sábado, 10 de janeiro de 1998

Liechtenstein: do principado medieval ao moderno Estado


Quando se fala em Liechtenstein, geralmente vêm à tona dois pensamentos incorretos. O primeiro e mais comum é também o mais injusto e inverídico: a afirmação de que o Principado é o paraíso fiscal da Europa; o segundo é a inexplicável idéia de defini-lo simplesmente como a fronteira entre as "famosas" Áustria e Suíça. Ambos pensamentos são falsas impressões e ofendem muito aos liechtensteinenses, pois não têm fundo real algum. No primeiro caso porque lá, assim como em qualquer outro País do mundo, há taxas e impostos - mesmo sendo fato que as empresas gozam de privilégios fiscais, o que não significa ausência total de impostos, como ocorre, por exemplo, nas Ilhas Caymam. E no segundo caso porque restringe à Nação apenas uma de suas características, descartando dessa forma a oportunidade de se conhecer detalhadamente a cultura e a História próprias desse pequeno, porém próspero, Principado, que fica no coração da Europa.

Aliás, que História fascinante tem o Liechtenstein! Esse mini-estado, que bem poderia ser denominado "o último dos Principados" - numa alusão às Monarquias que compunham tanto o I quanto o II Reich alemães, um dissolvido por Napoléon Bonaparte, que achou-se capaz de destituir o Sacro Imperador Romano-Germânico, e o outro assolado pela catastrófica I Guerra Mundial - já que seu único análogo, Mônaco, tem formação histórica totalmente diversa das suas origens teutônicas. A saga do quarto menor país do planeta (160 km2) sempre poderá ser resumida no seguinte questionamento: Por que mesmo com a deposição da Monarquia Austro-Húngara em 1919, o Principado de Liechtenstein manteve-se como Nação soberana, se sua Família Reinante era tão austríaca quanto muitas outras despojadas de seus títulos e territórios? Apesar dos historiadores creditarem à neutralidade do País na Guerra a salvação do Trono, tudo indica que a Suíça foi a fiel amiga dos liechtensteinenses nesse crucial momento.

Utilizando-se de seu peso diplomático, ela preferiu que as instituições governamentais de seu minúsculo vizinho mantivessem-se intactas, talvez para fazer dele um resquício emblemático do glorioso passado feudal europeu. Nem todo o espírito democrático suíço resistiu ao charme do Principado de Liechtenstein! A partir de 1921, foram estabelecidos vários tratados aduaneiros entre os dois países. Fatores como representação diplomática, defesa e sistema monetário seriam então realizadas pela Suíça. Um tratado postal estabeleceu, no entanto, que os selos do Principado teriam caráter nacional e seriam amplamente independentes dos suíços. É graças a esse pacto que Liechtenstein desfruta hoje de um prestígio mundial na produção de selos e estampas que fazem a alegria dos filatelistas. Há até um Museu Postal em Vaduz, onde são expostos os primeiros das incontáveis séries já lançadas no Principado.
Retornando à História do País, pode-se dizer que nos primórdios, a região foi habitada pelos celtas (cerca de 3000 A.C.). No ano 15 A.C., o Império Romano conquistou o lugar, incorporando-o à Província de Rhaetia. Os germanos só chegaram onde atualmente fica o Principado em meados do séc. IV. Com o advento do feudalismo, logo Liechtenstein também sofreu mudanças. Em 1342, houve a formação do Condado de Vaduz, resultado da divisão dos bens dos Condes de Werdenberg. O Castelo, já existente, é mencionado pela primeira vez no reinado dessa Dinastia, e torna-se a residência dos Condes de Vaduz a partir de Hartmam III. 

Durante as Guerras da Suábia e dos Trinta Anos, o Castelo foi agredido por irreparáveis danos. Somente em 1699, um Príncipe austríaco de nome Johannes Adam Andreas von Liechtenstein adquiriu o Senhorio de Schellenberg, seguido pelo Condado de Vaduz, em 1712, conseguindo fazer com que o Imperador Karl VI os elevasse à categoria de Imperial Principado, que recebe então o nome de sua Dinastia: Liechtenstein.

Após perecer em inúmeras situações críticas, como a invasão napoleônica em 1799, o país finalmente conquistou sua soberania em 1806, na Confederação do Reno. Em 1815, Liechtenstein foi incluído na Confederação Germânica, presidida pela Áustria, com a qual seus laços são ainda mais estreitados em 1852, através de um tratado de custos. O fim da Confederação, em 1866, confirma a soberania do Principado, que já possuía à época um Parlamento (Landtag), inaugurado quatro anos antes pelo Príncipe Johann II (*1858 †1929), considerado o pai do moderno estado e cognominado pelo povo de "o Bom".

Depois de Johann II, o Príncipe Reinante que mais marcou a vida e os costumes dos liechtensteinenses foi, sem sombra de dúvidas, Franz Josef II (*1906 †1989), que governou de 1938 até 1984. Esse Príncipe, além de fixar residência no País - antes dele, todos residiram no Palácio Liechtenstein, em Viena - foi o grande responsável pela enorme admiração e afeição que o povo nutre pela Monarquia, ao ponto de nenhum partido político discutir a substituição dessa forma de governo. Quando em 1938, Franz Josef assumiu o Trono, ele mandou restaurar por completo o Castelo de Vaduz, para que servisse de moradia permanente da Família Principesca. Em 1984, ele delegou seus poderes representativos ao filho mais velho, o Príncipe Hereditário Hans-Adam (*1945). Sua morte, em 13 de novembro de 1989, precedida pela de sua Esposa, a venerada Princesa Gina (*1921 †1989), em 18 de outubro, consternou de tal forma a população que ela compareceu em peso aos funerais.
O Herdeiro foi então aclamado "Sua Alteza Sereníssima Hans-Adam II, pela Graça de Deus, Príncipe Reinante de Liechtenstein, Duque de Troppau e Jägerndorff, Conde de Rietberg" e iniciou seu reinado anunciando à Nação que ela fora admitida como o 160º membro da ONU. Ele prossegue a luta de seu Pai, no sentido de reaver os bens (terras e castelos) confiscados pelos comunistas na ex-Tchecoslováquia em 1945 - trata-se de uma propriedade ancestral de 1600 km², dez vezes o tamanho do Principado, avaliada em cerca de US$ 1 bilhão.

Em 1993, o povo regozijou-se com o casamento de seu filho mais velho, o Príncipe Hereditário Aloïs (*1968), com a Princesa Sophie da Baviera, Duquesa na Baviera (*1967). Algo de místico cercou esta nobre boda, talvez pelo fato de ser a primeira vez que os liechtensteinenses viram a união de seu Príncipe Herdeiro com uma Princesa de verdade; é que tanto a atual Princesa Reinante quanto sua sogra e antecessora eram Condessas antes de se casarem. Ainda que a primeira fosse uma "Alteza" do antigo Sacro Império e a segunda nem isso, o enlace entre seu Príncipe com um membro da Casa de Wittelsbach, uma das mais antigas Dinastias Germânicas, em uma época cada vez menos comum de se assistir a tais uniões, simplesmente encantou-os. Toda a renda obtida com a venda de souvenirs do casamento foi destinada ao tratamento das crianças feridas na Guerra da ex-Iugoslávia.

No mesmo ano de 1993, ocorreram entretanto em Liechtenstein graves distúrbios políticos, ligeiramente solucionados pelo Príncipe Hans-Adam II que, exercendo o que nós chamaríamos de Poder Moderador, dissolveu o Landtag e convocou eleições gerais. A crise foi ocasionada pelas disputas dos dois principais partidos, o dos Cidadãos Progressistas e a União Patriótica. Em 1994, um plebiscito aprovou a entrada do Principado no Espaço Econômico Europeu.

No quesito cultural, não são poucas as coisas a se dizer sobre Liechtenstein. A maioria da população fala um Alemão regional, porém nas escolas - únicos centros de estudo que o País possui; ao terminarem o segundo grau, os estudantes ingressam em universidades suíças, austríacas ou mesmo americanas - ensina-se o Alemão formal (Hoher Deutsch). Triensenberg é uma exceção, pois ali fala-se um dialeto próprio, o "walseriano", herdado dos seus antepassados e tradicionalmente transmitido de geração a geração. O Catolicismo é praticado por 85% da população e ainda influencia consideravelmente o seu jeito de ser e de viver.

Dos 30.000 habitantes de Liechtenstein, 11.500 (38%) são estrangeiros suíços, alemães, austríacos e de outras nacionalidades. O povo liechtensteinense pode ser descrito como ordeiro e pacato, mas é bastante trabalhador. O Principado tem indústrias de pequeno e médio porte e são famosos pela qualidade os produtos odontológicos. Inexiste desemprego e a renda per capita é superior a US$ 30 mil.

Todos os anos são realizadas algumas festividades, alegremente celebradas pelo povo. Além do Fasnacht (Carnaval), são também feriados o 14 de fevereiro (Aniversário do Príncipe) e o 15 de agosto (Dia Nacional). Nessas ocasiões é comum se ver desfiles infantis e queima de fogos, tudo num clima muito descontraído que conta com a presença até da Família Reinante.
Geograficamente falando, Liechtenstein se divide em onze comunas, todavia na prática ele é separado em dois distritos eleitorais, o país alto - correspondente ao antigo Senhorio de Schellenberg -, que elege seus dez deputados, formado por Eschen, Gamprin, Ruggell, Mauren e Schellenberg e o país baixo - correspondente do antigo Condado de Vaduz -, que elege seus quinze deputados, formado por Balzers, Triesen, Schann, Triesenberg, Planken e Vaduz. As vilas de Planken, Triesenberg e Schellenberg ficam situadas nas montanhas.

Vaduz, a capital e centro cultural da Nação, conta com inúmeros pontos de atração turística. Afora o já citado esplendoroso Castelo, a cidade possui a bela Igreja de São Floriano, em estilo neo-gótico, erguida em 1793 pelo arquiteto Friedrich von Schmidt; próximo a ela, fica o Palácio do Governo, que abriga a Câmara dos Deputados e o gabinete do Primeiro-Ministro; entre esses locais, encontra-se o monumento ao músico e compositor Josef Gabriel Rheinberger (*1839 †1901), um liechtensteinense famoso por suas interpretações de clássicos religiosos - a casa em que nasceu é hoje a Escola Nacional de Música -; a "Casa Vermelha", com sua instigante arquitetura; o Museu Nacional, onde estão expostos alguns dos quadros da Coleção de Arte dos Príncipes de Liechtenstein, composta por dezenas de obras de pintores como Rubens, Van Dick, Franz Hals, etc., adquiridas pela Casa Principesca desde o séc. XVI e de valor incalculável.

Os outros principais pontos turísticos do Principado estão bem espalhados. Em Balzers, há o pequeno Castelo de Gutenberg e a Capela de São Pedro; em Triesen, a Capela de São Mamerto, a Reserva Ambiental Heilos e o Centro Comunitário; em Eschen, a Capela de Rofenberg e a restaurada Casa de Prebendaria, sendo esses os mais importantes.
Grande parte dos turistas - cerca de cem mil por ano - busca no País uma espécie de refúgio aconchegante, daí ter razão de existir um grande número de colônias de férias, cujas atividades estão basicamente voltadas para interesses desportivos de verão e inverno. As maiores colônias localizam-se em Malbum e Steg.

A culinária de Liechtenstein é bastante variada e inclui uma especialidade, a käsknöpfle (pequenas bolinhas feitas com massa de farinha de trigo e ovos, gratinadas com queijos azedos) e saborosos vinhos. Os restaurantes, muito finos e requintados, são considerados os melhores da região helvética.

No vale do Rio Reno, sua fronteira com a Suíça, se estabelecem oito das onze comunas; para quem aprecia longos passeios de barco e a beleza dos fabulosos castelos germânicos, esta é a melhor parte da visita ao Principado.

Enfim, se ao visitar Liechtenstein, você tiver a nítida sensação de estar pisando num pedaço do Reino da Fantasia, isto será verdadeiramente compreensível...