segunda-feira, 1 de dezembro de 2003

Monografia sobre a memória da Redentora (PUC-RIO)



Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Departamento de História
Monografia
Orientadora: Profª. Dra. Adriana Vianna






A memória da Redentora:
O olhar de D. Isabel sobre o golpe de
15 de novembro de 1889
e suas conseqüências (1888-1921)








Bruno da Silva de Cerqueira
(2003.2)




Princesa Dona Isabel,
Mamãe disse que a senhora
Perdeu seu trono na terra,
Mas tem um mais lindo agora.

No céu está esse trono,
Que agora a senhora tem,
Que além de ser mais bonito
Ninguém lho tira, ninguém.

(cantiga popular brasileira)
Oferecimentos
























Aos meus pais e avós, sem a genealogia dos quais eu não existiria;
Aos meus irmãos e tios e
À mais linda princesinha de Niterói: Luana de Cerqueira, minha afilhada e sobrinha;
À Sônia, minha nourrice — cuja definição só existe, plena, em francês;
À minha monographic girl, Erica Pereira de Barros de Almeida Araújo, altiva flor da rija nobreza rural da Paraíba.


Agradecimentos





















Aos meus familiares afins:
Meu padrinho e mestre, Otto de Sá-Pereira, que tanto me ajudou — e ajuda — a recuperar minha aristocracia perdida;
Meu irmão paraibano, Antonio Aprígio Pereira;
Sebastião & Olga Perlingeiro e Lêda Machado;
À minha delicada orientadora, a jovem doutora Adriana de Resende Barreto Vianna, de ótimos troncos mineiros e gaúchos;
E aos meus amigos: os jovens inteligentes e os sábios anciãos, a quem tanto devo...


En somme, dans la politique, il y a toujours du religieux.
Peut-être le politique n´est-il qu´un chapitre de la science des religions ?
Roland Mousnier, 1987


Humaine et sacrée, souveraine et anarchique, naturelle et irrationelle, familiale et distante, inutile et indispensable, la monarchie est à l´image de notre temps. Son anachronisme est gage d´une profonde modernité.
Christian Cannuyer, 1989


A História não pode ignorar o impacto de tais mudanças. A lei decretou, simplesmente, que senhores não eram mais senhores; escravos não eram mais escravos. Era o Brasil finalmente redimido de suas desigualdades. Capitães-do-mato não eram mais necessários, senzalas eram agora “dormitórios de camaradas”. Era o velho mundo de ponta-cabeça.
Eduardo Silva, 1997


Mais do que Redentora de um povo, D. Isabel foi justamente a Redentora de uma época: ela, a herdeira do Trono Imperial do Brasil, então atuando como Princesa Regente e futura Imperatriz, REDIMIU a própria Monarquia que encarnava. Redimiu todos os seus antepassados lusos que haviam liderado os processos de expansão marítima do pequeno grande reino português: em África, em Ásia e nas Américas.
Bruno de Cerqueira, 2003


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Departamento de História
Monografia
Profa. Dra. Adriana de Resende Barreto Vianna

Aluno:
Bruno da Silva de Cerqueira (2003.2)


A memória da Redentora:
O olhar de D. Isabel sobre o golpe de 15 de novembro de 1889
e suas conseqüências (1888-1921)

Apresentação


O presente trabalho pretende apresentar, numa perspectiva sintética, como os membros da Realeza do Brasil, em geral, e a herdeira do trono imperial, em particular, receberam o 15 de novembro de 1889 e o conseqüente exílio que lhes foi imposto por parte dos militares recém-alçados ao poder.
Para tanto, faremos um exame de proporções não demasiado rigorosas do documento Memória para meus filhos, de autoria da própria Princesa Imperial D. Isabel, que se encontra no Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis, sob a seguinte denominação arquivística: Narração dos acontecimentos de 15 de Novembro de 1889, feita por S.A.I.R. a Senhora Condessa d´Eu. Notas redigidas a bordo do ALAGOAS e mais tarde em Cannes – doc. 9413 / maço 207.
O documento parece ser amplamente desconhecido. Um dos pouquíssimos relatos redigidos ao calor da hora, isto é, dias após o golpe de 15-16-17 de Novembro, Memória para meus filhos pode ser considerada uma peça raríssima na apreciação dos acontecimentos históricos mais marcantes de nosso País. Pois trata-se de um documento cuja natureza privada é eivada de publicidade e a característica principal parece ser firmar um depoimento para o porvir — no caso, encarnado nas figuras dos filhinhos de D. Isabel —, de cuja sinceridade e honestidade não se possa duvidar jamais.
No primeiro capítulo (Os filhos de D. Isabel: D. Pedro, D. Luiz, D. Antonio e todos os brasileiros...), abordaremos a questão da natureza pública desse documento, de forma a enxergar nela sua dimensão política e a natureza privada de forma a ver a expressão da dimensão familiar.
“Pegando carona” nas noções do antropólogo norte-americano Clifford Gertz acerca da centralidade social que o Rei — e os membros da Realeza, numa escala ligeiramente menor — exerce numa sociedade monárquica, esboçadas no capítulo Centros, reis e carisma de seu célebre Saber Local (Local Knowledge)[1], poderemos indicar o quanto Memória para meus filhos tem de apoteótico, no sentido de mostrar a queda de um regime, e com ele de toda uma era, no fato, bem pontual, do banimento da Família Reinante.
A percepção de Geertz de que há uma grande falta de perspectivas teológico-políticas na contemporaneidade dando conta das permanências monárquicas nas sociedades, talvez aponte alguma dificuldade, portanto, para a historiografia de aproximar melhor temáticas políticas de religiosas, uma vez que os Estados se tenham laicizado. Assim, ao ensejarmos noções de D. Isabel como símbolo religioso, não esqueçamos de sua similitude histórica com as demais rainhas: figuras eminentemente políticas.
Em nosso segundo capítulo (O retorno da que não foi: a revificação da memória da Redentora como resgate do III Reinado), tentaremos apontar para o silêncio e a obscuridão historiográfica sobre D. Isabel através das discussões sobre a memória, levantando pontos aqui e ali coletados das notas de Michael Pollak, em seu texto Memória, esquecimento, silêncio, publicado na revista Estudos Históricos (ed. 1989/3), do CPDOC/FGV. Assim como recorreremos também às interessantes páginas de Tzvetan Todorov em seu A Conservação do Passado (in Memória do mal, tentação do bem)[2].
Desde já adiantamos nossas desculpas por ter de recorrer também a nossa própria escrita, sobretudo no texto de lançamento do Instituto Cultural D. Isabel I a Redentora, intitulado Rio de Janeiro, 13 de Maio de 2001. Nos seria impossível deixar de fazê-lo, pois há nele idéias primevas bastante elucidativas dos questionamentos que ora propomos ao defrontamento; bem como seria pouco provável que pudéssemos deixar de fazer outras citações de autores célebres da historiografia brasileira do Novecentos, quando abordaram, de maneira diversa, eventos da biografia de D. Isabel.
Por fim, seguirá a íntegra do documento-base deste trabalho como anexo e o leitor poderá, assim, concluir — estarrecido, provavelmente — que o tamanho do desconhecimento do povo brasileiro em geral sobre D. Isabel e seus trinta anos de “reinado” no exílio é quase diretamente proporcional à falta de conhecimento sobre as origens da República brasileira e suas primeiras décadas.

***

Introdução



O pior de ter passado pela morte não é ser esquecida. É esquecer.
Perder mesmo os farrapos de memórias que me mantém como uma
estrutura relativamente coesa cento e vinte anos depois de ter morrido.
Preservando a dúvida[3]
“D. Amélia de Leuchtenberg” – Ivanir Callado


Considerar lacunares as visões dos Príncipes em relação à chamada Proclamação da República é o principal motor de investigação da pesquisa que ora nos colocamos a realizar. Isto porque muito pouco se sabe — ou talvez muito pouco se divulgue — o que representou para D. Pedro II, D. Teresa Cristina e D. Isabel individual e familiarmente o 15 de Novembro.
Mas sobretudo irá nos interessar o depoimento deixado pela Redentora sobre o golpe, curiosamente chamado por ela mesma de Memória para meus filhos. Compreender melhor os motivos pelos quais a sua voz ressoa tão pouco em nossa história posterior àquele fatídico 15 de Novembro é o leitmotiv desse trabalho.
A discussão sobre a memória tem levantado grandes questões na historiografia das últimas décadas. Analisar um documento registrado pela pena da própria Princesa Imperial, no momento em que sua Família era deposta e banida do Brasil constitui, portanto, fator primordial numa perscrutação maior: por que a memória da Redentora é tão ausente?
Por que, sendo ela a futura Imperatriz do Brasil, se aquele golpe não tivesse vindo no 15 de Novembro, as diversas historiografias — não só as que se poderia chamar oficiais quanto as que poderiam ser apresentadas como anti-oficiais — não a apresentam como personagem fulcral daquele momento? E, enfim, por que os historiadores brasileiros conhecem tão pouco sobre sua biografia? Estaria certo Francisco de Assis Barbosa, quando diz (?):


 Redentora, Isabel I, Dona Isabel e até Santa Isabel — como a chamaram na euforia do dia 13 de maio —, a filha de Dom Pedro II jamais alcançaria uma aura que a projetasse como personagem carismática capaz de inspirar uma biografia no estilo dos livros de André Maurois ou Stefan Zweig, de Paulo Setúbal ou João Felício dos Santos. Pedro Calmon e Dinah Silveira de Queirós não conseguiram transformá-la num best-seller, mesmo em termos nacionais, como em relação a uma Marquesa de Santos ou uma Carlota Joaquina. É que Isabel de Bragança era demasiadamente bem comportada e preferia assinar-se Princesa Imperial Regente ou Condessa d´Eu, por ser fiel, fidelíssima, ao seu adorado Gaston, mesmo enfrentando a impopularidade do príncipe estrangeiro (...)[4]

Estaria certo nosso erudito literato ao explicar a “ausência de projeção” de nossa Princesa Imperial por seu excesso de bom-comportamento, de fidelidade conjugal, ou na verdade, por oposição às duas outras personagens históricas femininas que ele cita, uma a amante de seu avô e outra a sua bisavó, isto é, porque D. Isabel seria uma espécie de mulher sem mancha, ou de uma quase-santa? Prefaciando a biografia de D. Isabel do historiador petropolitano Lourenço Luiz Lacombe e intitulando-o A História e suas interrogações, Barbosa cria uma ambiência de dúvidas a se investigaram, de questões a se esmiuçarem. Foi pelo menos o que nos ocorreu, na ocasião em que, ainda antes de entrarmos para o curso de História que ora findamos, fizemos a leitura da obra do antigo Diretor do Museu Imperial e também Professor desse Departamento de História da PUC-Rio.
Assim, volta-se à questão da memória de D. Isabel, ou melhor, da memória sobre ela. No texto de fundação do Instituto Cultural D. Isabel I a Redentora, lançado a 13 de maio de 2001, na Imperial Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, abordamos a questão da falta conhecimento acerca da biografia da Redentora nos seguintes termos[5]:

Após 112 anos de República no Brasil, aquela que o povo conhece, parcamente, é bom que se diga, como Princesa Isabel, não passa de um vulto histórico, estritamente relacionado à assinatura da Lei Áurea e nada mais... Aliás, nesta abordagem, por que chamá-la de D. Isabel? Por que não aceitar a forma popularizada de seu nome/título?
Porque vemos nisso a aceitação do que costumamos denominar império da ignorância e que identificamos, em grande parte, com a obra da República entre nós. (...)

Novamente neste ano de 2003, houve alguma exaltação no Rio de Janeiro, da figura de D. Isabel. O Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, César Maia, para comemorar os 115 anos da Lei Áurea, inaugurou, a 13 de Maio, uma estátua da Redentora na rua que leva o nome Princesa Isabel, no bairro do leme, zona sul do Rio. Presentes ao evento inúmeros descendentes da Redentora, entre os quais se destacaram o neto mais novo dela, D. João de Orleans-e-Bragança e os bisnetos D. Antonio João e D. Isabel do Brasil, esta última convidada pelo Prefeito a descerrar o pano da estátua junto com ele (v. foto abaixo).


O Prefeito César Maia e a Princesa D. Isabel do Brasil,
bisneta homônima da Redentora ,
presenteada com um buquê de camélias,
inauguram a estátua de D. Isabel[6]

Tanto a estátua quanto a rua chamam-se tão-somente Princesa Isabel; sobre isso dissemos no texto de lançamento do IDII:

Ainda por se fazer está uma devida historicização de porque a expressão Princesa Isabel pegou tanto. Estrangeirismos, tanto europeus (sobretudo germânicos), quanto africanos, certamente auxiliarão na compreensão do fato de que um membro de nossa Realeza, herdeira da tradição lusitana dos Bragança, e por aí, sobretudo das tradições ibérica e latina, tenha sido apelidada de outra forma que sem o título nominal Dom/Dona[7] antes de seu primeiro prenome. Assim como, nos dias que correm, o Rei de Espanha, D. Juan Carlos I, é chamado de Rei Juan Carlos, até pela mídia ibero-americana e tal expressão é amplamente utilizada, em desconformidade com a tradição, vale a pena esclarecer porque D. Isabel passou para a História do Brasil quase que exclusivamente como Princesa Isabel. Mesmo os mais doutos entre os nossos historiadores[8] chamaram-na dessa forma, durante toda a nossa historiografia do século XX[9].
Ainda nesta temática, por que desconsiderar a forma popularizada do nome/título de D. Isabel? O que há de mal nos brasileiros considerarem-na sua imortal Princesa Isabel? De mal, nada, se encararmos o processo de popularização como algo que faz de alguma pessoa ou de alguma coisa popular, i.e., querido, familiar ao povo. Assim, como ver nocividade na expressão popular Princesa Isabel?
A questão a que aludimos aqui é diferente. O fato de D. Isabel ser chamada apenas de Princesa Isabel parece-nos, recorrentemente, uma forma de constatação do pouco conhecimento que se tem sobre ela. Sobre sua vida, sua atuação, seu “reinado” no exílio.
De 1891 a 1921, D. Isabel foi a Chefe da Casa Imperial do Brasil no exílio, na França. Nesses trinta anos, D. Isabel não fez outra coisa senão pensar, diariamente, em seu País, seu Povo, seu Rio de Janeiro, sua Petrópolis, seus conselheiros, suas amigas, enfim, em tudo que remetesse ao seu idolatrado Brasil.

Ainda incrementando os festejos do 115º aniversário da Lei de 13 de Maio de 1888, recebemos com grande simpatia e louvor a saída do livro As Camélias do Leblon, uma investigação de história cultural, do Prof. Eduardo Silva, minucioso pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa. O mérito do livro consiste, em grande parte, trazer à tona, em princípios deste novo milênio, histórias belíssimas de batalhas intelectuais e políticas travadas naquela distante década de 80 do séc. XIX. Além do que, em virtude de algumas recentes tentativas, sobretudo por setores exaltados do movimento negro, de minimizar absurdamente a participação histórica de D. Isabel no processo abolicionista, o livro de Eduardo Silva recupera amplamente o desfecho dos acontecimentos de 1888.
Comente-se sobre as camélias da liberdade a que se faz referência em todo o livro, que o biógrafo Pedro Calmon já havia dedicado a elas torrenciais páginas em seu A Princesa Isabel a Redentora, em 1939.
Contudo, sem incorrer-se em exageros, pode-se mesmo afirmar que seja grande o número de historiadores brasileiros que desconheçam quase por completo o itinerário seguido pelos nossos Príncipes após sua partida do Rio de Janeiro na madrugada de 16 para 17 de novembro de 1889.
A falta de conhecimento acerca da temática da história da Realeza brasileira, após sua deposição, é por nós algo que se nota nos meios acadêmicos muito amplamente. Não pretendendo esmiuçar os motivos que levam a esta alargada lacuna histórica, temos em mente apenas deslindar o depoimento deixado pela nossa futura Soberana, acerca do processo político que decorre no Brasil da retirada de seu pai da chefia do Estado.
O período de trabalho escolhido (1888-1921) corresponde à Abolição e ao fim do II Reinado, que teria durado até 1891, com a morte de D. Pedro II, e ao reinado de D. Isabel em seu amargo exílio, i.e., a chefia da Casa Imperial do Brasil, findada por sua morte em 1921 — o que teria sido aqui, no Brasil, o III Reinado.
Destarte, nossa personagem principal chama-se D. Isabel Christina Leopoldina Augusta Michaela Gabriela Raphaela Gonzaga de Orleans e Bragança[10] e a ela, sobretudo a ela, dedicamos a presente investigação.

***

Capítulo I

Os filhos de D. Isabel:

D. Pedro, D. Luiz, D. Antonio e todos os brasileiros...



23 Novembre 1889
On ne peux être trop heureux dans ce monde! Mon vrai beau temps est passé!
Que le bon Dieu me laisse au moin Son Coeur que j´aime!
La Patrie des mes meilleurs affections s´éloigne de plus en plus! Que le bon Dieu la protège!
Le souvenir des heures heureuses me soutient et m´accable![11]

 

 

Sendo Memória para meus filhos o nome com que a própria Redentora batizou suas nervosas notas a bordo da nau que rumava para a Europa, levando nossos monarcas e príncipes destronados e desterrados e alguns nobres também sob esta última condição, conviria instar se os “filhos” de D. Isabel seriam apenas os seus rebentos com D. Gastão.

Seriam apenas os três Principezinhos os destinatários daquele texto de caráter epistolar e tão marcadamente póstero? Ou seria, na verdade, a todos os brasileiros que se dirigia nossa futura Imperatriz, ao descrever com as minúcias que a tristeza profunda e a instabilidade emocional decorrente permitiram, o golpe de Estado, a traição dos militares e o desespero dos que rodeavam a Dinastia Imperial naquele momento fatídico? Deixemos que ela mesma fale — os grifos serão sempre nossos:


Quando os primeiros dias de angústia são passados, e meu espírito e coração acabrunhados pela dor podem exprimir-se a não ser por lágrimas, deixai-me, filhinhos, que lhes conte como se deu a maior infe­licidade de nossa vida! Eram 10 horas da manhã do dia 15 de novembro de 1889, quando a casa chegaram o Visconde da Penha e o Barão de Ivinheima declarando-nos que, diziam, parte do exército insurgido, e na Lapa achar-se um batalhão ao qual se tinham reunido os estudantes da Escola Militar, armados. Pouco depois, chegaram o Tosta, Mari­quinha e Eugeninha, pouco depois o White. Foram então chegando, sucessivamente, o Ismael Galvão, Miguel Lisboa, Pandiá Calógeras e senhora, Lassance, Major Duarte, Barão do Catete, Carlos de Araújo, Drs. Rebouças e Araújo Góis.
As notícias que chegavam eram tais que a nós pareciam exage­radas. O Miguel Lisboa ofereceu-se então para ir ao próprio Campo da Aclamação saber do que havia. Daí voltou dizendo que o Ministério estava sitiado no Quartel e o Ladário dado como morto.
Ligamos os telefones com os Arsenais de Marinha e Guerra que responderam nada saber.
Não quis sair logo do Paço Isabel temi que talvez não sendo as coisas como se diziam, não viessem mais tarde acusar-me de mêdo, do que aliás, nunca dei provas.
Pouco depois vieram notícias de que tudo estava apaziguado, nada mais haver a recear, mas todo exército coligado ter impôsto e alcan­çado a retirada do Ministério. Gaston exclamou: a Monarquia está acabada no Brasil. Ainda iludida, eu julguei que tal exclamação era pessimismo. Também nos informaram que o Deodoro tinha a seu lado o Bocaiúva e o Benjamin Constant e que declarara um Govêrno Pro­visório. O Rebouças chegou a casa e veio também da parte do Taunay com o plano de que Papai se conservasse em Petrópolis, e aí estabe­lecesse o Govêrno internando-se se fôsse necessário.

Interessantíssimo, vem a seguir o trecho onde ela fala de seus filhinhos, a quem teoricamente dirigia-se o documento, na terceira pessoa do plural...

Os meninos, fizemo-los partir, antes do recado do Capanema, para bordo do “Riachuelo”, enquanto esperavam a saída da barca das quatro para Petrópolis. Era o meio de informar Papai do que havia e também pôr os meninos fora do barulho.

Por mais quatro vezes ainda, a Redentora falará dos “meninos” e das “crianças”, sem se dirigir a eles como “vocês”...

Os meninos que, na véspera, mandáramos chamar de Petrópolis, chegaram, graças a Deus, com o Doutor, Mr. Stoltz, o Rebouças e o Welsensheim (Ministro Austríaco). (...)
O “Alagoas”, onde embarcou a comitiva que se achava fora em arranjos meus e dêles, partiu a 1 hora e meia. Estiveram a bordo do “Alagoas” algumas pessoas que procuraram ver-nos. Carapebus (que entrara as escondidas com a Condessa, do Paço no dia 16, assim saíram encarregados por nós de velar pelos meninos, caso fôsse necessário), Marinha, Yeats, Lopo Diniz e filho, Mamoré e Beaurepaire Rohan.
(...) Quanto ao “Parnaíba”, depois de muitos recados desencontrados, saiu conosco barra fora as 10 e meia e dirigiu-se a Ilha Grande, onde então passaríamos para o “Alagoas”. As 8 horas da noite, com efeito, apesar da escuridão que era muita, e do mar agitado, passaram-nos para bordo do “Alagoas”, onde encontramos a nossa comitiva bem sobressaltada com a difícil trasladação a tais horas de um navio para outro; e na verdade perigo havia sobretudo para Papai e Mamãe, e para as crianças.

Por fim, na nota de 5 de dezembro de 1889, ela diz:

Para maior clareza e evitar dúvidas futuras, direi que, do Rio, no Parnaíba, como pessoas que acompanhavam a Família Imperial, vieram Josefina, Aljezur, Mota Maia, Manuel Mota Maia e o Rebouças que aí chegara, vindo de Petrópolis, juntamente com os meninos, e mais as duas criadas de Mamãe e os dois criados dos meninos.


13 de maio de 1888: multidão de quase 10 mil pessoas aclama a
Princesa Imperial Regente, que acaba de assinar a Lei Aúrea[12]

Retornando à questão de saber se os “filhos” de D. Isabel a quem se endereçava esta “memória” eram somente os Principezinhos D. Pedro, D. Luiz e D. Antonio, fica bastante assimilável que a resposta seja negativa: os filhos a que D. Isabel se refere incluem de maneira simbólica a todos os brasileiros, em especial aos negros brasileiros. Talvez personagem-síntese dessa negritude, o exilado voluntário com a Família Imperial, André Rebouças, nosso potentado da Engenharia nacional — nos dois sentidos do termo — em seus diários, anota sobre o comportamento dela a bordo do navio:
A Redentora excede a toda a imaginação em coragem e amor ao Brasil, não me permitindo expansão alguma contra os monstros da traição e ingratidão, autores de todos esses atentados.[13]

A maternalidade monárquica — representação imagética de toda rainha — de D. Isabel em relação aos brasileirinhos de 1889 fica especialmente clara em situações vividas no exílio. Alberto Santos-Dumont é seu maior exemplo. Ninguém foi mais maternal com ele em sua longa estada francesa que a “Mãe do Brasil” expatriada. Jamais arrancou a famosa medalhinha de São Bento com que ela o presenteara em 1901.
Sobre Santos-Dumont e Assis Chateaubriand, dois dos brasileirinhos de 1889 que tão de perto gozaram da afetividade da Redentora em França, descreve o biógrafo Hermes Vieira:

E o mais singular é que, à medida que o tempo ia passando, mais na Princesa se acentuava este traço característico do pai: quanto maior era a saudade que a pungia, maiores eram o carinho e a dedi­cação que consagrava aos brasileiros. Possuída cada dia mais de uma grandeza de alma que se refletia na suavização cada vez maior do semblante, dir-se-ia ter passado a viver melhor quando se viu desen­ganada de reconquistar para ela, ou para o filho, o trono que lhe fora destinado ao nascer. Atingida, finalmente, a conformidade, que tanto lhe custou a aceitar, diariamente se encaminhava para a capela do seu castelo, e, joelhos no pequeno genuflexório colocado em frente ao altar, orava para que o Brasil fosse bem sucedido e Deus se ser­visse de guardar as instituições que o engrandecessem no futuro. Curiosa nobreza de sentimentos cívicos, que a fazia cada vez mais devotada a sua terra e sua gente.
Assis Chateaubriand (...) comenta: “Apagada a sua estrela política, depois de vencida a tormenta da abolição, ela não tinha a expressão dura, uma palavra amarga para julgar um fato ou um homem do Brasil. No mais secreto do seu coração, só lhe encontrávamos a indulgência e a bondade, e este espírito de conduta, esse desprendimento das paixões em que se viu envolvida, era a maior prova de fidelidade, no exílio, à pátria distante. Mais de trinta anos de separação forçada não macularam a alvura dessa tradição de tolerância, de anistia aos agra­vos do passado, que ela herdara do tronco paterno.”
 “O exílio”, define, “é um palco onde uma grande alma se purifica na mais alta ascensão. E num depoimento incisivo: A Princesa Imperial reinou, verdadeiramente, foi no exílio. Aí é que a sua realeza excede o principado político das regências que lhe couberam por motivo das viagens do Imperador à Europa. Ali é que ela surge diante da posteridade com o perfil de uma autêntica Rainha”. Razão por que, “todos os brasileiros, pretos e brancos, de­veriam ter o culto dessa Rainha de doçura e de bondade. Eu abençôo os que a baniram, porque foi no exílio que ela deu toda a medida da majestade e da magnanimidade do seu coração. Ela viveu no des­terro como símbolo da fraternidade, como a afirmação da Pátria, acima dos partidos e dos regimes[14].

Santos-Dumont, narra Vieira, na primeira demonstração pública de seu Balão nº 5, conseguiu a proeza de contornar a Torre Eiffel. Logo após, uma ventania o desequilibrou, vindo a cair nos campos do Parque Edmond de Rotschild, mais precisamente numa árvore, que destroçou todo o balão, mesmo que nada de ruim tivesse se passado com o nosso “destemido navegador espacial”. Como o parque ficasse próximo ao palacete de Boulogne-sur-Seine, em breve Santos-Dumont se apresentou a D. Isabel para contar-lhe os desafios aéreos detalhadamente. Assim ele próprio descreve esse encontro em seu livro Dans l´air: “(...) e quando acabei minha história, a filha de D. Pedro II me disse: _ Suas evoluções aéreas fazem-me recordar o vôo dos nossos grandes pássaros no Brasil. Oxalá possa você tirar do seu propulsor o partido que aqueles tiram das próprias asas e, triunfar, para glória de nossa querida Pátria!”
Outro depoimento fecha com chave de ouro o esplêndido descortínio da figura da Redentora no exílio. Trata-se da narrativa deixada pela neta do Visconde de Ouro Preto, último Presidente do Conselho de Ministros, tão citado em Memória para meus filhos, Maria Eugênia Celso de Ouro Prêto, a filha de seu filho mais velho, Affonso Celso de Assis Figueiredo Jr. (Conde papalino de Affonso Celso). Esta — enfim! —, uma brasileirinha de 89. Diz ela:

“Mériter des couronnes c´est plus que d´en porter”, disse um pensador. É uma triste verdade em nosso mundo imperfeito, que toda coroa de glórias tem de ser primeiro coroa de espinhos. A perda do trono e o exílio assim o foram para D. Isabel. Foi no exílio que ela deu a medida da sua têmpera superior e da sua magnanimidade, e no exílio, imorredouramente, se radicou entre as mais puras e al­tas figuras, não sómente da História do Brasil, como na do continente americano. (...) Em 1897, as agitações políticas que determinaram o assassinato do Coronel Gentil de Castro, forçaram o Visconde de Ouro Preto e seu filho Afonso Celso a se refugiarem outra vez em Paris. Muito menina ainda, acompanhei-os eu nesta viagem. E foi ai que tive ensejo de conhecer, numa visita a Boulogne-sur-Seine, a Princesa de quem tanto e tanto ouvira falar.

E’ esta impressão de criança, remota mas indelével, que neste poema traduzi: O beijo da Princesa.


Devia aparecer e apareceria com certeza
Num longo manto de veludo
Sobre o claro vestido de cetim.
O grão Cordão da Rosa, a tiracolo,
O diadema de pedras cintilantes.
E na mão delicada
Essa mão de Regente que numa
hora de glória inigualada
A Lei Áurea assinara,
O cetro imperial...
Era assim que eu a via quando falavam nela
Majestosa, hierática e solene.
Pois, princesa afinal,
Só pode normalmente ser assim.
No salãozinho de Boulogne-sur-Seine,
Entre os brancos reposteiros brasonados
Com a coroa e o monograma de ouro,
era assim que sonhava
E esperava a Princesa.
Os outros eu não sei como a aguardavam,
Eu era só assim que a imaginava
No salão
Cheio de coisas do passado
que da pátria remota nos falavam.
Já meu pai recordara,
Apontando uma mesa com medalhões de Sêvres
em seu bronze incrustados:
— “É a mesa da Abolição”.
E, de repente,
Afastando a cortina, uma dama assomara.
De porte erecto ainda,
O cabelo grisalho singelamente penteado
E, corpulenta embora,
Tinha em si qualquer coisa de inexprimivelmente senhoril.
O seu vestido preto
Fazia mais azuis seus doces olhos, de onde
As lágrimas saltaram insopitavelmente.



Postos de pé, num silêncio de funda comoção,
Durante alguns instantes
A Princesa Isabel vimos chorando.
Depois, a pouco e pouco o pranto dominando:
— “Visconde,
Sorriu a meu avô estendendo-lhe a mão,
— Dê-me noticias do meu Brasil.”

Não, não era moça, nem era bela,
Não trazia a coroa, o ceptro, o manto,
Nada de aquilo tudo com que a enfeitara na imaginação.
Mas diante dessas lágrimas choradas
Tão simplesmente assim à brasileira,
Lágrimas de saudade e de lembrança jorradas
Do próprio coração
Pela presença ali deste velho Ouro Preto
Fiel até ao fim,
Eu compreendi, no entanto.
Que era esta a Princesa verdadeira
Mais grandiosa e mais linda
Nessa velha Senhora — tão senhora,
Do que a resplandecente e teatral Alteza
Da minha fantasia.
Era Isabel a Redentora, nossa Princesa que, por toda a vida
Eu nunca mais esqueceria..
Deu-me um beijo na testa á despedida
E, durante dois dias, eu num enlevo extasiado e mudo
Não quis lavar o rosto, — oh! birra de criança que ninguém compreendia...
Para não apagar o beijo da Princesa.[15]


Finalizando sua perfumada descrição da biografia da antiga Regente, diz Maria Eugênia Celso de Ouro Preto que ela “continuou a ser, vida em fora, como até hoje é e deve ser para todos nós, a figura excepcional de soberana e de mulher, a única a ter direito, no continente e no mundo, a este belo nome de Redentora, que os seus inimigos até hoje lhe querem negar, mas com que o Brasil reconhecido a ungiu e consagrou”...
Evidente que todas essas histórias sobre D. Isabel carregam consigo o ônus das idealizações. Ao contrário do que se poderia imaginar lendo esses excertos dos nossos azes do jornalismo e da aviação ou da nossa poetisa-historiadora, a Redentora tinha indisfarçáveis traços autoritários: se não tivesse sido impositivamente bourbônica e intempestivamente bragantina... não seria a neta de D. Pedro I...
E mesmo que sua herança bourbônica florescesse na dócil versão napolitana-siciliana, a de sua catolicíssima mãe, D. Teresa Cristina, ela vinha acompanhada, sempre, de profunda autoridade. Assim o revela a neta homônima da Redentora em passagem já bem conhecida dos apreciadores da saga da Família Imperial após o banimento:

 Vovó era uma mulher de personalidade, como dizem dos caráteres difíceis de definir. Fisicamente, era baixinha, loura, de olhos azuis, com cabelo cortado à Titus, todo penteado em cachos, lembrança de uma febre tifóide que a obrigara a esse corte particularmente rente. Não era bonita, mas encantadora, inteligente e autoritária. Tinha uma voz doce e falava o francês não com o sotaque brasileiro, mas com a entonação especial dos Bourbon das Duas Sicílias, que subsiste até hoje, apesar de sua dispersão por diferentes países do mundo. (...) Eu achava a voz de Vovó muito melodiosa, e gostava do tom com a qual ela dizia Bebelle. Além do mais, era uma mulher de idéias generosas, ainda que categóricas.
(...)
Vovó sabia manifestar sua autoridade de maneira muito concreta. Quando tínhamos a audácia de colher rosas no jardim francês que se encontravam bem embaixo das janelas de seus aposentos, nós a ouvíamos elevar a voz e gritar: “Danadinhos, querem fazer o favor de não estragar minhas rosas!”[16]

Páginas adiante, ela comenta com fina ironia sobre a faceta perseverante do espírito de sua avó:

Vovó parecia pairar sobre essas questiúnculas dos príncipes franceses. Somente duas coisas a interessavam: o Brasil e a conversão dos ateus. Durante vários anos, ela fez vãos esforços para tentar salvar, entre outras, a alma do Marechal Joffre, que a ia ver freqüentemente, em Boulogne.[17]

Por outro lado, se conforme diz Geertz, citando Edward Shills, “a origem do carisma relaciona-se a um ponto central privilegiado”[18], a Realeza estará sempre, irremediavelmente, no foco das atenções, das tensões, das intenções e dos processos políticos de uma Monarquia, pois nessa forma de governo ela é sua máxima representação humana. A autoridade monárquica será, quase que invariavelmente, adornada de uma paternalidade/maternalidade — o que explica a coerção pelo prestígio, mesmo dos monarcas constitucionais hodiernos.
Contudo, se as idealizações sacralizantes retiram parte da humanidade comum de D. Isabel, é porque, conforme aponta Geertz: “O reconhecimento do simples fato de que governantes e deuses têm certas propriedades em comum é bastante antigo. ‘O desejo de um rei é profundamente espiritual, escreveu um teólogo político do século XVII, que, aliás, não foi o primeiro a fazer tal afirmação; ‘ele contém uma espécie de universalidade total.’”[19]
À conclusão de Geertz em Centros, reis e carisma, sobre a necessidade de se enxergar os líderes políticos enquanto “espirituais”, na percepção de que eles estejam imersos nas lógicas relacionais das populações com seus governos — “com as ficções mais importantes que tornam possível a sobrevivência desta ordem”[20] —, intentamos a nossa, indagando até que ponto, na construção de uma apoteose monárquica em nossa História, como o faz Joaquim Nabuco em seu capítulo sobre a Dinastia, em Minha Formação, o carisma de D. Isabel não deva ser, de fato, muito melhor apreciado, para o bem ou para o mal, na crítica acérrima ou no elogio canonizante, do que o que se tem perpetrado à personagem dela até aqui.

***

 

Capítulo II

O retorno da que não foi:

A revificação da memória da Redentora como resgate do III Reinado



1.      A produção do silêncio e do
esquecimento na historiografia

Muito já insistimos sobre o ponto da amplíssima ignorância acerca de Memória para meus filhos, como uma espécie de sintomatização da falta de conhecimento histórico que se tenha sobre D. Isabel e seu “reinado”. A que “reinado” nos referiríamos, aqui e em outros pontos? Ao III Reinado no Brasil, que não veio, ou ao exílio francês da Redentora, esse sim bastante real? A um e a outro: portanto, evitemos confusões.
O III Reinado que não veio constitui para nós, indubitavelmente, período que consolidaria nosso parlamentarismo monárquico; na passagem do XIX para o XX, teríamos tido uma mulher na Chefia do Estado brasileiro, herdando de seu pai um  Império de inovações tecnológico-científicas, de estabilidade econômica e política, mas também de profundas contradições sociais. O Prof. Otto de Sá-Pereira no texto de lançamento do IDII, já tantas vezes citado aqui, diz sobre as experiências administrativas que poderiam ter constituído as de nosso período isabelino, baseando-se nas Regências:

Tais regências, que somam em conjunto o equivalente a um mandato presidencial contemporâneo (quatro anos), nos deixam subsídios para afirmar o que aparentemente é insólito: o III Reinado seria, para o Brasil, seu período mais áureo. Antes do advento da República, as atuações da Princesa Imperial Regente demonstraram a competência governativa, a firmeza de princípios e a caridade cristã pujante da Redentora no âmbito político e social. Para além da Lei Áurea, sua ação de Estado é, sob todos os aspectos, modelar.[21]

Nesse sentido, temos nítido que é totalmente prejudicial a falta de conhecimento dos historiadores brasileiros no que se refere aos períodos que correspondem de 25 de maio de 1871 a 31 de março de 1872; de 26 de março de 76 a 25 de setembro de 77; de 30 de junho de 87 a 22 de agosto de 88, ou seja, suas três Regências do Império. Essa ausência de conhecimento sobre as Regências, sobre os procedimentos de Estado da futura Imperatriz, também dizem, em parte, algo sobre a grande obliteração do maior movimento social do Brasil do Oitocentos: o abolicionismo. Isto porque talvez acompanhem a Redentora D. Isabel nas nossas trevas historiográficas os demais redentores do Brasil. Tal qual a ilustríssima herdeira de D. Pedro II, D. Pedro I e D. João VI, também são obnubilados para nós Joaquim Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio, Chiquinha Gonzaga, Luís Gama, Saldanha da Gama, João Cândido, Antônio Conselheiro, José Maria, Lima Barreto...
Atrelado ao desconhecimento do abolicionismo está o do isabelismo[22], o movimento de sustentação da ascensão de D. Isabel ao trono, que marcou a sociedade imperial a partir do 13 de Maio.
Causas para tamanho olvidamento, naturalmente que existem. Sobre elas, fala um pouco o jurista paulista — doutorado em Direito Constitucional pela PUC-SP — Paulo Napoleão Nogueira da Silva em sua teorização sobre aquilo que chama condicionamento ideológico republicano:

Desde os primeiros dias da República, os autores de livros didáticos para os cursos primário e secundário obedecendo a critérios oficiosos do Ministério da Educação, passaram a estampar o retrato de Pedro II com as longas barbas e o aspecto cansado dos seus últimos anos de vida, para associar à Monarquia a imagem de velhice, decrepitude e coisa antiga. Esses mesmos livros tratavam, e ainda hoje tratam de evidenciar as glórias da proclamação da República, o heroísmo de Deodoro e o idealismo dos seus com­panheiros, como se tivessem participado de uma feroz batalha em prol da liberdade. Paralelamente, os livros de contos infantis invariavelmente traziam estorinhas de reis e rainhas cobertos de jóias e de rendas, cuja única preocupação, nos intervalos de bailes suntuosos e banquetes pantagruélicos, era a de mandar cortar cabeças de súditos famintos e miseráveis.
Esse típico programa oficial de natureza ideológica, implementado durante algumas décadas, surtiu eleito. Os brasileiros esqueceram a monarquia, pelo menos aparentemente. Os únicos reis que passaram a contar foram os das cartas de baralho, com coroa, jóias, golas de renda e seda, e tudo o mais que a propaganda oficial sutilmente transformara em motivo caricatural. A lembrança do regime imperial ficou quase tão distante como o Descobrimento, ao mesmo passo em que se tornava quase de bom tom fazê-lo objeto de mofa. Sem que se soubesse, mesmo, porque fazê-lo.
Até o início da campanha do plebiscito [de 21 de abril de 1993] , boa parte dos brasileiros ainda ignorava que a Monarquia é um regime constitucional tão merecedor de reflexões quanto a República. Pareciam ignorar até, que a monarquia existisse no mundo; ou que o País ainda tivesse uma Família Imperial, que. aliás, quase nunca teve acesso à mídia.[23]

A seguir, ele explicita melhor sobretudo a falácia de que a “república era um caminho natural para o Brasil”, tão conhecida dos brasileiros em geral, pois assim ensinada nos bancos escolares.
Interessante, nesse ponto aqui, as palavras da própria Redentora sobre esse caminho tão natural que nos chegou com o golpe de alguns oficiais do Exército em 15 de novembro de 1889 (cf. abaixo):

MINHAS CONVERSAS A BORDO DO “PARNAÍBA”

Com um oficialzinho da fazenda, ainda parados no pôrto:
— Vossa Alteza compreende que esta transformação era necessária.
— Pensava que se daria, mas por outro modo: a nação iria ele­gendo cada vez maior número de deputados republicanos, e êstes, tendo a maioria, nos retiraríamos.
— Assim nunca podia ser feita, porque o poder é o poder.
— Quanto a ser a expressão da vontade da nação, não. Estou convencida de que se cada um votasse livremente, a maioria por meu Pai seria incontestável. Agora tudo foi feito pelo exército, armada, por conseguinte pela fôrça. Pode-se mesmo dizer tudo foi feito por alguns oficiais.
— Mas ver-se-á isto por meio da constituinte proximamente.
— Não disse o senhor que o poder é o poder?!
O rapazinho, aliás, falava respeitosamente e parecia bem inten­cionado e comovido da nossa dor.

D. Isabel poderia ter bem acrescentado: a maioria por meu Pai e por mim seria incontestável; sua humildade, porém, não o permitiu...

17 de maio de 1888: Missa campal em São Cristóvão atrai quase 20 mil pessoas,
debaixo de chuva. Coisa jamais vista na História do Brasil...[24]

Se é verdade que faltariam ao brilhante jurisconsulto Nogueira da Silva excessiva gama de bases documentais para afirmar o que imagina ter sido esse condicionamento ideológico republicano, não é difícil assimilar que, de fato, algo houve que impediu ao grande público brasileiro em geral, e aos historiadores, em particular, acessar a história da Dinastia Imperial, após o estabelecimento da República.
Assim, não deve espantar que quase nada se saiba sobre o exílio da Redentora, suas correspondências com o Brasil e os brasileiros, os manifestos políticos de seu filho e herdeiro D. Luiz — que Gilberto Freyre chama de “primeiro pensador brasileiro que, do exílio, aponta, com enorme interesse e preocupação” as tristes conseqüências da chamada questão social [25]— e todos os suportes que essas fontes proporcionariam ao estudioso da República Velha aqui.
Não é errado dizer que somente por ocasião do centenário da Proclamação da República, se viu discussões sérias entre os cientistas sociais brasileiros sobre nossas origens republicanas concretas na História pátria. Foi nessa época que surgiram os magníficos livros do Prof. José Murilo de Carvalho, apontando em parte a absoluta falta de participação popular na fundação da República de 1889, com Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi (1987) — já considerado clássico nos meios acadêmicos — e, três anos mais tarde, com A Formação das Almas: o Imaginário da República no Brasil (1990), onde ele punha por terra, definitivamente, as vagas noções historiográficas de que a República era algo concluso no Brasil e de que sua permanência estivesse assegurada pela ampla aceitação popular.
Também em obra publicada em 1986, a historiadora Maria de Lourdes Mônaco Janotti[26] elenca alguns dos acontecimentos dos princípios da República, cujas repercussões perduraram anos a fio, no que se refere à expressiva quantidade de pessoas que desejavam não somente a volta da Monarquia, como a luta armada para que isso se desse, se necessário fosse. A Revolta da Armada (1893-94) elucida a questão — a Marinha continuava fiel ao regime deposto. Sobretudo os assassinatos de monarquistas, por ordens de governantes ou por causa de brigas políticas regionais, são aí analisados.
J. Murilo de Carvalho, por exemplo, diz justamente que toda a imensa força de propaganda despendida por sucessivos governos republicanos nunca conseguiu finalizar um projeto maior de popularização da República, ou até de republicanização da República, sobretudo na mentalidade coletiva. Na conclusão de Formação das Almas, ele diz:

Falharam os esforços das correntes republicanas que tentaram expandir a legitimidade do novo regime para além das fronteiras limitadas em que a encurralara a corrente vitoriosa. Não foram capazes de criar um imaginário popular republicano. Nos aspectos em que tiveram algum êxito, este se deveu a compromissos com a tradição imperial ou com valores religiosos. O esforço despendido não foi suficiente para quebrar a barreira criada pela ausência de envolvimento popular na implantação do novo regime. Sem raiz na vivência coletiva, a simbologia republicana caiu no vazio, como foi particularmente o caso da alegoria feminina.
(...)
A falta de uma identidade republicana e a persistente emergência de visões conflitantes ajudam também a compreender o êxito da figura de herói personificada em Tiradentes. O herói republicano por excelência é ambíguo, multifacetado, esquartejado. Disputam-no várias correntes; ele serve à direita, ao centro, à esquerda. Ele é o Cristo e o herói cívico; é o mártir e o libertador; é o civil e o militar; é o símbolo da pátria e o subversivo. A iconografia reflete as hesitações. Com barba ou sem barba, com túnica ou de uniforme, como condenado ou como alferes, contrito ou rebelde: é a batalha por sua imagem, pela imagem da República.[27]

Prosseguindo, poderíamos instar, no que concerne especificamente à memória da Redentora, o que teria conseguido a nova esfera de poder no Brasil-República, apagar, obliterar ou mesmo falsear, para que o culto popular, mormente negro, inegavelmente existente de 1888 em diante, fosse gradualmente se extinguindo.
É geralmente sabido que as reformas urbanas pelas quais passou o Rio de Janeiro na chamada Belle Époque, tinham como meta exatamente destruir as marcas coloniais e imperiais da capital do Brasil; com isso, muito do que sobrevivesse ao famoso bota-baixo do Prefeito Pereira Passos, grande ícone dessas reformas, constituiria mero resquício do passado.[28]
Pode-se dizer, por exemplo que, hoje em dia, ao nos aproximarmos do Paço da Cidade (chamado Paço Imperial), não vemos o menor esplendor em seus arredores. Principalmente se compararmos dois prédios históricos: o Palácio Tiradentes, sede do Poder Legislativo fluminense e antiga sede nacional desse mesmo poder, edificado na década de 20, precisamente para mostrar a impavidez da República; e a Antiga Sé-Catedral (Igreja do Carmo da Antiga Sé), local onde foram coroados e sagrados os Imperadores, onde os Príncipes foram batizados e se casaram. Pouco menos de 100 metros separam essas duas belas construções do Centro do Rio, sendo seus contrastes absolutamente terrificantes.
Local de continuidade do culto cívico-religioso da Redentora foi sempre a Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, à Rua Uruguaiana, defronte ao término da Rua do Rosário. O Museu do Negro, que funciona no segundo andar desse antiqüíssimo prédio carioca, guarda com carinho as formas dos sarcófagos de D. Isabel e do Conde d´Eu, pois foi lá que os restos mortais de ambos permaneceram, em 1953, quando finalmente chegaram da Europa, à espera de abrigo condigno na terra brasileira.
D. Isabel e D. Gastão foram transladados para a Catedral de São Pedro de Alcantara (v. foto abaixo), em Petrópolis e lá repousam, desde 1971.

Mausoléu Imperial na Catedral de S. Pedro de Alcantara.
Cartão-postal petropolitano.

Anualmente, a Irmandade dos Homens Pretos celebra missas por alma da Redentora e, sobretudo, comemora o 13 de Maio com grande festa. Quase sempre aí comparecem os atuais Príncipes do Brasil, descendentes da Redentora. Foi numa dessas festas, em 2001, que pudemos fundar o Instituto Cultural D. Isabel I a Redentora (IDII), que no trabalho de revificação da memória dela terá “portanto, como missão precípua mostrar e divulgar esses contextos ao Povo brasileiro. Mas ao par disso, o IDII procurará, exclusivamente no campo cultural — pois não se trata de um órgão político ou religioso —, esclarecer ao Povo de muitos de seus verdadeiros valores, hoje tão esquecidos ou propositalmente minimizados ou substituídos por outros de simbolismo duvidoso.”[29]

13 de Maio de 2001: a Família Imperial e os Diretores da Imperial Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos ouvem o discurso do Prof. Otto de Sá-Pereira, sobre a necessidade do estabelecimento do Instituto Cultural D. Isabel I a Redentora[30]

Tzvetan Todorov, famoso intelectual búlgaro estudioso da alteridade, e que vivenciou os aberrantes processos de stalinização em seu país natal, dá-nos interessantes insights sobre as utilizações variadas que se faz do passado. Elas motivam abertamente ações políticas, mas também, de maneira menos flagrante, aquelas histórias aparentemente científicas à toda prova. A despeito do historiador ter de buscar avidamente a verdade, isto não significaria verdade única, como bem sabemos e, mais além, não significaria que seu trabalho não estivesse repleto de ensejos posturais políticos. “A ciência, é claro, não se confunde com a política; ainda assim, a própria ciência humana tem finalidades políticas, e estas podem ser boas ou más.”[31]
Também Michael Pollak, ao se referir à memória oficial contrapondo-se às chamadas por ele memórias subterrâneas, diz que:

Embora na maioria das vezes, esteja ligada a fenômenos de dominação, a clivagem entre memória oficial e dominante e memórias subterrâneas, assim como a significação do silêncio sobre o passado, não remete forçosamente à oposição entre Estado dominador e sociedade civil. Encontramos com mais freqüência esse problema nas relações entre grupos minoritários e sociedade englobante.[32]

Pouco antes, Pollak havia dito algo deveras interessante sobre aquilo que se costuma chamar, um pouco vagamente, é certo, retorno do recalcado, numa alusão às teorias psicológicas freudianas[33]. Se é verdade que a força com que retornam as verdades sobre um passado escondido ou propositalmente obscurecido sejam eminentemente maiores das que o conseguiram obnubilar, então, em nosso caso, o III Reinado que não veio e o exílio de D. Isabel voltarão como uma das mais poderosas seivas histórico-culturais do Brasil do século XXI...


2.      Breves discussões em
torno de gênero e poder

No ano passado, recebemos a feliz notícia de que o brasilianista Roderick Barman, que já havia publicado uma pequena biografia sobre Dom Pedro II (Citizen Emperor), estaria pesquisando no Museu Imperial de Petrópolis, os arquivos relacionados à Redentora, para concluir sua tese nos Estados Unidos e, depois, publicá-la. Ele concluiu suas pesquisas e publicou Princess Isabel of Brazil, Gender and Power in the Nineteenth Century. Não nos tendo sido possível, até hoje, adquirir nem uma, nem outra obra do historiador norte-americano, as linhas que se seguem estarão provavelmente defasadas, em suas idéias-chave, pois as pesquisas do Prof. Barman terão, infelizmente antes das de um historiador brasileiro, concluído que a questão do gênero de D. Isabel tenha sido um fator preponderante na gestão das conspirações que levaram ao 15 de Novembro.
Na verdade, a questão de D. Isabel ser mulher estava no cerne das motivações que conduziram tantos homens de governo do Brasil — fosse do central, dos provinciais ou dos municipais — à causa dos republicanos. Sabe-se que após o 13 de Maio, sobremaneira tornou-se inadmissível a estas elites o III Reinado. Os republicanos do 14 de Maio, como são chamados esses chefes políticos, não titubearam ante a romper com sua fidelidade monárquica ancestral e propugnar uma continuidade social que pouco alterasse sua antiga condição de senhores.
Vendo na figura de uma mulher Princesa, futura Imperatriz, a amalgama de possibilidades revolucionárias pelas quais poderia passar nossa sociedade, o patriarcado brasileiro não se conteve em apoiar veladamente muitas das iniciativas dos republicanos após o 13 de Maio, como chegou ao absurdo comportamento de traição para com a Casa Reinante, apoiando um golpe de estado militarista, antidemocrático e com laivos de jacobinismo.
Na perspectiva de cada vez maior aproximação cronológica do advento da Redentora ao trono imperial, por morte de seu pai — já que o velho monarca não abdicaria, não sabendo viver aqui sem ser Imperador, pois o fora desde os seis anos de idade... —, atemorizou-se fortemente a classe senhorial brasileira com a ascensão de D. Isabel I e seu catolicismo anti-maçônico, sua excessiva caridade para com os negros e as probabilidades de ministérios marcadamente reformadores. As jovens portentosas figuras de Joaquim Nabuco, André Rebouças, Visconde de Taunay, Affonso Celso, cada vez mais próximas da Família Imperial... e por conseqüência, do Conselho de Estado, com certeza, apavoraram à maioria dos sinhôs brasileiros, pouquíssimo desejosos de perder seu status escravocrata.
Seria interessante, aqui, dar uma rápida pincelada nos variados textos e autores, em nossa historiografia nacional, que discorreram sobre as concepções de gênero dos homens públicos brasileiros que se voltaram contra o III Reinado.
Oliveira Vianna, por exemplo, em seu O occaso do Império, após historiar milimetricamente os antecedentes do 15 de Novembro e mesmo o próprio dia do golpe; que, como é sabido, não havia republicanismo suficiente no Marechal Deodoro para derrubar a Monarquia; que a figura do Visconde de Ouro Preto, inquebrantável varão mineiro cuja postura civilista intransigente irritava profundamente aos chefes militares e aos cadetes insuflados por Benjamin Constant Botelho de Magalhães; que, enfim, nada nem ninguém poderia prever os acontecimentos, tais como eles se deram, até quatro dias antes do golpe, no 11 de Novembro, em pleno faustoso Baile da Ilha Fiscal, oferecido aos visitantes chilenos; enfim, após descrever os detalhes do crepúsculo imperial no Brasil e de chamar de “mediocridade dos descendentes de D. Pedro II” ao fato de não haver sucessão masculina do idoso Imperador apta a assumir o contra-golpe naquele 15 de Novembro, assim se expressa:

Este dilemma formidavel surgia como a inscrip­ção fatidica dos festins de Balthazar, em que se anncunciava  a condemnação a prazo breve do 3º Im­perio.
Por outro lado, os que ainda se conservavam fieis à Monarchia, convencidos da superioridade della e das suas instituições, e se receiavam da Republica, de cuja experiencia desastrosa o mundo platino era exem­plo; estes, vendo a impossibilidade do reinado da filha, voltavam-se, anciosos, para os jovens rebentos da dynastia; mas, reconheciam, desolados, que alli tambem não havia ninguém. Dos princepes da Casa Imperial filhos de d. Isabel e filhos de d. Leopol­dina nenhum apparecia com o relevo e o prestígio de uma grande ou de uma forte personalidade, dotado com uma somma de ascendencia social ou politica ca­paz de fazer-se centro de gravitação das esperanças dos que não queriam desesperar da Monarchia. Uns, muito jovens ainda, como os filhos de d. Isabel, ainda não haviam revelado por inteiro a sua personalidade; outros — como os filhos do duque de Saxe — eviden­temente sem nenhum traço de caracter ou de intelligencia, que os fizesse ultrapassar o estalão das mediocridades sadias para colloca-los no plano dos ex­poentes de uma epocha, ou dos centralizadores, mes­mo momentaneos, das aspirações de uma sociedade.[34]

Noutros momentos, já havia Oliveira Vianna aludido à “impossibilidade do 3º Reinado” por ser D. Isabel uma mulher e seu marido, um francês que, apesar de tudo fazer para ser um bom brasileiro, nada mais conseguia senão obter a tolerante, ainda que cética, boa vizinhança com os políticos de então.
Autor racista e sexista, Oliveira Vianna em nada espanta seus leitores, provavelmente, quando escreve, em pleno 1925, que “(...) o estado de degradação em que cairam os escravos depois da abolição, e em que actualmente vivem, mostra que o regimen da escravidão não era tão barbaro e deshumano, como fizeram crer o romantismo philanthropico dos abolicionistas (...)”[35] Os negros, escravos em 1925!
Mas enfim, não seríamos nós a descartar todas as páginas de O occaso do Imperio exclusivamente por essas e outras excentricidades de Oliveira Vianna; historiador intensamente voltado ao estudo de nossa Pátria, o autor de Populações Meridionaes do Brasil bem merece melhores análises sobre sua obra e inúmeras teorizações.
Ademais, além dele parece que somente Heitor Lyra viria a preocupar-se da historicização da queda da Monarquia em trabalho monográfico — ao qual, infelizmente ainda não tivemos acesso — intitulado História da Queda do Império, de 1940.
Profundamente sensível e nada sexista é o biógrafo Hermes Vieira, quando aborda a questão do gênero de D. Isabel, nos seguintes termos:

Mas, sem que ela atinasse, uma das razões mais ponderáveis era esta, hoje absurda, mas ao tempo aceita sem restrições: a circunstância de ela ser mulher. Por incrível que pa­reça, era isso aí. À vista pois, da gravidade da saúde do Imperador, era geral o temor de seu breve desaparecimento, e que, em virtude dis­so, fosse ela aclamada Imperatriz e empossada no trono. A esse evento é que a maioria absoluta dos mais representativos elementos políticos e sociais, além das mais fortes expressões do nosso mundo eco­nômico e financeiro, se opunham de forma firme e indiscutível. Ti­nham-na aplaudido do modo entusiástico e quase unânime como o fizeram, para demonstrar-lhe suas homenagens de reconhecimento pelo ato de justiça por ela praticado para com os que ainda esta­vam jungidos ao cativeiro; e não porque quisessem significar que, ante o seu feito, rompiam com a rigorosa tradição que vinha dos avoengos tempos coloniais, segundo a qual a mulher, por ser mulher, e só por isso, devia restringir-se, por maiores e mais notórios que fossem o seu bom senso e a sua capacidade intelectual, às obriga­ções de dona-de-casa, de mãe de família. Evidentemente, a essa altura da vida nacional nem todos pensavam assim; mas, talvez por­que representassem insignificante minoria, não se sentiam com força bastante para reagir e quebrar os grilhões desse velho vezo precon­ceituoso, machista, descabido e injusto.[36]

Hermes Vieira toca no cerne das futuras adesões em massa à República brasileira — sendo massa aqui meramente figura de linguagem —, golpisticamente instalada a 15 de Novembro de 89: D. Isabel I não podia reinar... Ainda mais enfático, ele conclui:

Isto posto, a triste verificação da realidade é esta: toleraram-na, a duras penas, na Regência, por seu caráter de interinidade, even­tual e passageiro; e acima de tudo pelo respeito que tinham ao Im­perador. Mas daí a tê-la efetivada no trono, não. Atente-se para este fato, altamente significativo: toda vez que ela assumia a Regên­cia aflorou, sobretudo nas camadas políticas e conservadoras do Im­pério, um mal-estar a custo reprimido, porque revestido de verdadeira inconformidade, que tocava as raias de uma repulsa que vinha de longe, muito longe, a resistir teimosamente ao tempo, nascida de um arcaico preconceito que continuava inexplicavelmente muito vivo nos fins do Império, a opor-se ao envolvimento da mulher nos manejos políticos e muito mais ainda na administração propriamente dita de negócios do Estado. Outro exemplo frisante temo-lo no que ocorreu durante a moléstia de D. Pedro II, em meados de 1888, quando pareceu possível o seu falecimento. Conta-nos Heitor Lyra que se chegou a cogitar do afastamento da princesa Isabel da suces­são do trono, para substitui-la pelo príncipe D. Pedro Augusto, filho da falecida irmã de Isabel, D. Leopoldina (...) Embora o filho mais velho de Isabel, D. Pedro, príncipe do Grão-Pará, e que era o herdeiro presuntivo da coroa, já contasse 12 anos de idade, preferiam, postergando um dispositivo constitucional, substituí-la por seu sobrinho porque com isso tiravam a ela toda e qualquer possibilidade de envolver-se nos negócios do Estado, caso seu filho viesse, em decorrência de seu afastamento, por este ou aquele motivo, a ocupar o trono.
 (...)
Em sua História de D. Pedro II, ele [Heitor Lyra] assinala:
“À frente dessa corrente de hostilidade contra o casal estavam, como era natural, os republicanos, depois os grandes proprietários de escravos, por causa das idéias abolicionistas da princesa, sobretudo depois da votação da Lei de 13 de maio; os maçons, em geral, e os anti-clericais, que a acusavam, por sua atitude na questão dos Bispos e conhecida fé religiosa, de estar a ser­viço da Igreja Católica; e, por fim, as próprias classes dirigentes da Nação, sobretudo os políticos, mesmo os mais ligados ao trono, uns por não se que­rerem submeter ao governo de uma mulher, quando ela fosse coroada amanhã Imperatriz, e outros por não lhe suportarem o marido, que apesar de tudo o que fazia para identificar-se com o meio brasileiro, continuava a ser tido como um estrangeiro, como um intruso, e em todos os sentidos um indese­jável... Essa pouca simpatia que se tinha pela princesa Isabel, a onda de impopularidade que a cercava foi, talvez, um dos fatores que mais concorreram para a impossibilidade da manutenção da Monarquia no Brasil. Mesmo aqueles que se mostravam seus partidários ou que a tinham como necessária para o melhor aperfeiçoamento dos meios de governo e educação política da Nação, tornaram-se descrentes ante a perspectiva de vê-la entregue, num futuro que se aproximava, às mãos de uma mulher”.[37]

Delineados estão, até aqui, portanto, os principais fatores subjacentes à Proclamação da República, e que são tão pouco ou quase nada referendados pela maioria dos historiadores brasileiros ao descrever o aparecimento da forma republicana de governo entre nós em 1889.
Sobre a formulação do questionamento se tal não decorre da maioria dos profissionais de História e, mormente, dos autores, pertencerem ao sexo masculino, fica aí uma questão. Naturalmente a ser respondida em outro trabalho, que não o presente...
No que concerne ao que chamaram popularidade da Redentora, talvez coubesse ainda algumas observações. A qual popularidade referem-se tanto Vieira quanto Lyra? À das classes médias urbanas ou à da população mais carente, tanto do Rio, quanto das demais capitais do País, isso sem falar nos sertanejos Brasil afora? Sobre a altíssima popularidade da Monarquia e da Casa Imperial, nas proximidades do golpe de 15 de Novembro, diz J. Murilo de Carvalho — grifos nossos:

O fato de a República ter favorecido o grande jogo da bolsa e perseguido capoeiras e o pequeno jogo dos bicheiros sugere uma recepção diferente do novo regime por parte do que poderia ser chamado de proletariado da capital. A eufo­ria inicial, a sensação de que se abriam caminhos novos de participação parecem não ter atingido este setor da população. Eu diria mesmo que a Monarquia caiu quan­do atingia seu ponto mais alto de popularidade entre esta gente, em parte como conseqüência da abolição da escravidão. A abolição deu ensejo a imensos festejos po­pulares que duraram uma semana e se repetiram no ano seguinte, cinco meses antes da proclamação da Repúbli­ca. A simpatia popular se dirigia não só à Princesa Isa­bel, mas também a Pedro II, como ficou evidenciado por ocasião da comemoração do aniversário do velho Impe­rador, a 2 de dezembro de 1888. Segundo o testemunho do republicano Raul Pompéia, o Paço Imperial foi in­vadido por “turba imensa de populares, homens de cor a maior parte”. A polícia teve de intervir para convencer alguns dos manifestantes de que pelo menos vestissem camisa para se apresentarem ao imperador. (...)
A reação negativa da população negra à República manifestou-se antes mesmo da proclamação, através da Guarda Negra organizada por José do Patrocínio. Vários incidentes verificaram-se entre os propagandistas e a Guarda. O mais sério de todos se deu com a interrupção, que resultou em mortos e feridos, de uma conferência de Silva Jardim, em dezembro de 1888, na Sociedade Fran­cesa de Ginástica. Dizer que se tratava apenas de capoei­ras baderneiros manipulados pela polícia, como o fize­ram os republicanos e até mesmo Rui Barbosa, não bas­ta. Permanece o fato de que os republicanos não conse­guiram a adesão do setor pobre da população, sobretudo dos negros. O próprio Silva Jardim, ao acompanhar o conde d’Eu em sua viagem ao norte do país em 1889, experimentaria mais uma vez, em Salvador, a ira da po­pulação negra. Por ele e pela República manifestaram-se apenas os estudantes da Faculdade de Medicina local. A simpatia dos negros pela Monarquia reflete-se na conhe­cida ojeriza que Lima Barreto, o mais popular roman­cista do Rio, alimentava pela República. Neto de escra­vos, filho de um protegido do visconde de Ouro Preto, o romancista assistira, emocionado, aos sete anos, às co­memorações da abolição e às festas promovidas por ocasião do regresso do Imperador de sua viagem à Eu­ropa, também em 1888.
(...) Não seria, a meu ver, exagerado supor que a reação po­pular a certas medidas da administração republicana, mesmo que teoricamente benéficas, como a vacina obri­gatória, tenha sido em parte alicerçada na antipatia pelo novo regime. Mais ou menos à época da Revolta da Va­cina, por exemplo, João do Rio verificou, ao visitar a Casa de Detenção, que “Com raríssimas exceções, que talvez não existam, todos os presos são radicalmente monarquistas. Passadores de moedas falsas, incendiários, assassinos, gatunos, capoeiras, mulheres abjetas, são ferventes apóstolos da restauração”. Eram monarquistas e liam romances de cavalaria. Esta extraordinária revelação confirma o abismo existente entre os pobres e a República e abre fecundas pistas de investigação sobre um mundo de valores e idéias radicalmente distinto do mun­do das elites e do mundo dos setores intermediários.[38]

Ainda em Os Bestializados, J. Murilo de Carvalho alude à enorme simpatia nutrida pelas prostitutas cariocas à restauração da Monarquia, quando participaram da Revolta da Vacina, manifestando publicamente seus desejos, anseios e aspirações.
Para finalizar, fazemos questão de inserir as palavras com que alertamos as nossas historiadoras sobre a falta de interesse nas Imperatrizes do Brasil, principalmente em D. Isabel:

Em nossa percepção, queiram perdoar-nos a franqueza, não escapam nem mesmo as intelectuais brasileiras de postura feminista: nunca se as viu defendendo a imagem de D. Isabel. Muito pelo contrário, algumas já chegaram a atacá-la. E a Princesa Herdeira que instada por senadores se mulheres podiam votar, respondia, perguntando, que “se reinam, por que não podem votar (?)”, não encontra nelas um apoio contumaz. A única mulher Chefe de Estado das Américas, até o advento da presidenta nicaragüense em fins do séc. XX não possui admiradoras entre as defensoras dos direitos da mulher! E por que? O que será que incomoda em D. Isabel?
Apontamos para a sua religiosidade. Interessante que tanto para exaltados positivistas republicanos do final do XIX quanto para feministas de meados e fins do XX, a fé da Princesa seja motivo de menosprezo. Até entendemos que o primeiro grupo, machista por excelência, visse com maus olhos a beatitude de D. Isabel, pois isto lhes representava a possibilidade política de estar abaixo, hierarquicamente, de uma mulher devota. Logo eles, tão científicos, tão senhores de si, tendo de se subordinar a uma mulher, e ainda por cima católica fervorosa, nem pensar!...
Já as feministas que nos perdoem, mas sua omissão perante a memória da Redentora é inconcebível. Por que em suas idealizações mulheres completas têm que ser revolucionárias, operárias, trabalhadoras assalariadas? Ao acaso princesas, condessas e nobres damas não são também mulheres? E por que heroínas têm de ser atéias? Por que não podem ser santas? Nesse sentido, cala fundo sua falta de interesse na mulher que durante quase quatro anos reinou sobre nosso país, mas também nas outras Imperatrizes do Brasil, estas Consortes: D. Leopoldina, D. Amélia e D. Thereza Christina.[39]

A crítica serve para uma Emília Viotti da Costa, por exemplo, quando ao escrever Da Monarquia à República, momentos decisivos, não faz uma única menção, sequer, ao fator do gênero da herdeira do trono como causa da República. Aliás, República essa que ela diz nada ter mudado no Brasil, pois “o ano de 1889 não significou uma ruptura do processo histórico brasileiro (...)”[40]. Já a Revolução de 1930, para ela, altera a sociedade, inegavelmente: “(...) as contradições entre os vários setores de produção e o aparecimento de novas ideologias propiciaram a revolução de 1930, que inaugurou um novo período na história do Brasil”[41].

***

Conclusão



“Desejava ardentemente rever a Pátria e reviver durante
algumas semanas doces e longínquas lembranças” —
asseveraria, mais tarde, o Arcebispo de Ruão
[na Oração Fúnebre que preparou para os funerais da Redentora].
A saúde, abalada pela morte de dois filhos, e a idade avançada foram o pretexto,
mas seu sentimento não esquecera — nem poderia! —
que a República fora feita contra o Terceiro Reinado! E não veio...
Lourenço Luiz Lacombe, 1988


D. Isabel I a Redentora não morreu: como herdeira deste imenso Império do Brasil, ela continua viva no panteão dos heróis da pátria e no coração de milhões de brasileiros...
Seu culto só é superado, como diz José Murilo de Carvalho[42], pelo de Nossa Senhora Aparecida[43].
Compreender D. Isabel talvez seja descobrir um Brasil mais profundo, que exige maiores investigações sobre a simbologia que os vários elementos cívico-religiosos engendra. Mais religiosa que política, mais intempestiva que racional, mais medieval que moderna, D. Isabel foi, numa dimensão simbólica, Santa Isabel — como tantos abolicionistas, brancos e negros, a chamaram na época do 13 de Maio. Não recebeu ela de Leão XIII, o Papa dos operários, a Rosa de Ouro, espécie de “Prêmio Nobel da Paz” da época? Valeria à pena, portanto, buscas mais pormenorizadas sobre os aspectos remanescentes do culto que a ela se prestou pelo engajamento na equiparação social de brancos e negros.
Descendente de Santa Isabel da Hungria (*1207 †1231), de Santa Isabel de Portugal (*1270 †1336) e de mais um sem-número de santos e beatos da Igreja, não terá sido ela uma espécie de versão brasílica de Isabel a Católica (*1451 †1504) ainda que não possuindo o mesmo fanatismo que sua avó castelhana? Perdendo seu trono da terra, não ganhou ela o do céu, como cantava o povo nos interiores do Brasil (cf. supra)?
Ao morrer, em 14 de Novembro de 1921, um dia antes de no Brasil o Governo Republicano comemorar mais um aniversário do golpe, teve sua neta homônima, no Castelo de Eu, brincando com os demais principezinhos e sendo severamente repreendida pelo primo mais velho, D. Pedro Henrique[44], ao que a intrépida futura Condessa de Paris replicou: “Não entendo porque toda essa afetação! Todo mundo diz que Vovó era uma santa e, além disso, Irmã Fidelina sonhou com ela toda feliz no paraíso!”[45]
Fartos do que disseram alguns homens, por melhores que tenham sido em suas justas apreciações, terminemos esta singela contribuição à historiografia brasileira com dois depoimentos femininos acerca de D. Isabel.
Primeiro, as belíssimas palavras da contemporânea da Redentora, Maria Eugênia Celso:

No dia 11 de Novembro de 1921, saindo para o seu passeio de carro nos arredores do castelo, a Princesa apanhou frio. Teve de acamar-se. Declarou-se a congestão pulmonar. O organismo fatigado pela idade e pelos desgostos não resistiu. Monsenhor Delair, o capelão que na agonia a assistiu, narra que, nos últimos instantes, seu espírito voltou às cenas do seu passado e à preocupação máxima de sua vida, murmurando: “O meu Gastão me disse: não assine...  Ele tinha razão. Mas eu não podia atender. Os pretos contavam comigo. O Brasil estava à espera... Dizem que foi impolítico... Não me parecia... Só queria servir o meu país... Acha que fiz mal?...” — “Não, não fez mal, — assegurou o prelado comovidíssimo — antes fez muito bem. Fique em paz, minha filha, agiu pelo melhor.”
E foi na paz da bem-aventurança prometida aos que “so­frem perseguição por amor da justiça” que, no dia 14 de No­vembro de 1921, entrou Sua Alteza Sereníssima a Princesa D. Isabel na serenidade do eterno repouso.[46]

Agora, as concisas palavras da filha predileta do Gigante da Abolição, Carolina Nabuco:

Fora da Abolição, que lhe deu a imortalidade, Dona Isabel exerceu perfeitamente seu papel neste mundo, como princesa, como mulher e como brasileira. Mas foi realmente a Abolição da Escravatura que deu a esta princesa (...) uma glória que é, seguramente, igual à dos Imperadores Brasileiros, e que a coloca no mesmo pedestal de seu avô, Pedro I, que fez a Independência do Brasil, e de seu pai, Pedro II, que unificou o País, e o governou em sessenta anos de consolidação nacional e de primazia incontestada entre as nações da América Latina. [47]

 

Por fim, resumamos as causas, junto com a própria Redentora, do advento da República no Brasil e do conseqüente não-advento do III Reinado:

§          grande incúria por parte dos Ministros da Guerra e Justiça, personificados em João Alfredo Corrêa de Oliveira;
§          corda esticada demais pelo Corrêa de Oliveira e pelo Visconde de Ouro Preto;
§          Exército ou antes oficiais muito minados pelas idéias republicanas e sabendo proceder com muita discrição;
§          tolice do Marechal Deodoro que foi mais longe do que queria;
§          esperteza do Quintino Bocayuva e do Benjamin Constant Botelho de Magalhães que souberam aproveitar a ocasião;
§          verdadeira ratoeira para o Ministro e para a Casa Imperial;
§          finalmente, força maior que decidiu tudo.

A força maior que decidiu tudo, para um cristão, é o desígnio da Divina Providência, que bem pode ser chamado de destino em outras orientações religiosas. Eis aí os motivos do golpe de 15 de Novembro de 1889, pela pena da própria Princesa Imperial do Brasil.
Ficamos por aqui: que façam bom proveito os pesquisadores da riqueza documental que é Memória para meus filhos. Atendamos, com isso, o pedido imperioso de D. Isabel: “_Expliquem tudo isto!”


***

 

Anexo

Memória para meus filhos


Opinião de Papai e nossas: “Se soubesse exatamente como as coisas se achavam, teria ficado em Petrópolis, de onde depois ter-me-ia internado mais e mais, se fôsse necessário”.
Papai diz, provavelmente, para não aumentar a culpa, que o Ouro Prêto não o chamou ao Rio, mas que pensou, com sua presença, tudo serenar, e portanto não duvidou em descer para o foco, onde estaria mais perto dos acontecimentos e mais depressa, poderia pro­videnciar.
Diz Papai também que foi êle quem se lembrou do Silveira Martins para suceder ao Ouro Prêto. Em todos os casos como é que o Ouro Prêto não o dissuadiu disso?
Além de que é contrário ao seu costume deixar seguir o parecer do Presidente do Conselho que se demite; por coisas que ouvi, creio que foi o Ouro Prêto quem indicou o Silveira Martins, assim como foi êle quem chamou Papai de Petrópolis. Ambas as idéias foram desacertadas!
Com outras medidas se teria evitado o mal? Não sei. Gaston também foi de opinião de conservarmo-nos em Petrópolis, mas não teve meio de comunicar-se com Papai, e quanto a mim, que sempre vejo tudo pelo melhor, estava longe de pensar que sucederia o que sucedeu, e portanto atuou muito no meu espírito a idéia de não fazermos um papel que mais tarde tornasse menos fácil a nossa posição, podendo-se-­nos acusar de pusilanimidade.
Como o Ministério, e especialmente os Ministros da Guerra, da Marinha e da Justiça e o Presidente do Conselho por êstes não sabiam nada? Imprudência! e mais imprudência! descuido ou o quê? Uma vez que a fôrça armada tôda estava do lado dos insurgentes, todos nós, nem ninguém poderia fazer senão o que fizemos.
Quando os primeiros dias de angústia são passados, e meu espírito e coração acabrunhados pela dor podem exprimir-se a não ser por lágrimas, deixai-me, filhinhos, que lhes conte como se deu a maior infe­licidade de nossa vida! Eram 10 horas da manhã do dia 15 de novembro de 1889, quando a casa chegaram o Visconde da Penha e o Barão de Ivinheima declarando-nos que, diziam, parte do exército insurgido, e na Lapa achar-se um batalhão ao qual se tinham reunido os estudantes da Escola Militar, armados. Pouco depois, chegaram o Tosta, Mari­quinha e Eugeninha, pouco depois o White. Foram então chegando, sucessivamente, o Ismael Galvão, Miguel Lisboa, Pandiá Calógeras e senhora, Lassance, Major Duarte, Barão do Catete, Carlos de Araújo, Drs. Rebouças e Araújo Góis.
As notícias que chegavam eram tais que a nós pareciam exage­radas. O Miguel Lisboa ofereceu-se então para ir ao próprio Campo da Aclamação saber do que havia. Daí voltou dizendo que o Ministério estava sitiado no Quartel e o Ladário dado como morto.
Ligamos os telefones com os Arsenais de Marinha e Guerra que responderam nada saber.
Não quis sair logo do Paço Isabel temi que talvez não sendo as coisas como se diziam, não viessem mais tarde acusar-me de mêdo, do que aliás, nunca dei provas.
Pouco depois vieram notícias de que tudo estava apaziguado, nada mais haver a recear, mas todo exército coligado ter impôsto e alcan­çado a retirada do Ministério. Gaston exclamou: a Monarquia está acabada no Brasil. Ainda iludida, eu julguei que tal exclamação era pessimismo. Também nos informaram que o Deodoro tinha a seu lado o Bocaiúva e o Benjamin Constant e que declarara um Govêrno Pro­visório. O Rebouças chegou a casa e veio também da parte do Taunay com o plano de que Papai se conservasse em Petrópolis, e aí estabe­lecesse o Govêrno internando-se se fôsse necessário.
Nesse ínterim ninguém sabia como comunicar com Papai, temen­do-se uma traição do telégrafo central no Campo, provavelmente em mãos dos republicanos; com efeito, pouco depois o Capanema decla­rava que entregara o telégrafo a êstes. Os meninos, fizemo-los partir, antes do recado do Capanema, para bordo do “Riachuelo”, enquanto esperavam a saída da barca das quatro para Petrópolis. Era o meio de informar Papai do que havia e também pôr os meninos fora do barulho. A meio-dia e tanto recebemos telegrama do Mota Maia dizendo que Papai partira de Petrópolis e que vinha pelo caminho de ferro do Norte. Resolvemo-nos a ir ter com êle em São Francisco Xavier, tomando uma lancha que nos arranjou o Barão do Catete. Partimos com os Tostas. De Botafogo nos dirigimos ao Caju, quando, em caminho, Gaston avistou em frente a Misericórdia os carros de Papai. Dirigi­mo-nos ao Cais Pharoux e aí soubemos que, com efeito, êle já se achava no Paço da Cidade.
Desembarcamos e com êle e Mamãe aí ficamos.
Apareceu nesse dia alguma guarda, e um piquete que ainda veio pôr-se às ordens de Papai.
Papai mandou pelo Miranda Reis chamar o Ouro Prêto que declarou de maneira alguma poder continuar com o Ministério dando ainda, como razão, alguma deslealdade da parte de colegas.
Por volta de 6 horas, chegaram Amandinha e o Dória, Pedro Augusto, a Baronesa de Suruí e outras pessoas.
O Miranda Reis, Olegário, Silva Costa e Penha tinham passado todo o dia acompanhando o Imperador. Estiveram também o Conde e a Condessa de Carapebus, Condessa de Baependi, D. Maria Cândida, Pandiá e senhora, Mariquinha e Eugeninha, e talvez outras pessoas de que não me lembro.
A noite compareceram o Taunay, Tomás Coelho, Soares Brandão e os Conselheiros de Estado, a exceção de Sinimbu, Nunes Gonçalves e do Correia, Bom Conselho e Olegário, que retiraram-se antes da sessão.
Soube-se que o Ouro Prêto havia indicado a Papai o Silveira Martins para compor o Ministério. Mas êste ainda devia chegar do Rio Grande, e demais era inimigo figadal do Deodoro. Reunidos os Conselheiros de Estado, deram como opinião a nomeação urgente para Presidente do Conselho de alguém que estivesse imediatamente a mão, e não fôr inimigo do Deodoro e com êle pudesse se entender.
Papai manda chamar o Saraiva que, tendo já vindo, se achava novamente em Santa Teresa. O Paranaguá para lá parte imediata­mente e, não achando condução, sobe a pé. Chega o Saraiva, aceita, e segundo o alvitre do Andrade Figueira, manda um emissário (Trom­powski, genro do Andrade Figueira) entender-se com o Deodoro para ver se o traz a bom caminho. Leva uma carta cujos têrmos do conteúdo ignoro. Às 2 horas da manhã, Trompowski volta declarando que não havia meio de nada arranjar e que o Deodoro declarou-lhe considerar-se irrevogâvelmente Presidente da República. Chocou-me o modo de camaradaria que êle conta ter usado com os tais...
No dia 16 de manhã ainda entravam e saíam pessoas do Palácio, mas os guardas aumentam e não havia mais meio que se reunissem grupos a roda do Paço. Constantemente ouviam-se correrias de cava­laria em tôrno para espalhar a gente. Pelas 10 horas, já ninguém podia penetrar, nem mesmo senhoras. Vimos, por vêzes, ainda que pouco chegassemos as janelas, alguns conhecidos que de longe, nos cumpri­mentavam. Que horrível dia! Meu Deus! Vários alvitres foram levan­tados. Ninguém sossegava.
Às 2 horas finalmente chegou a tal Comissão do Governo Pro­visório, que anunciavam desde a véspera, com uma mensagem a Papai, exigindo sua retirada para fora do país. Compunha-se do Major Solon e outros oficiais subalternos.
Por sua atitude respeitosa pareciam ir cumprir uma mensagem ordinária. O Major Sólon mostrava-se tão perturbado que ao entregar o papel a Papai deu-lhe o tratamento de Vossa Excelência, Vossa Alteza e finalmente Vossa Majestade. Entregando-o a Papai, o Major Sólon disse: “Venho da parte do Govêrno Provisório entregar mui respei­tosamente a Vossa Majestade esta mensagem”.

— “Não tem Vossa Majestade uma resposta a dar ?“ disse êle.
— Por ora não, respondeu Papai.
— Então posso retirar-me? disse Sólon.
— Sim, respondeu Papai.

Só as pessoas que se achavam no Paço, Papai declarou que se retirava, e que se não fôsse pelo país, para êle, pessoalmente, era uma despachação. Papai sempre calmo e digno.
Dizer o que, se passava em nossos corações, não é possível!
A idéia de deixar os amigos, o país, tanta coisa que amo, e que me lembra mil felicidades de que gozei, fêz-me romper em soluços! Nem por um momento desejei uma menor felicidade para minha pátria, mas o golpe foi duro!
A noite fomos descansar, algumas pessoas tiveram licença de sair para os arranjos necessários.
O Lassance tinha que vir falar com Gaston, e depois de uma hora da noite bateu a porta. Pensando que só era êle e não imaginando dever partir tão cedo, nem esperando por mais essa picardia, deitei-me de novo quando Gaston voltou a dizer-me de levantar-me que o Mallet e o Simeão estavam aí pedindo da parte do Govêrno Provisório que Papai partisse antes do dia, o povo parecendo querer fazer alguma manifestação, e os rapazes das Escolas já com metralhadoras para atirarem sôbre quem quisesse resistir. Acordei então Papai e Mamãe e, com êles, Pedro Augusto, Josefina, o Aljezur, Tamandaré, Mota Maia, embarcamo-nos, dizendo-se que íamos para o “Alagoas”. Despediram-se de nós no Cais Pharoux, Miranda Reis, Penha, Marianinha, Pandiá e Senhora.
Papai quis saber do motivo que fazia precipitar sua partida decla­rando que só consentia nisso para evitar conflito inútil. Ao embar­carmos, disse eu ao Mallet que se êles tivessem qualquer lealdade não deixariam de declarar isto; o mesmo já Papai dissera antes e tornou a repeti-lo e chegando já ao cais depois de algumas palavras trocadas, disse: — Os senhores são uns doidos!
Foi a única frase um pouco dura, mas bem merecida, que Papai lhes disse.
Ao pôr o pé no vapor, foi que soubemos que em vez do “Alagoas” levavam-nos para o “Parnaíba”. Em tudo notamos receio e atra­palhação.
Os meninos que, na véspera, mandáramos chamar de Petrópolis, chegaram, graças a Deus, com o Doutor, Mr. Stoltz, o Rebouças e o Welsensheim (Ministro Austríaco). Com os outros diplomatas que estavam no Rio, foram de uma grande má fé; no sábado já os tinham impedido de vir-nos ver no Paço da Cidade, e no domingo, depois de os fazerem subir para o salão do Arsenal com promessa de irem a bordo despedir-se de nós, na hora de embarcarem Mariquinha e Amandinha, lhes foi declarado que não podiam mais ir porque não teriam condução para a volta. Entretanto, o “Parnaíba” tinha levado ordem de voltar da Ilha Grande! Vieram a bordo do “Parnaíba” Maria Eufrásia e Sebastião Laje. Domitília que também veio, só nos pôde ver de longe.
O “Alagoas”, onde embarcou a comitiva que se achava fora em arranjos meus e dêles, partiu a 1 hora e meia. Estiveram a bordo do “Alagoas” algumas pessoas que procuraram ver-nos. Carapebus (que entrara as escondidas com a Condessa, do Paço no dia 16, assim saíram encarregados por nós de velar pelos meninos, caso fôsse necessário), Marinha, Yeats, Lopo Diniz e filho, Mamoré e Beaurepaire Rohan.
Quanto ao “Parnaíba”, depois de muitos recados desencontrados, saiu conosco barra fora as 10 e meia e dirigiu-se a Ilha Grande, onde então passaríamos para o “Alagoas”. As 8 horas da noite, com efeito, apesar da escuridão que era muita, e do mar agitado, passaram-nos para bordo do “Alagoas”, onde encontramos a nossa comitiva bem sobressaltada com a difícil trasladação a tais horas de um navio para outro; e na verdade perigo havia sobretudo para Papai e Mamãe, e para as crianças. A meia-noite partiu da Ilha Grande o “Alagoas”, com direção a Europa, passando defronte do Rio de Janeiro no dia 18 às 6 e meia da manhã.
Nesse dia, o “Riachuelo” veio ter conosco e até agora nos segue, obrigando-nos, muitas vêzes, a parar ou retardar nossa marcha, e fa­zendo um papel ridículo e tolo: guardar quem êles devem bem saber nada podem empreender agora, pois o resultado seria conflitos e sangue.
O “Riachuelo” acha vir guardando-nos, entretanto posta-se do lado do mar, deixando-nos assim livres de dirigirmo-nos para qualquer província sem que éle nos possa impedir, pois a sua marcha é só de pouco mais de metade da nossa, acrescentando-se ainda que nem se saberia haver sós, pois levam todo o tempo a pedir-nos rumo!
(Tudo isto foi escrito antes do “Riachuelo” largar-nos a 22 de novembro de 1889 e copiado muito mais tarde em Cannes, assim como o que segue escrito em diferentes datas anotadas. Acho mais, no borrão a lápis, uma nota, que, por ser difícil intercalar no que precede, copio-a agora aqui mesmo:
— Papai incomunicável, assim como o ministério sitiado, mandei pedir ao Dantas que me dissesse o que pensava. Veio logo ter comigo, e sem encarregá-lo de missão alguma política, pois nada devia fazer a êsse respeito, pedi-lhe que visse o que dever-se-ia empreender e nesse intuito saiu de minha casa. Quando penso agora que êle me disse:
“Vossa Alteza não receie nada, peço que tenha tôda confiança em mim, eu não quero república, eu não admito república!”).
De bordo do Riachuelo tinha vindo para bordo do Alagoas (já aí se achava quando embarcamos) o Tenente Amorim Rangel; êste tendo adoecido veio substitui-lo o Tenente Magalhães Castro. Ambos a bordo e vão conosco até Lisboa.
No dia 30 de madrugada chegamos a São Vicente do Cabo Verde e no dia 1 partimos com a nossa bandeira arvorada.
Saúdes boas até o dia 1. Mamãe nesse dia sentiu-se resfriada e no dia 2 ficou no quarto. No dia 2 ao jantar, bebemos a saúde de Papai, êle respondeu as nossas saúdes brindando: À prosperidade do Brasil!
Todos cordialmente tomaram parte no nosso regozijo, e o coman­dante e gente de bordo mostravam-se especialmente dispostos a nos testemunhar sua simpatia por todos os modos possíveis, o Tenente Magalhães Castro, de farda, conservou-se todo o dia, e veio nos saudar pelo aniversário. Todos os da comitiva escreveram pensamentos, que, assinados, viemos entregar a Papai. Foi grande minha comoção quando, de manhã, vim abraçar Papai. Já no dia meu coração sobressaltava-se ao ver içar, ao sair de São Vicente, a nossa bandeira, ainda não hasteada neste vapor desde a partida. Não pude deixar de bater palmas e tive um momento de grande júbilo. Parecia-me a espe­rança! Lembrei-me de tantos momentos de verdadeira felicidade!
Desde êste dia Pedro Augusto voltou ao seu estado natural; já a bordo do Parnaíba mostrava-se receoso de tudo e de todos os que não eram da comitiva, vendo ciladas, assassinatos e veneno por tôda a parte. Tivemos sérios receios pelo seu juízo, sobretudo a bordo do “Alagoas”.

4 de dezembro de 1889.

Avistamos ontem Tenerife, primeiro o pico sôbre as nuvens e a parte baixa da ilha por baixo delas, depois a ilha de mais perto, mas já o pico nas nuvens. Mar inteiramente calmo, quando na véspera não pudera levantar-me.

5 de dezembro de 1889.

Para maior clareza e evitar dúvidas futuras, direi que, do Rio, no Parnaíba, como pessoas que acompanhavam a Família Imperial, vieram Josefina, Aljezur, Mota Maia, Manuel Mota Maia e o Rebouças que aí chegara, vindo de Petrópolis, juntamente com os meninos, e mais as duas criadas de Mamãe e os dois criados dos meninos.
O Amarante, a senhora e o pequeno Manuel vieram despedir-se de nós na Ilha Grande, tendo ido no Alagoas e voltando no Parnaíba. Mr. Stoll do Parnaíba saira ainda no Rio para despedir-se dos seus e buscar suas coisas e só pode ir ter conosco na Ilha Grande, no Alagoas, assim como os Tostas (Eugeninha tinha saído com êles para se arranjar) que tinham ido a minha casa e a dêles na noite de 16 para 17 para arranjos meus e dêles e despedidas, os Dórias que também tinham ido a arranjar e despedidas pela mesma ocasião e minha criada que tinha seguido os Tostas por causa de minhas malas.

Cannes, 30 de maio de 1890.

MINHAS CONVERSAS A BORDO DO “PARNAÍBA”

Com um oficialzinho da fazenda, ainda parados no pôrto:

— Vossa Alteza compreende que esta transformação era necessária.
— Pensava que se daria, mas por outro modo: a nação iria ele­gendo cada vez maior número de deputados republicanos, e êstes, tendo a maioria, nos retiraríamos.
— Assim nunca podia ser feita, porque o poder é o poder.
— Quanto a ser a expressão da vontade da nação, não. Estou convencida de que se cada um votasse livremente, a maio ria por meu Pai seria incontestável. Agora tudo foi feito pelo exército, armada, por conseguinte pela fôrça. Pode-se mesmo dizer tudo foi feito por alguns oficiais.
— Mas ver-se-á isto por meio da constituinte proximamente.
— Não disse o senhor que o poder é o poder?!
O rapazinho, aliás, falava respeitosamente e parecia bem inten­cionado e comovido da nossa dor.
Com o comandante do “Parnaíba”, Palmeira:
— Falava-se das questões militares. Veio a falar-se de suas dife­rentes fases do momento em que se quis obrigar o exército a ir pegar os pretos fugidos em São Paulo. Disse em resumo isto: o exército deve obedecer, mas também quem manda deve igualmente lembrar-se que manda a pessoas a quem deve certas considerações.
Falando-se dos acontecimentos que deram lugar a crise, e das acusações que se nos faziam de intervenção, dissemos que nunca nos metíamos nos negócios (o Estado, e que até ignorávamos completa­mente que tivessem embarcado ou devessem embarcar corpos do exército.
Escrevo tudo isto, porque é raro relatar-se exatamente o que se ouve.
Soube em viagem que, no dia 10, embarcara um batalhão; no dia seguinte a noite do baile da Ilha Fiscal, o que dera ocasião a que se dissesse que, enquanto uns se divertiam, gemiam as famílias dos sol­dados. Soube que muitas poucas pessoas do exército e da armada foram convidadas para o baile. Que o C. de Oliv. mostrara-se áspero em certas ordens como Ministro da Guerra. Que o Chefe de Polícia Basson, em conferência de ministros que precedeu ao baile dissera que os mili­tares preparavam uma grande reunião para essa noite. Na conferência seguinte os colegas, perguntando o que havia, o C. de Oliv. respondeu não ter havido nada de importância. Na noite de 14, às 9 horas, foram (creio que o Basson mesmo) avisar o Ouro Prêto de que o regimento tal se rebelara. O Ouro Prêto começou por não dar grande importância a tal informação, tanto que só a 1 hora da noite, depois de outras informações, é que fôra para a Secretaria de Justiça.
A senhora do Rio Apa, no dia 14, a noite, fôra a casa de Amandinha.
O Dória voltara de Petrópolis muito endefluxado e se achava em cima.
Amandinha recebeu a senhora em baixo. Esta lhe disse que as coisas não pareciam boas, que o marido devia vir também a casa dela.
Chegado êste, só falou com Amandinha com meias palavras e foram-se.
Mais tarde o Dória exprobrando o Rio Apa de não tê-lo avisado, êste respondeu que pensava que, como ministro, deveria estar ao fato de tudo. Êste, no dia 15, a sua brigada tendo bandeado, parecera ir colocar-se ao lado dos ministros, foi demitido pelos revoltosos e, logo depois, fêz a ordem do dia em que declara o dia 15 de novembro o mais glorioso! Expliquem tudo isto!

RESUMO

Grande incúria, muita falta de cuidado, sobretudo por parte dos ministros da Guerra e Justiça, personificados no C. de Oliv.; corda esticada demais pelo C. de Oliv. e Ouro Prêto; Exército ou antes oficiais muito minados pelas idéias republicanas e sabendo proceder com muita discrição; tolice do Deodoro que, estou convencida, foi mais longe do que queria; esperteza do Bocayuva e Benjamin Constant que souberam aproveitar a ocasião; verdadeiro ratoeiro para o ministro e para nós, e finalmente fôrça maior que decidiu tudo.

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Bibliografia


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VIEIRA, Hermes: Princesa Isabel, uma vida de luzes e sombras, Ed. GRD, São Paulo, 1989.


[1] Cf. GEERTZ, Clifford: Centros, reis e carisma, in O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa (tradução de Vera Mello Joscelyne). Editora Vozes, Petrópolis, 1997.
[2] Cf. TODOROV, Tzvetan: A Conservação do Passado, in Memória do mal, tentação do bem, Edições ASA, Lisboa, 2003.
[3] Cf. CALADO, Ivanir: Imperatriz no fim do mundo: Memórias dúbias de Amélia de Leuchtenberg, Rio Fundo Editora, Rio de Janeiro, 1992.
[4] Cf. LACOMBE, Lourenço Luiz: Isabel a Princesa Redentora, IHP, Petrópolis, 1989.
[5] Cf. CERQUEIRA, Bruno da Silva de: Rio de Janeiro, 13 de Maio de 2001 in Instituto D. Isabel I – Texto de Lançamento.
[6] Fotografia de Lêda Machado (Acervo do IDII).
[7] A expressão título nominal é nossa. Denota que, apesar de genealogicamente existir certa simbiose entre nomes e títulos, particularmente Dom/Dona, cuja abreviação comum é D., serve como prenome aos príncipes e nobres latinos que dele se utilizam. Uma das maiores formas de se enxergá-lo é postulando que não existe plural para Dom/Dona. Isto é, não se pode dizer “Reis Dom Alfonso e Dom Fernando de Espanha” de outra maneira: “Reis Dons Alfonso e Fernando de Espanha”, bem como “Infantas Dona Maria Thereza e Dona Maria Isabel de Portugal”, não podem ser chamadas de “Infantas Donas Maria Thereza e Maria Isabel de Portugal”, etc.
[8] Exceção faça-se ao saudoso João Camillo de Oliveira Torres, brilhante historiador mineiro, autor de Democracia Coroada, obra interessantíssima, muito pouco conhecida da maior parte dos historiadores brasileiros de hoje. João Camillo jamais referiu-se à Princesa de outra forma que não D. Isabel.
[9] Aliás, é interessante que as mulheres da Realeza sejam por vezes chamadas de Imperatriz Leopoldina, Imperatriz Teresa Cristina, Princesa Leopoldina (irmã de D. Isabel), etc., sem o Dona (D.) lhes precedendo. Ainda que alguns — poucos — historiadores gostem de evocar a entidade Pedro II, às vezes, ao invés de Dom Pedro II, o Imperador, repetimos que faz-se necessária a historicização no caso de D. Isabel, mais particularmente.
[10] Nascida D. Isabel Christina Leopoldina Augusta Michaela Gabriela Raphaela Gonzaga de Bragança e Borbone, em 29 de julho de 1846. Casada em 15 de outubro de 1864 com Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston d´Orléans et Sachsen-Coburg-und-Gotha. São fundadores da Casa de Orleans-e-Bragança, cujo ramo secundogênito constitui a Casa Imperial do Brasil, sendo seu Chefe atual o Augusto Senhor D. Luiz (*1938), bisneto do Casal.
[11] Versão para o Português:
23 de Novembro de 1889
Não se pode ser felicíssimo nesse mundo! Meus tempos verdadeiramente bons acabaram!
Que o bom Deus me deixe ao menos Seu Coração, que eu amo.
A Pátria de minhas melhores afeições se afasta mais e mais! Que o bom Deus a proteja!
A lembrança das horas felizes me sustenta e me sucumbe!
Bilhete de D. Isabel a Redentora, sem assinatura, redigido a bordo do ALAGOAS, que se encontra junto ao documento Memória para meus filhos.
[12] Fotografia de A. Luís Ferreira (Acervo do Palácio Grão-Pará), in FREIRE, Américo (org.): Grandes Manifestações Políticas no Rio de Janeiro, ALERJ/CPDOC-FGV, Rio de Janeiro, 2002.
[13] Cf. REBOUÇAS, André: Diário e notas autobiográficas, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1938 (p. 353).
[14] Cf. VIEIRA, Hermes: Princesa Isabel, uma vida de luzes e sombras, Ed. GRD, São Paulo, 1989 (pp. 232-234).
[15] Cf. CELSO, Maria Eugênia: Síntese Biográfica da Princesa Isabel in Vozes de Petrópolis, julho-agosto 1946 (pp. 475-505), Petrópolis, 1946.
[16] Cf. CONDESSA DE PARIS, Isabelle (Isabel de Orleans-e-Bragança): De todo coração, Editora Butiá, Rio de Janeiro, 1995 (pp. 32-33).
[17] Idem, p. 36.
[18] Cf. GEERTZ, Clifford: Centros, reis e carisma, in O saber local. Editora Vozes, Petrópolis, 1997 (p. 184)
[19] Idem, p. 185.
[20] Ibidem, p. 219.
[21] Cf. SÁ-PEREIRA, Otto de Alencar de: Apresentação in Instituto D. Isabel I – Texto de Lançamento, Rio de Janeiro, 2001.
[22] Movimento de sustentação do III Reinado brasileiro, o isabelismo é apontado por Carvalho e outros autores como misto de apologia popular à Redentora e de esperanças sinceras de restauração, após a República, por vias mais elitistas — ou setoriais.
[23] Cf. NOGUEIRA DA SILVA, Paulo Napoleão: Monarquia: verdades e mentiras. Ed. GRD, São Paulo, 1994 (pp. 22-23).
[24] Fotografia de A. Luís Ferreira (Acervo do IHGB), in FREIRE, Américo (org.): Grandes Manifestações Políticas no Rio de Janeiro, ALERJ/CPDOC-FGV, Rio de Janeiro, 2002.
[25] Cf. FREYRE, Gilberto: A República de 89 e o desafio dos adeptos da restauração monárquica aos republicanos no poder, em torno da questão social, in Ordem e Progresso, 3ª edição, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1974 (tomo II / pp. 713-755).
[26] Cf. JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco: Os subversivos da República, Ed. Brasiliense, São Paulo, 1986.
[27] Cf. CARVALHO, José Murilo de: A Formação das Almas, o Imaginário da República no Brasil, 7ª reimp., Companhia das Letras, São Paulo, 1998 (pp. 141-142).
[28] Nesse sentido e no sentido do divórcio entre intelectualidade e política, na República Velha, a obra Literatura como missão (Ed. Brasiliense, São Paulo, 1983), do Prof. Dr. Nicolau Sevcenko, é quase um clássico no estudo do afastamento, às vezes auto-provocado, às vezes incitado pelo establishment republicano, dos intelectuais da vida pública brasileira. Mormente Euclides da Cunha e Lima Barreto são aí investigados.
[29] Cf. SÁ-PEREIRA, Otto de Alencar de: Apresentação in Instituto D. Isabel I – Texto de Lançamento, Rio de Janeiro, 2001.
[30] Fotografia do Arquivo da Imperial Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos.
[31] Cf. TODOROV, Tzvetan: A Conservação do Passado, in Memória do mal, tentação do bem, Edições ASA, Lisboa, 2003 (p. 150).
[32] Cf. POLLAK, Michael: Memória, esquecimento, silêncio, in Estudos Históricos (ed. 1989/3), CPDOC / FGV, Rio de Janeiro, 1989 (p. 5).
[33] Quando diz que “O longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo, ela transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas.” Idem, p. 5.
[34] Cf. OLIVEIRA VIANNA, Francisco José de: O occaso do Imperio, Cia. Melhoramentos de São Paulo, São Paulo, 1925, p. 192.
[35] Idem, p. 70.
[36] Cf. VIEIRA, Hermes: Princesa Isabel, uma vida de luzes e sombras, Ed. GRD, São Paulo, 1989 (pp. 171-172).
[37] Idem, p. 173.
[38] Cf. CARVALHO, José Murilo de: Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3ª edição / 6ª reimpressão. Companhia das Letras, São Paulo, 1999 (pp. 29-31).
[39] Cf. CERQUEIRA, op. cit. (p. 12).
[40] Cf. COSTA, Emília Viotti da: Da Monarquia à República, momentos decisivos. 7ª edição. Editora UNESP, São Paulo, 1998 (p. 490).
[41] Idem.
[42] Cf. CARVALHO, José Murilo de: A Formação das Almas: o Imaginário da República no Brasil. 7ª reimpressão. Companhia das Letras, São Paulo, 1998 (p. 94).
[43] Culto esse, o da Aparecida, para o qual tanto pessoalmente contribuiu a Redentora. A coroa e o manto que adornam a imagem da Padroeira do Brasil são ofertas justamente dela...
[44] Já Chefe da Casa Imperial do Brasil e nosso Imperador de jure, precisamente pela morte da avó, pois seu pai, D. Luiz, havia morrido um ano antes.
[45] Cf. CONDESSA DE PARIS, op. cit.  (p. 54).
[46] Cf. CELSO, Maria Eugênia: op. cit.
[47] Cf. Nota Preliminar in VIEIRA, Hermes: Princesa Isabel, uma vida de luzes e sombras, Ed. GRD, São Paulo, 1989 (p. VIII).

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