sábado, 20 de maio de 2000

Brasil: 500 anos das mesmas elites?


Tem feito parte do senso comum mais recente analisar pseudo-historicamente os 500 anos (da Descoberta ou Posse) do Brasil, sintetizando nossa riquíssima e, por vezes, gloriosíssima História pátria na seguinte frase: "O Brasil é o que é - em referência aos nossos atuais problemas políticos, econômicos e sociais que são, evidentemente, de ordem macroscópica - por causa da Colonização portuguesa e de sua continuação histórica: são 500 anos das mesmas elites nos governando!" (1).
Ao que se deve perguntar: será que isto é fato?

É nosso intuito aqui tentar esclarecer que não. E isto por vários fatores, sobretudo aqueles que se referem à gigantesca obra de nossa Monarquia nacional, de nosso Império.

Em primeiro lugar, considere-se o quanto é ultrapassada a utilização de afirmações de cunho historiográfico marxista para definir as Colonizações européias na América. Só daí já notaremos alguma espécie de reducionismo na afirmação de "500 anos das mesmas elites", pois a ótica na análise dessas "elites" é pura e simplesmente econômica. Nela sequer se cogitam valores interpretativos relacionados à Moral e à Religião, por exemplo. Como, graças a Deus, a atual historiografia se dedica imensamente à questão do imaginário e das mentalidades - onde a Religião tem papel psicossocial preponderante -, tal teorização acerca das "elites brasileiras" já parece absurda. Mas por que?

Explica-se.

Segundo nos alerta o renomado historiador português Prof. Dr. Joaquim Romero Magalhães, em entrevista concedida à Folha de São Paulo, em 10 de abril p.p. (2), por ocasião das comemorações dos 500 Anos do Brasil, ao ser questionado sobre qual é a síntese do legado português na História do Brasil: "Nenhuma colonização pode ser reduzida a um rol de crimes, mas nenhuma colonização é boa. A síntese do legado português no Brasil é a unidade do território, que nunca chegou à ruptura. A unidade que leva a que a língua seja a mesma, que nem sequer variações dialetais tenha. Disso, nós portugueses devemos nos honrar muito."

Ter percepção de que as Colonizações se constituem numa amálgama de processos culturais assimilatórios e formadores de novas identidades já é, portanto, o início do que se deve proceder quando de uma análise histórica, em nossa opinião, tendo em vista algo como uma EFEMÉRIDE NACIONAL. Fazer das comemorações festivas oportunidade de disfarce e escamoteamento dos problemas que esses mesmos processos acarretaram no decorrer dos séculos e mesmo considerá-los superados é, também evidentemente, vexatório (3). Contudo, centrar-se neles quase que com desespero e lamentações sado-masoquistas por certo não leva a lugar algum (4). O que se pode é constantemente buscar a sublimação desses problemas, e, sempre que se torne possível, a solução para aqueles que se apresentarem menos embaraçosos.

Mas retornando às famigeradas "elites", o que se pode dizer delas nestes 500 anos de Brasil? Que não são as mesmas, de jeito nenhum!!!

Se o Brasil-Colônia viu nos chamados homens bons (proprietários rurais que representavam seus interesses nas câmaras regionais), que compunham a chamada açucarocracia, conceito ultimamente inaugurado na historiografia pelo historiador Prof. Evaldo Cabral de Mello (5), os detentores do poder econômico, certamente também sentiu o peso do monopólio comercial com a Metrópole; sinal de que os "homens bons" não eram tão poderosos assim... Outra análise: se eles eram os grandes proprietários de "terras e de escravos", os homens fortes da época, pode-se concluir que o sentimento de dominação imperante era o despótico; contudo é tanto a Antropologia quanto a Sociologia que nos relembram das chamadas "lógicas relacionais" existentes entre as pessoas e as classes. É um de seus maiores expoentes entre nós, Gilberto Freyre - cujo centenário está se comemorando -, recordemo-nos, quem assim nos transmite, sobretudo em Casa-grande e Senzala.

Que o despotismo existia e era amplamente praticado, isto está fora de cogitação, porém deixar de se enxergar que o paternalismo também era tão fundamental quanto o primeiro sistema nas lógicas relacionais é, no mínimo, desprezar a religiosidade extremada tão característica destes mesmos homens e mentalidades.

Se esses "homens bons" não eram assim "tão bons" não nos compete julgar. O que importa é que foi de sua classe que provieram as famílias aristocráticas brasileiras. Foi deles que proveio, só para bem exemplificar na tônica que estamos realçando, aquele que pode ainda ser tido como o primeiro santo canonizado pela Igreja Católica nascido no Brasil: o Beato Frei Antonio de Sant'anna Galvão.

Foi sobretudo dos representantes dessas classes que saíram os nossos deputados nas Cortes de Lisboa e diplomatas, no período anterior e posterior à Independência, que tão sabiamente souberam conduzir o nosso processo de reconhecimento da Soberania nacional. Eram descendentes dos "homens bons" - quando não da própria Nobreza portuguesa - os Lima e Silva, os Andrada e Silva, os Nabuco de Araújo, os Hollanda Cavalcanti de Albuquerque, os Carneiro Leão, os Osório, os Paranhos do Rio Branco, etc., enfim TODAS AS ILUSTRÍSSIMAS ESTIRPES QUE AUXILIARAM NOSSOS IMPERADORES A FAZER O BRASIL. Foi dessa grei que saiu a quase totalidade dos titulares do Império; foram eles os membros da Nobreza do Brasil. Comparar tais elites às que nós temos hoje é quase repugnante aos olhos de um historiador sério, preocupado com uma História total e não parcial, ou "economicocêntrica". Chamar tais aristocratas de "despóticos representantes do poder agrário" é cometer o enorme pecado historiográfico do anacronismo. E isto porque ao fazê-lo está se enxergando, em verdade, uma época que sucedeu ao Brasil-Império em nossa História nacional: o BRASIL-REPÚBLICA.
Desprezar o fato de que a República nos foi perpetrada precisamente pelos representantes de uma elite, sim, mas de uma elite já oligarquizada - lembremo-nos de que a OLIGARQUIA é a corrupção da ARISTOCRACIA, em Aristóteles e Políbio -, de aspirações pouco escrupulosas e não atentar que são os seus representantes, em maior ou menor medida, os que ainda se mantém no poder há mais de 100 anos, é consideravelmente "criminoso" para a memória nacional.

Fatos sempre falam melhor por si só do que qualquer outra explanação. Assim, recordar que o nosso atual Presidente da República é neto de um dos militares mais exaltados do golpe de 1889 (6) - ainda que sem nenhum demérito para sua figura de pessoa e intelectual reconhecido -, que chegou mesmo a propor o fuzilamento de Dom Pedro II, sendo rechaçado pelo seu extremismo pelos próprios colegas de farda é, diríamos, no mínimo, elucidativo. Os exemplos poderiam se multiplicar às centenas, mas pode-se resumir nosso pensamento afirmando que as famílias nobres brasileiras vivem atualmente, em sua grande maioria, desprovidas de fortunas financeiras, algumas inclusive conhecendo a pobreza mais aviltante. Logo, afirmá-las detentoras de algum poder de mando no Brasil é, além de anacrônico, equivocado.

Evidente que o 15 de novembro de 1889 significa para a História do Brasil um marco divisório das lógicas relacionais entre senhores e escravos, pode-se dizer, ainda que somente como forma de expressão, entre "nobres e plebeus". Pois a República brasileira é filha de várias realidades humanas: do machismo de muitos políticos e militares inconformados com o futuro III Reinado, de Dona Isabel I; do racismo de muitos senhores de escravos menos piedosos, irritados com o ato de equiparação social que a Lei Áurea representou; em resumo, da sede de poder incontrolável de muitos homens desses dois campos. Uma vez banido definitivamente do Brasil o Poder Moderador, o Monarca, o Imperador, tudo se tornara mais fácil ao arrivismo destes pouco honrosos senhores. Muitos deles, sim, infelizmente representantes da descendência dos "homens bons" e, portanto, nobres e aristocratas brasileiros, corrompidos pela ganância e pelas "ilusões americanas", como diria Eduardo Prado.

E tudo isso, reparem, é só uma parte de nossa argumentação. Pois também é óbvio que temos em mente não ter sido o Império um "mar de rosas". Aliás, em nossa opinião, nunca, nada, o será. A questão é que na Monarquia as ambições pessoais e os interesses particulares foram - e ainda o são nos países que gozam dessa forma de governo - sempre sobrepujados pelos altos interesses da Nação. Se, portanto, houve políticos ambiciosos no Império, e certamente deles houve, não foram eles que "nos governaram". O sistema impedia que eles ascendessem de maneira avassaladora e provocassem danos irremediáveis. O Imperador tolhia suas ações desproporcionadas...

Não foi o próprio Ruy Barbosa, arrependido, quem constatou o "triunfo das nulidades" e o "arregimentar de poderes nas mãos dos maus" e a isso deu o nome de OBRA DA REPÚBLICA? Não foi Monteiro Lobato quem argüiu, já na terceira década da República brasileira, ser ela a "era das trevas" comparada à "época de ouro", que foi o Império. E observem que ambas as personagens históricas podem ser classificadas como tudo, menos... MONARQUISTAS. O primeiro era mais civilista e legalista que qualquer outra pessoa e se o status quo brasileiro era republicano, ele o aceitava plenamente, querendo inclusive... ser o Presidente da República. O segundo, quase pró-socialista, não enxergava necessariamente na Monarquia a grandeza do Brasil-Império, mas sim na figura austera e filosofal de Dom Pedro II. O Imperador e seu "lápis fatídico" eram os ídolos desse genial literato brasileiro de princípios do século XX; século esse, sim, que faria do Brasil, econômica, política e socialmente, para nossa grande tristeza, o que ele é hoje.

Não nos enganemos! Não nos deixemos levar por considerações simplistas como as de que o Brasil é fruto de "500 anos de poder das mesmas elites". Isso é falso! É hipócrita! É o tipo de argumento que faz dos "João Alves", dos "Sete Anões do Orçamento", dos "PC Farias", figuras do Brasil de sempre, e isso não é verdade! Se tantos afirmam que o Brasil-Império foi "uma escola de Estadistas" é porque alguma coisa havia lá que fazia a diferença...

Não se deixem, sobretudo os intelectuais esquerdistas, cegar pela miopia de compreender tão perfeitamente que "um escravo valia mais no passado para um senhor do que um trabalhador vale hoje para o patrão", sem notar que a diferença reside exatamente aí: na MONARQUIA, no princípio da existência de um SOBERANO, que etimologicamente quer dizer "alguém acima de tudo".

Não nos isolemos. Olhemos à nossa volta. Ao acaso os tão-colônia-quanto-nós Austrália, Canadá ou Nova Zelândia se mantiveram "coloniais", "atrasados", "subdesenvolvidos"? Sidney, a "Cidade-Presídio" do Império britânico do século XIX, não sediará as Olimpíadas de 2000?

São afirmações como essas, de que o Brasil é domínio de uma mesma elite há 500 anos, que certamente devem fazer com que as almas de nossos Imperadores, sobretudo o Senhor Dom Pedro II, não encontrem paz definitiva. Afinal, quando se "realizará a Justiça de Deus na voz da História", como ele mesmo profetizou?

Segundo nós, MONARQUISTAS, neste portentoso século XXI!

Dentro em breve descobriremos, nós e muitos outros povos, o quanto nos legaram à orfandade as Repúblicas e suas pseudo-Democracias. Até lá, e enquanto esses dias de "honra e glória" não chegam, comemoremos, sim, os nossos 500 ANOS DE BRASIL!!!


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NOTAS

1) Este pensamento subjaz, por exemplo, sem que se apresente claramente expressado, em matéria do Jornal do Brasil, de 22 de abril, intitulada "Elite comanda o país há 5 séculos" (cf. p. 3, Caderno POLÍTICA). Ali, se lê assim: "Nos mais de três séculos da Colônia, o poder era exercido apenas pelos brancos que possuíam terras e escravaria, nas câmaras dos homens bons. Com a Independência, o Brasil tornou-se Império e ganhou Legislativo nacional, onde a prioridade continuou sendo dos representantes do poder agrário. Passados 111 anos desde o advento da República, a elite econômica urbanizou-se mas não largou o comando..." (voltar)

2) Cf. Folha de São Paulo, Caderno BRASIL, p. 12. (voltar)

3) Tal processo é comum, dizem os setores esquerdizados de nossa sociedade, da "direita" que se locupleteia do poder. (voltar)

4) Já este processo é facilmente identificável na postura de nossas "esquerdas" intelectualizadas. (voltar)

5) Cf. Rubro Veio: O imaginário da Restauração pernambucana, 2ª edição, São Paulo, Ed. Topbooks, 1992. (voltar)

6) Trata-se do Tenente Joaquim Cardoso que, conforme noticia O Globo, de 18.1.2000, participara da junta militar liderada pelo Major Solón Ribeiro, que fora entregar à Família Imperial a mensagem de banimento. (voltar)