quinta-feira, 5 de fevereiro de 2004

APONTAMENTOS PARA UMA FILOSOFIA DA MONARQUIA (PARTE II)


Houve, imaginamos, pouca novidade até aqui. A imensa maioria dos leitores deve conhecer as sistematizações platônica, aristotélica e polibiana acerca das formas de governo e nós não gostaríamos, em hipótese alguma, de repeti-las aqui. A bem da verdade, tudo que se disse até agora só serviu para introduzir o que relataremos a seguir. Trata-se de nossas próprias teorizações acerca do MONARQUISMO, do ARISTOCRACISMO e do DEMOCRACISMO.

Comecemos pelo democracismo. O que é ele? É o orgulho democrático, ou seja, a aspiração de superioridade pela representação da maioria. Inconscientemente — e aqui de fato utilizamos as conceituações freudianas para “inconsciente” —, um democrata percebe-se “melhor porque maior”. É como se agisse o tempo inteiro, marcando que: “_Tenho mais importância porque pertenço à maioria”.

O interessante é que aí começam as analogias entre democracismo e qualquer orgulho despótico de qualquer maioria — em algumas sociedades, a dos homens em relação às mulheres, em outras o contrário; a dos brancos em relação aos negros; a dos cristãos em relação aos judeus, etc.

Sobre essas “tiranias das maiorias”, fala-nos brilhantemente o mestre francês Aléxis de Tocqueville em suas obras, mormente naquela em que se dedica a entender os norte-americanos e sua sociedade democrática: Démocracie em Amérique.

Óbvio que é em oposição ao aristocracismo que o democracismo existe e vice-versa. O aristocracismo — ou orgulho aristocrático — funciona precisamente como o oposto, impulsionado o aristocrata a agir como se pensasse: “_Sou melhor porque sou menor”, i.e, pertenço a uma minoria. Analogias há aqui com patrões em relação a empregados; senhores em relação a escravos; nobres em relação a servos.
Quanto às analogias, não ousaremos falar, pois o seu desenrolar levaria anos de estudo.

Reparem que ao designar de orgulhos ao democracismo e ao aristocracismo estou quase naturalmente ontologizando-os como maus. Na Teologia cristã e também em várias outras doutrinas religiosas, o orgulho é visto como mal humano; dir-se-ia na linguagem dos adeptos do Homem de Nazaré que o “o orgulho é o próprio pecado original”. Em estado de semelhança de Deus, o gênero humano pecou e assim decaiu; pecou porque orgulhou-se de si, creu-se tal qual Deus. Muito embora visto em Gênesis como um “pecado de desobediência a Deus”, suas motivações sendo misteriosamente iníquas (mistério da iniqüidade), tudo leva a crer que o orgulho é gerador em nós de todos as outras faltas. Por isso, é o primeiro dos pecados capitais, i.e., geradores de outros pecados. E não é somente no Cristianismo que se faz tal interpretação filosófico-religiosa: também outros sistemas, como o Hinduísmo, o Budismo e o Islamismo assim o afirmam, com certas proximidades.

Dito isto, entende-se porque ontologizamos (tornando o próprio ser da coisa em si) como orgulhos ao aristocracismo e ao democracismo. Estamos com isso obviamente indicando a nocividade social de ambas as condutas humanas e suas conseqüências. De outro lado, estaremos qualificando de benévolos os estágios primevos da condição aristocrática (a Aristocracia) e da condição democrática (a Democracia), em oposição aos seus estágios malévolos, ou orgulhosos — dá no mesmo. Explica-se.

Pode-se ver na História da Humanidade quase sempre exemplos das iniciativas dos seres humanos dividindo-se entre os partidários da maioria, os da minoria e os de um só. Chamemos capengamente a estes partidários de democratas, aristocratas e monarquistas. Só aqui a discrepância entre os dois primeiros grupos e o último já leva a considerações acerca da intrínseca diferença existente entre os partidários do monarquismo e os demais grupos políticos aparentes. Mais tarde tal diferença será melhor compreendida.

O democrata e o aristocrata representam suas classes e os interesses delas. É mais ou menos como se disséssemos que aos demoi da Grécia Clássica só cabia serem democratas; e que aos aristoi serem aristocratas.

Quais então os que optariam por ser monarquistas? De nada adiantaria em uma sociedade que somente o monarca fosse monarquista. Haveria total ilegitimidade social na monarquia.

Seriam, e de fato o foram, monarquistas todos os que foram verdadeiramente aristocratas, sem serem aristocracistas e todos os que foram verdadeiramente democratas, sem serem democracistas. Isto porque o verdadeiro aristocrata será também um democrata e o verdadeiro democrata será um aristocrata.

Daqui já começam, imaginamos, as conclusões tornarem-se mais perceptíveis. Analisando com a ótica aqui proposta a qualquer sociedade, em qualquer tempo, veremos o seguinte: onde quer que tenha havido o comando de um, auxiliado pelo comando de alguns e legitimado pelo comando de todos, houve MONARQUIA e houve Realeza e Príncipes.

Onde tenha havido o comando de um, sem o auxílio de alguns — ou com o auxílio de pouquíssimos — e sem o beneplácito de todos, houve TIRANIA. E aí houve Ditaduras e Ditadores.

Quando alguns poucos comandaram, mesmo que tivessem um principal à frente (títere), sem o beneplácito de todos, houve OLIGARQUIA.

E será que houve ocasião em que muitos (quase todos) comandaram gerando assim uma plena DEMOCRACIA? Não, nunca! As justificativas dos grupelhos que formaram todas as DEMAGOGIAS da História foram sempre as suas representações populares. Sem dúvida, os revolucionários do Terror na França de pós-1789 se nos figuram imageticamente como os seus maiores modelos. Ora, deduz-se que então foram OLIGARCAS também os DEMAGOGOS. Sim, naturalmente que sim! Até o socialista Norberto Bobbio, um dos maiores politólogos europeus do Novecentos, dirá algo próximo disso...

Dada a “naturalidade” da Monarquia — façamos o trocadilho: dada a “culturalidade” da Monarquia — e da nossa condição universal de HOMO MONARCHICUS só houve saúde política onde houve Monarquia.
Contudo, meus caros leitores, e aí continuam nossas especulações, nem sempre Monarquia e Dinastia se inter-relacionam como podemos inteligir de imediato. Espantem-se com o insólito de nossa afirmação: “Há Monarquia em toda República atual!”.

Pois a tendência ao UM nunca poderá deixar de existir; jamais supriremos nossas faltas do “PAI”, que virou “REI” e, por fim “PRESIDENTE”.  Não foi somente Sigmund Freud que assim pensou...

Contemporaneamente, o Povo (“Democracia”) elege um Parlamento (“Aristocracia”) e, por fim, elege um Presidente (“Monarca”) e cá estamos nós... como sempre estivemos!

Mas será que com isso estamos postulando haver saúde política nas atuais Repúblicas mundo afora? Será então que não há diferenças entre Repúblicas e Monarquias no mundo atual? Longe disso...
Daqui em diante aludiremos à caracterização das Monarquias hereditárias, justamente desde o Egito faraônico. O dinastismo fará a diferença, sempre. Em outras palavras, a hereditariedade é o que dá o tom das Monarquias, há muito.

A FAMÍLIA, justamente a proto-sociedade, é a marca monárquica. Fonte de todas as problemáticas humanas, mas também encontro de todas as suas soluções, a comunidade social mais primitivamente basilar, o etnos primeiro, a FAMÍLIA é o que mais difere as sociedades ainda nominal e oficialmente monárquicas da atualidade de suas congêneres republicanas.

Dinastias principescas ainda conduzem os Estados Monárquicos hereditariamente enquanto em algumas Repúblicas elas (as “dinastias”) possam até existir, sem o caráter principesco, dando mais uma vez prova da “culturalidade” monárquico-hereditária dos humanos. Vide a Índia dos Nehru-Gandi. Ou a república norte-americana dos Roosevelt, dos Kennedy e agora dos terríveis Bush.
 
Por outro lado, não há como combater a assertiva, cremos, de que o comunitarismo é bastante mais plausível, possível, realizável,  nas atuais Monarquias hereditárias que nas Repúblicas (presidenciais ou parlamentares); não fosse assim e dos 10 países mais “desenvolvidos” do mundo, 7 ou 8 não seriam sempre Monarquias, pelas listas anuais da ONU! Será por acaso que as Nações ainda chefiadas por Realezas sempre se destacam no rol das menos corruptas, das melhores conduzidas em políticas econômicas, etc.? O que haverá de peculiar nas Monarquias?