quinta-feira, 8 de março de 2007

O filme A RAINHA e o Dia Internacional da Mulher

Assisti ontem, não pela primeira vez, ao filme The Queen, de Peter Morgan (roteiro) e Stephen Frears (direção). Soube, inclusive, pelo acesso à página oficial www.arainha.com.br, que o diretor de fotografia é o brasileiro Affonso Beato.
O vencedor do OSCAR de melhor atriz (2007) para Dame Helen Mirren, totalmente meritório, ao meu ver, é um filme que mescla documentário e ficção de forma magnífica.
Pode não ser uma película “maravilhosa” de se assistir do início ao fim, sobretudo àqueles cujos interesses não sejam voltados às Ciências Sociais e Políticas e à História. A legendagem do filme é de qualidade bem ruim, diga-se en passant, pois inúmeros tratamentos protocolares, pronomes e mesmo verbos são traduzidos incorretamente.
Contudo, o filme é bastante recomendável, digamos assim. Principalmente às MULHERES, objeto maior de nossa divagação ensaística de hoje.
No dia delas, todos nós devemos homenagear nossas esposas, filhas, mães, irmãs, avós e antepassadas em geral, assim como as amigas e as colegas de trabalho.
Nós, ocidentais, cada vez mais tendentes ao desapego da tradição, não honramos como deveríamos a memória de nossas ancestrais. Aquelas mulheres do povo comum, da nobreza ou da realeza de quem todos nós descendemos, de uma forma ou de outra. Aquelas que, convivendo com um patriarcalismo e uma misoginia muitas vezes insuportáveis para algumas delas, conseguiram passar incólumes a maridos tirânicos e a sociedades negadoras da alteridade feminina.
Daí que o filme A RAINHA nos remeta de imediato ao livro Medieval misogyny and the invention of Western romantic love (1991 – trad. no Brasil em 1995, pela Ed. 34), do erudito norte-americano R. Howard Bloch, professor de literatura medieval francesa. Em minha graduação na PUC-Rio, estudei História Medieval com o Prof. Luiz Costa Lima, literato brasileiro, justamente apreciando o livro de Howard Bloch e suas engenhosas contribuições ao conhecimento daquilo que poderíamos chamar de “nascimento do amor”, ou seja, sua invenção pelos nossos ascendentes europeus do século XI. O que nos interessa, contudo, dentro da abordagem de hoje, é o último capítulo do livro, onde Bloch esmiúça as questões relacionadas ao exercício do poder por parte das mulheres. Ele o faz relacionando as soberanas que reinaram durante os séculos XI e XII na Europa medieval. É exatamente nesse paradoxo, o de sociedades misóginas que produziram rainhas ou princesas/duquesas/condessas reinantes, que o autor, encerrando seu livro, chama a atenção do leitor para o fato de que ao gerir uma propriedade, deixa a mulher de ser uma propriedade e, portanto, passa a ter uma igualdade jurídica com o homem que é extramente perniciosa e temida aos olhares masculinos prenhes de sexismo e dualismo.
Ver A RAINHA é, portanto, render homenagem a duas mulheres profundamente marcantes do século XX europeu, e mundial, sejamos francos: Elizabeth II e Diana. Uma pelo anglicanismo estóico, pela agudeza do caráter, pela sabedoria conquistada em quase 60 anos de reinado; outra pelo vigor e a beleza da juventude — para o bem ou para o mal —, pela singeleza do caráter e pela bondade do coração.
Deus, em Sua infinita misericórdia e onisciência, levou Diana Princesa de Gales em um momento de felicidade individual que lhe engrandecia a “beleza interna, tanto quanto a externa”, como disse o irmão dela (Charles, 9º Conde de Spencer), na Missa de Réquiem da Abadia de Westminster, naquele Agosto de 1997. Por outro lado, fez ver ao mundo que a “liberdade” dos meios de comunicação tem limite ético e que os chamados paparazzi não são apenas profissionais de fotografia e sim bandidos.
A História é uma confluência de narrativas acadêmicas que problematiza os fatos passados, tentando desvendar-lhes a “verdade”. Sendo multifatorial, seus profissionais têm dificuldade na apreciação de eventos tão repentinos como o que constituiu a morte trágica de Diana naquele funesto verão europeu. Agora, quase 10 anos depois, puderam os britânicos refletir sobre o que se passou com sua monarca nos dias de choque daquela semana atípica no castelo escocês de Balmoral, através de The Queen, que certamente contou com a consultoria dos historiadores.
Possamos também nós, brasileiros, ver nascer em nossa produção cinematográfica nacional, bons filmes sobre as trajetórias instigantes ou formidáveis de nossas imperatrizes: as consortes D. Carlota Joaquina, D. Maria Leopoldina, D. Amélia e D. Teresa Cristina e a grande D. Isabel primeira e única.


VIVA O DIA INTERNACIONAL DA MULHER!