Unido – eles existem! – e dos “Overseas Realms”. Àqueles que desejam e batalham pelo fim da monarquia na “terra da Rainha” e em seus antigos domínios coloniais, a tarefa é hercúlea, senão quimérica.
O filme “The Queen”, de Stephen Frears (2007), interpreta com maestria os dissabores e infortúnios da soberana quando morreu-lhe a antiga nora e, em alguns sentidos, rival na atenção do público britânico e mundial. Por óbvio os diálogos são frutos da imaginação do diretor e dos escritores, mas vários se aproximam da possibilidade de verossimilhança. Aliás, é necessário reconhecer que o grande sucesso da película se deve à brilhante Helen Mirren e demais astros do elenco, para além da direção; contudo, o que ninguém comenta é que o filme é fortemente baseado em alguns documentários da rede estatal britânica BBC, em especial o “Queen Elizabeth II reflects on her service: rare footage”, de 1992.
Há muito a se dizer sobre a era elisabetana no séc. XX. A “era elisabetana”, como costumamos designar, é o reinado de sua avoenga, Elizabeth I (1533-1603), que governou de 1558 até a morte. Trata-se do Quinhentos – forma com a qual os historiadores italianos gostam de apelidar os séculos, após o XIV – na Grande Albion, uma época de terríveis conflitos religiosos.
E aqui entramos no objeto do presente artigo, despretensioso, mas que deseja instigar os nossos leitores.
Sua Santidade o Papa acaba de enviar um telegrama a Sua Majestade Graciosíssima a Rainha, conforme reporta a agência de notícias vaticana ZENIT:
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CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 6 de junho de 2012 (ZENIT.org) – Por ocasião do Jubileu de Diamante da rainha Elizabeth II, o papa Bento XVI enviou um telegrama de cumprimentos à monarca.
 
O Santo Padre ofereceu os seus “sinceros parabéns a Sua Majestade”, elogiando Elizabeth II por dar “aos súditos e ao mundo um exemplo inspirador de dedicação ao dever e de compromisso com os princípios da liberdade, da justiça e da democracia, conservando uma nobre visão do papel de uma monarquia cristã”.
 
Bento XVI recordou “as corteses boas-vindas” recebidas de Elizabeth II em Edimburgo, em setembro de 2010, no início da sua visita pastoral ao Reino Unido, e renovou os agradecimentos pela hospitalidade experimentada na ocasião.
 
“Seu compromisso pessoal com a cooperação e com o respeito mútuo entre os crentes das diferentes tradições religiosas tem contribuído em grande medida para incentivar as relações ecumênicas e inter-religiosas através do seu reinado”.
 
Confiando a rainha e toda a família real “à proteção de Deus Todo-Poderoso”, Bento XVI reiterou seus “melhores desejos” e assegurou suas orações por “saúde e prosperidade contínuas”.
 
 
O que vemos, portanto? Vemos que na segunda era elisabetana aqueles conflitos e guerras de séculos atrás são finalmente superados.
O republicanismo norte-irlandês, bastante imbuído de catolicismo fanático, também finou-se, e a Rainha visitou a República da Irlanda em maio de 2011.
Alguém sabe dizer o quanto a “Defensora da Fé”, um dos muitos títulos de realeza que Elizabeth II possui, trabalhou por tudo isso? Em sua discrição absoluta, sua quase “marmoreidade”, alguém sabe dizer o quanto a Rainha é uma pessoa verdadeiramente cristã e verdadeiramente caridosa para com os outros, os estranhos, os pobres e, sobretudo, os diferentes?
Há várias biografias da Rainha. Devo confessar que nunca li nenhuma. Mas arrisco opinar que se trata de uma pessoa profundamente religiosa, uma crente e fiel em Jesus Cristo das maiores que já se viu na Terra. Alguém em quem a fórmula da tradição, “By the Grace of God, Queen” ressoa de forma permanente. Alguém que pôs toda sua vida, e seu reinado, a serviço dos seus povos, que são centenas de nações e etnias.
A Chefe da Commonwealth é uma das maiores cristãs de nosso planeta e mirando Elizabeth II nós podemos ver o quanto as teorizações de Ciência Política e das ciências sociais em geral sobre a separação entre Igreja e Estado podem falhar… Um documentário antigo, que se pode encontrar no site da Pathé, diz exatamente o contrário do que aprendemos na academia: que a união entre a igreja e o estado (anglicanismo na Inglaterra e em Gales, presbiterianismo escocês) é uma fórmula capabilíssima de trazer bem-estar ao povo… Como diria Levis-Strauss, isso é bom para pensar! Afinal, na Dinamarca, na Suécia e na Noruega o luteranismo é a religião oficial e ninguém reclama disso.
Independentemente de ser a favor ou contra essa união, que nos catolicismos nacionais sempre foi uma tortuosa realidade, quero chamar a atenção para as palavras papais: a monarquia de Elizabeth II e de seus ancestrais é uma monarquia cristã. O significado disso é enorme.
Que não me venha nenhum amigo com o clichê de que ser cristão não é ser santo e perfeito, pois todos o sabemos. Mas ser cristão significa almejar essa santidade cuja fonte inestimável e inesgotável é o próprio Senhor e Rei do Universo.
Essa é a grande marca, a meu ver, da segunda era elisabetana, tão pouco investigada e descurada, como chamo atenção: a do cristianismo enraizado de sua soberana, sempre tentando superar desgraças, rancores, desamores, que o passado teima em manter e retroalimentar no presente.
Quando o Príncipe William desposou Catherine Elizabeth Middleton, na Abadia de Westminster, tive oportunidade de comentar o casamento na Globonews. Na hora em que o noivo adentrou o presbitério, ele se retirou com o irmão, o Príncipe Henry, para um lugar atrás, ou ao lado, por alguns minutos. Percebi que nenhum comentarista entendeu aquilo. Daí eu disse: nesse momento o príncipe foi rezar em um dos muitos altares laterais que a igreja possui, para rogar a Deus, através de seus inúmeros antepassados enterrados ali, alguns dos quais canonizados pela Igreja e celebrados até hoje pelos anglicanos mundo-afora, para que sua união com a jovem e bela “Kate” seja feliz e abençoada. Coisas de um neto de Elizabeth II…
Parodiando o hino,God saves the Queen!
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Bruno de Cerqueira, indigenista especializado (analista) da Funai,
é historiador, internacionalista e monarcólogo.
Leciona Organização de Eventos, Cerimonial e Protocolo.