terça-feira, 13 de novembro de 2012

Artigo - Os Orleans e Bragança próximos do poder… em Portugal e na Sérvia



Os Orleans e Bragança próximos do poder…
em Portugal e na Sérvia

Bruno de Cerqueira*
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A terrível crise econômica e política por que passa a pátria-mãe lusa dos brasileiros faz reacender em muitos ambientes a discussão sobre a restauração – ou reinstalação, para os que não partilham de uma visão passadista – da monarquia portuguesa, na figura do chefe da Casa Real e, de jure, dinasticamente, Rei D. Duarte III de Portugal, conhecido em todo o país como Duque de Bragança, um dos muitos títulos que possui D. Duarte Pio, nascido em 1945, na Suíça, quando a lei de banimento dos Bragança ainda imperava na República Portuguesa… 
D. Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael de Bragança e Orleans e Bragança, afilhado de batismo do Papa Pio XII (1876-1958), é o primogênito de D. Duarte Nuno (1907-1976), Duque de Bragança e neto e sucessor de D. Miguel I, o desditoso irmão de nosso D. Pedro I, e de D. Maria Francisca (1914-1968), nascida princesa de Orleans-e-Bragança, neta da Redentora. 
Ele casou-se na festa de Nossa Senhora de Fátima, em 13 de maio de 1995, em uma megaevento televisionado para Portugal e quase todos os países lusófonos, no Mosteiro dos Jerônimos, com a nobre portuguesa D. Isabel Inês de Castro Curvello de Herédia, da Casa dos Viscondes de Ribeira Brava, uma linhagem de administradores dos territórios insulares portugueses de Açores e Madeira. O casal (Casal Real para os portugueses ditos “monárquicos”) gerou os almejados três herdeiros da Coroa: o Príncipe da Beira, D. Afonso de Santa Maria (1996), a Infanta D. Maria Francisca Isabel (1997) e o Infante D. Diniz de Santa Maria (1999). 
D. Duarte, um bisneto de D. Isabel I que costuma definir Portugal como sua “pátria” e o Brasil como sua “mátria”, goza de uma estima considerável entre os habitantes do outrora Reino de Portugal e Algarves e seus antigos domínios coloniais, aí incluindo nosso País. Desde adolescente, ele visitou o Brasil inúmeras vezes, conheceu a Amazônia, encontrou e travou contato com muitas tribos indígenas; nesse ínterim, é válido salientar que ele e seu primo-irmão brasileiro, D. João Henrique, têm o espírito do avô, D. Pedro de Alcantara (1875-1940) e do tio-avô, D. Luiz (1878-1920), que adoravam as viagens, as expedições, os desbravamentos. 
Pois bem, em 5 de outubro de 2012 as autoridades portuguesas celebraram os 102 anos da proclamação de sua República, sem manifestações populares. A República Portuguesa, quando foi proclamada, em 1910, depôs D. Manuel II (1889-1932), jovem rei alçado ao trono pelo assassinato de seu pai e seu irmão no famoso Regicídio do Terreiro do Paço, em Lisboa, dois anos antes. Até hoje essa incruenta passagem da história lusa produz em poetas e escritores portugueses pró ou contra a monarquia textos candentes. A comemoração republicana exibiu cenas inusitadas: o Presidente Cavaco Silva empunhou a bandeira nacional de cabeça para baixo na Câmara Municipal de Lisboa e uma desempregada em pânico invadiu a festa e protestou contra a crise que assola o país. Tudo isso assistido por menos de 40 populares… (http://www.ionline.pt/portugal/5-outubro-cerimonia-marcada-bandeira-hasteada-ao-contrario). 
O último Bragança-Saxônia-Coburgo-Gotha reinante em Portugal, D. Manuel II,  morreu sem descendência em seu exílio inglês e parece ter deixado claro que os direitos dinásticos ao trono passariam ao ramo “miguelista” da Casa de Bragança, na pessoa de seu primo-sobrinho, D. Duarte Nuno, já citado. Casando-se com a prima brasileira (do ramo “constitucionalista” dos Bragança) em 1942, na catedral petropolitana, e dela gerando três filhos, D. Duarte Nuno afirmou-se como rei titular da quase totalidade dos monárquicos portugueses. Ele morreu em dezembro de 1976 e seu filho, igualmente D. Duarte, tornou-se o chefe da Casa e king-to-be. 
O príncipe serviu como piloto da Força Aérea Portuguesa em Angola entre 1968 e 1971, diplomou-se em agronomia em Lisboa e cursou a pós-graduação de Desenvolvimento Econômico da Universidade de Genebra. Se um plebiscito for proposto em Portugal para decidir se quer ou não D. Duarte como chefe de Estado vitalício e hereditário pode ser que algo surpreendente destitua ostablishment português e o mundo ouça falar em “volta da monarquia”, como se deu no Camboja, em 1993. 
Na festa republicana acima citada, ao tempo em que o Presidente Cavaco Silva falava aos políticos, D. Duarte de Bragança falava a centenas de monárquicos, no Palácio da Independência (antiga sede da Casa de Almada); leu um manifesto à Nação, em que critica duramente os sucessivos governos que têm administrado Portugal no parlamentarismo da “III República Portuguesa” (1974- ), considerando muitos de seus mandatários como irresponsáveis e corruptos. 
Aos analistas internacionais, em geral bem despreocupados com o assunto, fica a dica: acompanhem mais de perto os sucessos de D. Duarte e seus seguidores… 
Passando ao outro extremo europeu, vamos para o leste, mais precisamente os Bálcãs, terra de deliciosas paisagens, mas também de terríveis histórias bélicas. O antigo “barril de pólvora” da Europa está hoje bem mais pacificado, com seus povos tentando, a duras penas, o soerguimento e a reconstrução nacional. Do outrora Reino da Iugoslávia (literalmente, terra dos eslavos do sul), resta hoje apenas a República da Sérvia, país cuja dinastia nacional (a Casa de Karadjordjevic, ou seja, os descendentes do herói Karadjordje) forjou esse Estado entre o XIX e o XX, aproveitando-se do fim dos Impérios Turco-Otomano e Austro-Húngaro na I Guerra Mundial. As atuais repúblicas da Croácia, da Macedônia, da Eslovênia e, por fim, do Montenegro, todas promoveram a secessão do antigo estado dos Karadjordjevic que foi mantido durante os anos de comunismo (1946-1989) com a mão de aço do Marechal Josip Broz Tito (1892-1980), um socialista considerado “lhano” perto de seus vizinhos sanguinários da Cortina de Ferro. Isto sem falar da Bósnia-Herzegovina, hoje uma federação independente, mas de triste memória – sua capital, Sarajevo, foi palco do estopim da I Grande Guerra e de lutas fratricidas no anos 1990. 
Em 1991, o herdeiro do trono sérvio, Aleksandar Karadjordjevic, nascido em 1945 em uma suíte do hotel londrino Claridge´s, declarada especialmente território iugoslavo pelo Governo Britânico (princípio da extraterritorialidade), finalmente pisou o solo de Belgrado, para ele e sua família considerado sagrado. Conhecido como Aleksandar II, desde que seu pai morreu no exílio, em Illinois (EUA), é pentaneto de D. Pedro I, uma vez que sua avó paterna, a Rainha Marija (1900-1961), nascida princesa da Romênia, era neta da Infanta D. Antonia de Portugal, filha de D. Maria II… 
O príncipe – em linguagem técnica de genealogia dinástica “Sua Alteza Real o Augusto Senhor Aleksandar, Príncipe-Chefe da Casa Real da Sérvia etc.” – é o filho e sucessor do Rei Petar II da Iugoslávia (1923-1970), um afilhado de batismo do rei britânico George V (1865-1936), que não pôde contar com a ajuda das tropas do Reino Unido quando da deposição e do banimento, ao término da II Guerra Mundial. Ainda assim, ele exilou-se em Londres, onde nasceu-lhe o filho, que foi batizado por ninguém menos que o Rei George VI e sua filha-herdeira, Princesa Elizabeth, na Abadia de Westminster. O vídeo desse batizado histórico pode ser acessado na página oficial da dinastia real sérvia (www.royalfamily.org). 
Aleksandar teve uma infância complexa, visto que sua mãe, a Rainha Aleksandra (1921-1993), nascida princesa da Grécia e da Dinamarca, era instável emocionalmente. Foi criado pela avó Marija e enviado ao internato suíço Le Rosey. Depois, recebeu ampla formação militar na academia norte-americana de Culver e na britânica Mons Office Cadet School. Da parte de sua “royal godmother” recebeu sempre bastante afeição e, por este motivo, esteve presente em todos os eventos da Família Real britânica, sobretudo no período em que viveu em Londres. Isto inclui, óbvio, ter assistido ao enlace do Príncipe de Gales com Lady Diana Spencer, tanto quanto ao mais recente, do Príncipe William com Miss Kate Middleton. 
Casou-se em 1972, no palácio de Villamanrique de la Condesa, próximo de Sevilha, na Espanha, com a Princesa D. Maria da Glória de Orleans-e-Bragança, nascida em Petrópolis em 1946. O príncipe, que se estabeleceu como empresário nos Estados Unidos e na Espanha, chegou a passar temporadas em Petrópolis e no Rio de Janeiro. 
Ele e D. Maria da Glória tiveram três filhos: o herdeiro, Petar (1980) e os gêmeos Filip e Aleksandar (1982). De maneira que esses três príncipes da Sérvia são trinetos da Redentora e duplamente descendentes de D. Pedro I. Se o mais velho deles vier um dia a ser rei, será chamado de “Petar III”, o que significa “Pedro III da Sérvia”… 
Divorciando-se de D. Maria da Glória em 1985, ambos anularam o casamento: ele obteve do Patriarca da Igreja Ortodoxa Sérvia a anulação e ela da Sacra Rota Romana. 
Aleksandar II uniu-se à cidadã grega Katherine Batis, filha do megaempresário Robert Batis, mas não gerou filhos. A princesa brasileira desposou D. Ignacio de Medina y Fernandez de Córdoba, duque de Segorbe etc., um dos filhos da Duquesa de Medinacelli, D. Victoria Eugenia de  Fernandez de Córdoba y Fernandez de Henestrosa. A Casa de Medinacelli é a dinastia ducal-principesca espanhola que, juntamente com a Casa de Alba, constitui a mais alta classe sócio-genealógica do país, diretamente abaixo da Casa Real (dinastia Borbón, ou Bourbon, no original francês). 
Após a queda de Slobodan Milosevic (1941-2006), em outubro de 2000, os ventos democráticos proporcionaram aos príncipes da Sérvia não somente retornar em definitivo ao país, como advogar no Judiciário nacional o retorno de suas propriedades, confiscadas pelos comunistas em 1947. O antigo palácio real de Belgrado (chamado de “Palácio Branco”) e outras casas foram devolvidos aos Karadjordjevic, que residem oficialmente na capital desde julho de 2001. 
A família trabalha incessantemente pela instalação da monarquia constitucional-parlamentar no país. Aleksandar II e sua consorte, Princesa Katherine, usam de forma profícua a networking que construíram ao longo dos anos; os jovens príncipes, desportistas e guapos, fazem grande sucesso entre os jovens. 
Em 4 de outubro de 2012, os Karadjordjevic conseguiram fazer com que o governo da Sérvia repatriasse os restos mortais do Príncipe Pavle (1893-1976) e de sua mulher, Olga (1903-1997), nascida princesa da Grécia e da Dinamarca. O Príncipe Pavle da Iugoslávia foi o regente do Reino na menoridade do primo, Petar II, de outubro de 1934 a março de 1941. As cerimônias de Estado foram co-presididas pelo Presidente da República, Tomislav Nicolic, e o Príncipe Aleksandar, cabendo a condução dos ofícios sacros ao Patriarca Irinej I, supremo líder dos ortodoxos sérvios e um filo-monarquista declarado… 
É curioso notar que tanto em Portugal, quanto na Sérvia, as bandeiras nacionais restauraram os antigos brasões reais há mais de uma década. Pesquisas de opinião recentes mostram aumento significativo de simpatia pelo parlamentarismo monárquico em ambos os pequenos Estados. 
Uma fina ironia perpassa a possibilidade desses “Orleans e Bragança” de Portugal e da Sérvia retornarem ao poder. Eles pertencem ao que a imprensa brasileira chama de “ramo de Petrópolis da família imperial brasileira”. D. Duarte é o sobrinho e os meninos Petar, Filip e Aleksandar os netos do falecido D. Pedro Gastão (1913-2007), príncipe-titular de Orleans-e-Bragança. 
No Brasil, o ramo de D. Pedro Gastão e o ramo de D. Pedro Henrique (1909-1981) permanecem separados e o monarquismo certamente não é suficiente para uni-los. As causas de desunião são antigas e não dizem respeito, como muitos pensam e dizem, a direitos dinásticos. Trata-se do problema da herança das propriedades petropolitanas de D. Isabel. 
Em 1946, o príncipe-chefe da Casa Imperial do Brasil, D. Pedro Henrique, perdeu para seu primo a causa em que defendia a anulação do negócio jurídico de venda das ações da Companhia Imobiliária de Petrópolis durante a II Guerra Mundial; advogou para ele o renomado civilista carioca Carlos de Saboia Bandeira de Mello (1890-1963). Contudo, a Justiça do Rio de Janeiro deu ganho de causa a D. Pedro Gastão e desde então a briga entre eles jamais cessou. Pois a contenda girava em torno do laudêmio resultante da enfiteuse do Centro Histórico de Petrópolis, cujos dividendos vão exclusivamente para o ramo primogênito de D. Isabel, enquanto o ramo secundogênito, especificamente a família de D. Pedro Henrique e D. Maria da Baviera (1914-2011), ficou em situação de quase-penúria. A irmã de D. Pedro Henrique, D. Pia Maria (1913-2000), casada com o conde francês René de Nicolaÿ, nunca passou apertos. 
A questão é complexa e não se restringe a uma história de “mocinhos” e “bandidos”. Para aumentar as desavenças, acresceu-se a vontade manifesta por D. Pedro Gastão, durante toda sua vida, de negar o ato de renúncia ao trono assinado em 1908 pelo primogênito de D. Isabel, seu pai. 
Por desejarem, D. Isabel e o marido, que seu herdeiro se unisse a uma moça de “família régia”, i.e., uma casa principesca reinante ou ex-reinante, eles convenceram D. Pedro de Alcantara a renunciar aos seus direitos sucessórios, no que concernisse ao Brasil, passando-os a D. Luiz. Na recente biografia deste príncipe, a historiadora paulista Teresa Malatian explicita que a renúncia não se deve exclusivamente a fatores genealógico-dinásticos, pois D. Luiz tinha muito mais interesse numa eventual restauração monárquica brasileira do que D. Pedro. Este, contudo, se sentia muito brasileiro e sofria com os desejos do pai, que o manietava no sentido de se assumir como “Príncipe Pierre de Orleans” e futuro “Conde de Eu”. 
A união de Isabel, princesa de Bragança e Gaston, príncipe de Orleans, celebrada em 15 de outubro de 1864, deu origem à Casa de Orleans-e-Bragança, que teria sinonímia com a Casa Imperial do Brasil se o casal tivesse reinado como D. Isabel I e D. Gastão (imperador-consorte) e o primogênito de ambos (D. Pedro) tivesse se tornado D. Pedro III. Nada disso ocorreu. 
Em 1908, após assinar a renúncia por si e os eventuais descendentes, D. Pedro casou-se com a Condessa Elisabeth Dobrzenska de Dobrzenicz (do Reino da Bohêmia, império habsbúrgico) e seu irmão-herdeiro, D. Luiz, desposou a Princesa D. Maria Pia das Duas Sicílias, princesa de Bourbon. Desses casamentos nasceram cinco crianças, do primeiro, e três do segundo. Todos receberam, na França, o nome civil de “Orléans-Bragance” ou “Orléans et Bragance”. 
Os oito netos da Redentora (D. Pedro Henrique, D. Isabel, D. Luiz Gastão, D. Pedro Gastão, D. Pia Maria, D. Francisca, D. João e D. Thereza) foram, todos, batizados em cerimônias em que a brasilidade era exaltada, e às quais afluíam, na medida do possível, os nobres brasileiros que viviam exilados em Paris e na França. A todos se lhes reconhecia a condição de “Príncipes Brasileiros nascidos no exílio”, ainda que nossa República negasse tal pretensão. Não vou entrar nas minudências históricas da condição genealógica desses príncipes; devo afirmar, contudo, que todos se sentiam brasileiros, para além das outras identidades, mormente a francesa, que puderam gozar e/ou partilhar no curso de suas vidas. Nascidos em solo francês e trinetos do último rei do país (Louis-Philippe I dos Franceses), os príncipes de Orleans-e-Bragança eram bilíngues desde o berço, falando Português e Francês todo o tempo. 
Foram criados como verdadeiros primos-irmãos, partilhando tudo, alegrias e tristezas. O destino encarregou-se de torná-los pessoas distantes umas das outras, como ocorre em muitas famílias numerosas e tradicionais… 
No fim de 1921, estavam mortos D. Isabel e dois de seus filhos: D. Luiz e D. Antonio. Sobravam o velho Conde d´Eu, alquebrado em anos, D. Pedro com mulher e filhos e D. Maria Pia, viúva, com os filhos. No ano seguinte (1922) a Nação Brasileira comemorou os 100 anos de sua independência e a família ex-reinante foi convidada pelo governo da República a retornar ao solo pátrio e receber as homenagens. Se o Conde d´Eu era o chefe daquela família de um ponto de vista moral e de organização interna, era ao pequeno D. Pedro Henrique, de 12 anos, que cabia a honrosa situação de “herdeiro da Coroa e chefe da Casa Imperial”. Morto o Conde d´Eu em agosto de 1922, em Águas Brasileiras, suas exéquias constituíram aos pequenos Orleans e Bragança que pisavam o Brasil pela primeira vez uma boa oportunidade de sentir o calor humano das demonstrações de apreço popular àquela estimada Família. 
D. Pedro de Alcantara, com a morte do pai, é o único príncipe adulto vivo. Ele retorna à França com os despojos mortais de D. Gastão, a fim de enterrá-los no mausoléu dos Orléans, na Capela Real de São Luís de Dreux, no Vale do Loire. Resoluto a voltar a morar na sua querida Petrópolis, mas preso à França pelas propriedades da família, o príncipe-titular de Orleans-e-Bragança — era esse seu título genealógico, uma vez que não se casara morganaticamente, que jamais renunciara ao nome de família e à primogenitura da linhagem nascida do casamento de seus pais — inicia o longo processo de inventário dos genitores. Ele fica com o Castelo de Eu e a viúva de D. Luiz, sua cunhada, com o palacete de Boulogne-sur-Seine. 
Embora senhor de Eu, D. Pedro nunca quis solicitar ao primo, chefe da Casal Real da França, seu título de “Conde d´Eu”, em prova cabal de que se sentia mais brasileiro do que francês. Por outro lado, apesar de não esconder certa mágoa pela renúncia ao trono praticada em 1908, nunca a negou. Respeitou a condição do sobrinho e, enquanto viveu, aparou as eventuais arestas e rusgas que podiam nascer do incômodo familiar. 
Ele, a mulher e a cunhada preocupavam-se com o futuro das crianças. Em 1931, ele casou sua primogênita justamente com o futuro herdeiro dos Orléans, o Delfim de França, Henri (1908-1999), Conde de Paris. Após o faustoso casamento, D. Pedro resolveu voltar ao Brasil e se instalar na antiga “Casa dos Semanários”, ou seja, o palacete atrás da residência de verão de D. Pedro II, em Petrópolis, que servia de pousada aos nobres que se revezavam no “serviço do Paço”. 
Embora não fosse, de um ponto de vista dinástico, o “Príncipe do Grão-Pará”, título que a Constituição do Império (art. 105) lhe garantiu no nascimento e pelo qual foi conhecido e reverenciado durante todo o tempo em que vivera aqui, D. Pedro, em clara demonstração mais afetiva do que racional, intitulou a residência de “Palácio Grão-Pará”, nome pelo qual os petropolitanos conhecem o prédio até hoje. 
Viveu nesse solar da Região Serrana fluminense até 1940, quando morreu. Na década de 1990, D. Pedro Gastão trasladou para a Catedral de São Pedro de Alcântara os despojos do pai, bem como os da mãe, D. Elisabeth, que morrera em Portugal, em 1951. 
Se o “ramo de Petrópolis” pode reconstituir o Reino de Portugal e o Reino da Sérvia, o “ramo de Vassouras”, herdeiro do Império do Brasil, parece estar longe da possibilidade de remonarquizar os brasileiros… Ainda assim, em abril de 1993 o plebiscito previsto nas disposições transitórias da Constituição de 1988 foi realizado e a monarquia parlamentar recebeu cerca de 13% dos votos válidos, o que é um excelente resultado, dada a ampla falta de conhecimento do que represente essa forma de governo nos dias atuais, mesmo entre uma quantidade considerável de historiadores, juristas e outros cientistas sociais.
Seja como for, estão todos, príncipes e monarquistas brasileiros, rezando para que os sérvios e os portugueses coroem Aleksandar II e D. Duarte III. Será que os céus atenderão suas preces?
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Bruno de Cerqueira (33) é historiador, monarcólogo, especialista em Relações Internacionais, professor de Cerimonial e Protocolo,indigenista especializado (analista) da FUNAI e gestor do IDII. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Artigo – “Gabriela” e o ethos da República Velha no Brasil



“Gabriela” e o ethos da República Velha no Brasil

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Bruno de Cerqueira*
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Assisto com prazer e emoção ao capítulo final do remake de “Gabriela, Cravo e Canela”, que a TV Globo acaba de exibir em 2012.
O texto de Jorge Amado (1912-2001) que embasa a versão novelesca da trama é de 1958. Nele, o literato baiano expõe ao leitor a portentosa terra cacaueira de Ilhéus, no Recôncavo Baiano da década de 1920.
A protagonista é a belíssima Gabriela, uma típica sertaneja brasileira, das tantas que nossa história social conheceu: forte, autêntica, sofrida, mas também meiga, afetuosa, verdadeiramente doce. Seu amante e, a um tempo, marido não-legal, é o “turco” Nassib, na pessoa de quem Jorge Amado homenageia os imigrantes sírio-libaneses que tanto povoaram o Brasil da Belle Époque.
Na esfera política, que muito nos interessa aqui, desponta o Coronel Ramiro Bastos e o coronel-a-ser Mundinho Falcão. Como se sabe, a República Velha (1889-1930) foi o período histórico em que o coronelismo e o localismo deram o tom do cotidiano governativo e administrativo do Brasil.
O acadêmico José Murilo de Carvalho, um dos maiores teóricos políticos do Império do Brasil, retomando o grande jurista Victor Nunes Leal (1914-1985), nos ensina as minúcias que diferenciam o coronelismo das práticas clientelistas do antigo Estado Imperial. Havia mandonismo e clientelismo, mas não havia coronelismo, embora os “coronéis”, estes potentados rurais tão conhecidos de nós todos, já existissem aos montes. Tratava-se de patente da Guarda Nacional, uma instituição civil brasileira moldada na francesa que foi imensamente importante para a consolidação do Estado Brasileiro, mas que entrou em franca decadência quando o Exército e a Marinha imperiais começaram a se fortalecer, nas décadas de 1860, 1870, 1880 e 1890.
Após a queda da Monarquia e a militarização do aparelho de Estado brasileiro, em 1889 – o historiador Marco Antonio Villa elucida-o muito bem em suas obras -, sobrou aos antigos senhores de terras e de escravos, para além de dominarem a política local, como sempre fizeram, alimentar-se das benesses que os novos donos do poder no Rio de Janeiro lhes ofereceriam. Milhares dos antigos sinhôs brasileiros, muitos deles filhos, netos, irmãos, sobrinhos ou afilhados das centenas de barões, viscondes e condes do Império, passavam agora, sob a ordem nada “republicana” da República Velha a governar de forma despótica e intransigente os municípios, os estados e a própria presidência do país. O federalismo torto, ou às avessas, praticado no Brasil em que vigeu a Constituição de 1891 era o dos coronéis quase que como “senhores feudais” desconectados do tempo e do espaço europeus em que unicamente existiram.
Conforme salienta Monteiro Lobato (1882-1948) e o próprio Ruy Barbosa (1849-1923) – que de monarquista e parlamentarista passou a republicano e presidencialista, pois almejava ser presidente da República – em seus textos, antes os fazendeiros administravam as câmaras municipais e as assembleias legislativas, mas acima deles havia presidentes de Província e, obviamente, o Imperador do Brasil (Poder Moderador da Constituição de 1824). Dissipada a monarquia, os fazendeiros passaram a reinar e governar o país. Sergio Buarque de Hollanda (1902-1982) aduz em sua HGCB: “A República Velha era o império dos fazendeiros”…
Em resumo, conforme a imensa maioria dos historiadores brasileiros esclarece, a República Velha era uma oligarquia feroz, em que o poder e a voz do povo estavam quase que por completo eliminados. Se utilizássemos a tipologia aristotélica clássica das formas de governo, ressignificada por S. Tomás de Aquino no séc. XIII, diríamos que o Brasil passou de uma monarquia aristodemocrática para uma “tirania oligárquica”. Mas não podemos ver as coisas desse modo.
Se é certo que a República brasileira nasceu de um golpe de estado militarista, racista (anti-negros), machista (anti-III Reinado), positivista e secularista (anti-católico), e que, conforme sempre afirmamos, esse quase “pecado original” ainda delineia suas práticas de Estado, não se pode dizer que muitos dos homens públicos que a compuseram – presidentes, senadores, deputados, governadores, intendentes municipais – deixasse de ter a marca, por assim dizer genética e genealógica dos antigos nhonhôs e iaiás brasileiros. Em grande parte, eram a mesma gente!
Daí que entenda hoje as palavras do historiador monarquista Otto de Alencar de Sá Pereira, quando me falava da probidade de muitos homens de governo da República Velha, por serem, alguns, antigos conselheiros e titulares do Império. No verdor dos meus anos de adolescente militante, eu acreditava que era exagero dele colocar as coisas sob esse prisma, pois me parecia que a República forjara um Brasil nefasto no quesito corrupção. Ao ver “Gabriela” e me lembrar de suas lições, entendo bem melhor o que queria dizer…
De forma que assistir “Gabriela” é se defrontar com um dos períodos históricos mais fascinantes do Brasil – infelizmente, pouco ou nada estudado nas universidades brasileiras. Desde que fundamos o IDII, em 2001, chamamos atenção para o fato de que muitas das mazelas sociais do Brasil são facilmente depreendidas quando se debruça sobre as instituições liberal-oligárquicas de nossa primeira República.
Ramiro Bastos, magistralmente interpretado pelo ator Antonio Fagundes na filmagem de 2012, é quase o arquétipo dos administradores regionais e locais daquelas décadas coronelísticas. Homem rústico, sobranceiro, orgulhoso, autoritaríssimo, tinha no amor paternal-maternal que nutria pela neta Gerusa, no amor carnal pela bella donna e caftina Maria Machadão e no respeito e afeição pela desprezada Gabriela o seu quinhão de humanidade.
Para manter-se como césar municipal eram-lhe necessários sacrifícios afetivos incomensuráveis. A aridez de uma política em que as instituições teimavam em não aceitar a diversidade de opiniões e de posturas e uma moral social (pseudo-cristã) restritiva e mesquinha conformavam os espíritos dos machos que tinham de comandar as unidades nada “federadas” daquele Brasil. O mesmo falso moralismo e desamor que faziam com que o Coronel Jezuíno Mendonça se corroesse em sua saudade da Sinhazinha que matara; ou que ensejavam em Dona Dorotheia uma autoafirmação puritana constante, devida ao passado dequenga na juventude; ou que insuflavam no jovem sinhozinho Berto a avidez pelo domínio e o apossamento da pequena Lindinalva, amada do irmão, o quase-padre Juvenal; ou que impediam o amor entre o Coronel Amâncio e suaMiss Pirangi; ou, ainda, que forçavam Nassib a não perdoar Gabriela do único ato de traição que havia praticado nos tempos em que coabitaram.
Pois bem, o grande Jorge Leal Amado de Faria quer, ele mesmo filho dessas elites rurais hirtas, nos ensinar com seu texto delicioso que o fardo da repressão afetivo-sexual dos homens e da repressão físico-sexual das mulheres era pesado demais e que libertar-se desse jugo também proporcionava uma melhora, ou uma “evolução”, na sociedade.
Indivíduos libertos tendem a ser cidadãos ativos, conscientes e justos.
Jorge Amado foi comunista, como centenas de intelectuais no século XX o foram. Souberam enxergar com uma clareza cristalina os defeitos dos homens e das mulheres governantes e governados. Atribuíram às formas antigas doreligare, em especial o cristianismo católico e os protestantes, muito da responsabilidade pelos males sociais que acabavam por legitimar com sua inação e parceria com o poder público. Por outro lado, filho, neto e bisneto de “varões católicos” e “santas senhoras” ele e dezenas desses escritores que simpatizaram com o socialismo foram sensíveis às válvulas de escape que o próprio viver religioso daquelas sociedades engendrava.
O bisneto do Coronel Ramiro Bastos é um novo “Ramiro”, que acabará por redimir a atormentada alma do tirânico bisavô. Gabriela e Nassib serão felizes, sem as amarras que a  institucionalidade matrimonial pode proporcionar àqueles que dela não necessitem.
Só lamento, vendo “Gabriela”, a perda e a decadência gradual dos valores aristocráticos entre as classes dirigentes de nosso país. Alexis de Tocqueville (1805-1859) nos alerta em sua obra politológica que a tendência das democracias contemporâneas é enfatizarem a Justiça e a Igualdade, em detrimento da Honra e da Glória. Na guerra intelectual que se trava diariamente nos parlamentos e altas esferas de administração pública é visível a falta de lhaneza, de gentileza e de nobreza que as antigas classes dirigentes da economia e da política mantinham.
Se durante séculos, determinadas famílias conduziram povos e nações, o Novecentos fez emergir o fenômeno do aburguesamento social, em que todos são chamados não a serem melhores, isto é, não a se “aristocratizarem”, mas sim a serem mais espertos, mais ricos, mais hábeis. Desnecessário dizer que isso conduz ao aumento da corrupção governamental e que o Brasil é uma espécie de laboratório histórico desse instigante processo.
Nicolau Sevcenko ressalta o ambiente de arrivismo e esnobismo da República Velha em seu clássico Literatura como missão (1983), no qual mostra eficazmente que a inserção social e o enriquecimento ilícito de “scrocks” e “smarts” foi sem precedentes. Ele analisa Lima Barreto (1881-1922) e Euclides da Cunha (1866-1909) como estudos de caso para apontar a forma pela qual se deu o necessário alijamento dos intelectuais mais críticos e reformistas (ou “revolucionários” para a visão reacionária da época) da vida política republicana.
Relendo suas páginas, tendo a confirmar minha teoria de que a República Velha é a responsável pela estapafúrdia situação de conceder aos brasileiros negros, índios, mulatos e caboclos a não-cidadania e a estrangeiros brancos imigrantes europeus as oportunidades para se tornarem cidadãos. Sempre comento com meus amigos de Ciências Sociais que ao ler os jornais e revistas, mormente as de veleidades e “fuxicos”, e observar os nomes de centenas de políticos, latifundiários, industriais, megaempresários, ou seja, os atuais “ricos” do país, identifico muito mais ítalodescendentes,  germanodescendentes ou árabodescendentes do que afrodescendentes ou ameríndiodescendentes. Isto significa muita coisa…
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Bruno de Cerqueira (33) é historiador, monarcólogo, especialista em Relações Internacionais, professor de Cerimonial e Protocolo,indigenista especializado (analista) da FUNAI e gestor do IDII.