• Trabalho de conclusão do curso de História Contemporânea II,
ministrado pelo Exmo. Sr. Prof. Dr. Oswaldo Munteal Filho na PUC-Rio •
Bruno da Silva de Cerqueira - junho/2001
TEXTOS PRINCIPAIS:
MAYER, Arno: Introdução & Concepções de Mundo IN A Força da Tradição, Cia. Das Letras, São Paulo, s/d
PROPOSTAImpomo-nos aqui, muito breve e sumariamente, apontar modos interpretativos dos processos históricos de derrocada das Monarquias e suas Dinastias milenares na Europa pós-I Grande Guerra.
Ainda não temos possibilidade de realizar trabalho mais séria e metodologicamente acurado; assim, o que indicaremos aqui nada mais são que idéias a serem investigadas e tornadas plausíveis de apreciação positiva por parte da academia e da comunidade científica em geral.
A questão crítica gira em torno da idéia de que há muito pouca literatura acerca do universo político, social, econômico e sobretudo, mental, das antigas formas monárquicas de organização supra-nacional na Europa de antes de 1914. Perguntas se fazem imprescindíveis.
Como viviam os povos austríaco, húngaro, tcheco, eslovaco, croata, bósnio, sérvio, etc., no seio do Império dos Habsburg-Lothringen? Como se portavam os diferentes povos alemães, de particularidades milenares, no seio do II Reich? Em que, por exemplo, diferiam os bávaros dos prussianos e como os monarcas regionais alemães aceitaram a Ordem de Bismarck e dos Hohenzollern?
Por fim, como foi possível que, findada a I Grande Guerra, fossem solapados quase todos os monarcas europeus de seus tronos? O que se seguiu a esta ordem de fatos e processos jamais imaginados? Em que tudo isso contribuiu para a ascensão dos totalitarismos?
Muito minimamente, tentaremos apontar respostas aqui.
Fica claro, no entanto, que todas essas temáticas relacionam-se estreitamente com o estudo das idéias/conceitos de Nação, Identidade Nacional, Nacionalismo, Pátria, Império, Reino, Monarquia, etc.
Acrescidas que são, quase todas essas realidades humanas de um passado histórico remoto, nada mais se propõe que perscrutar sua historicidade, revelando, ou tentando revelar, redes mais intrincadas de origem das coisas.
ANÁLISE
Em nossa breve tentativa de historicização de Populismo e Identidade Nacional na América Latina - na disciplina de História da América III -, escrevemos o seguinte:
Tivemos diferentes propostas nacionalistas neste séc. XX, nós os latino-americanos e, em particular, os brasileiros. Se algumas delas em muito se influenciavam de suas similares européias, outras tentavam, quase que obstinadamente, buscar com exclusividade no NACIONAL as fontes de seu embasamento.
Todos os nacionalismos, porém, revelam um quê de auto-afirmação, e às vezes até de superimposição, do que seja o particular nacional. Em relações com o internacional, tais propostas estão muitas vezes eivadas de xenofobia e destoam consideravelmente do que a humanidade conhecera até então: o patriotismo. De fato, compreendemos o nacionalismo como exacerbação do patriotismo.
O Brasil conheceu vários ismos de cunho patriótico no XIX: o romantismo, o indianismo e, em algum sentido, ainda que pese o dissabor, o escravismo - em concomitância e contradição com o também brasileiro liberalismo.
No XX, tivemos propostas diferentes da do Brasil-Império sendo colocadas aos olhos: após o advento de uma República que na visão de muitos já fora a vitória inconteste do americanismo e do estrangeirismo de uma maneira geral entre nós, e seguindo o curso histórico de decadência do liberalismo e do sistema agro-exportador, surgem as idéias nacionalistas, como forma de leitura de um Brasil verdadeiro, total, em resumo, brasileiro. Aqui, leia-se autárquico, autônomo, absolutamente independente.
Advêm o catolicismo-patriótico, o integralismo, o populismo varguista.
Sobre a questão da Identidade Nacional na produção de um novo ethos brasileiro após a Revolução de 30 e em suas similitudes com o peronismo argentino, é que faremos nossas colocações aqui, em abordagem sumária, tendo como fonte principal o texto Identidade Nacional e Produção de Sentimentos, de Maria Helena Capelato in MULTIDÕES EM CENA. PROPAGANDA POLÍTICA NO VARGUISMO E NO PERONISMO, Campinas, SP, Ed. Papirus, 1998. (...)POPULAR = NACIONAL,
EQUAÇÃO VERDADEIRA?Uma das mais básicas afirmações do varguismo e do peronismo e que constitui preceito do populismo é a de que POPULAR = NACIONAL. Se assim é, o que é o POVO e o que é a NAÇÃO?
Nos atemos em grande parte à consideração de que, tanto para Vargas quanto para Perón, seus movimentos eram revoluções nacionais (Capelato, 1998). De fato, para ambos, o nacional é o popular. A grande questão é: quem não é popular, então não é nacional. Se há povo e anti-povo, então muitos "nacionais" serão "anti-nacionais", como no caso de inimigos do regime?
É-nos nítido uma mudança de ethos com a ascensão dos populismos, bem como dos demais nacionalismos world-wide, na associação entre Povo e Nação de maneira antes nunca tão intrincada.
Isto é, se antes, na Europa, por exemplo, a Nação era o Estado, o Estado era o Rei & o Rei era a Pátria, tudo isto se confundindo bastante, como entender agora que a Nação seja apenas o Povo? Ao acaso pode-se esquecer que na cosmovisão aristocrática o Povo é apenas o conjunto dos homens comuns?
Assim, com as novas ordens e o novo poder nas mãos dos nacionalistas, a quem se deve atribuir o adjetivo - sempre honroso - de NACIONAL?
Se na mentalidade anterior - que, lembremos, tinha sob vários aspectos milhares de anos - Adolf Hitler, Benito Mussolini e Iossif Djougatchvilli eram comuns (i.e., não-nobres e não-principescos), como admitir agora que eles sejam o Führer, o Duce e o Stalin? Complicado, não?
Atestado está por inúmeros historiadores e sociólogos que se debruçaram sobre os totalitarismos europeus a dificuldade das autoridades nazistas lidarem com os príncipes e nobres alemães. Arno Mayer, Peter Gay e mesmo Norbert Elias já chegaram a apontar o profundo desprezo que os nazistas possuíam pela antiga realeza e nobreza germânica: quando não aceitavam a cooptação, os membros dessas classes eram presos, torturados e até mortos.
Ainda que consideremos insuficientes as análises até agora existentes a respeito, fica a impressão de que, no Brasil e na Argentina também deve-se buscar alguma coisa no imaginário monárquico, aqui entendido como o IMAGINÁRIO DO UM QUE GOVERNA, para enriquecer a discussão sobre varguismo e peronismo.
Também alguns de nossos autores já chegaram a iniciar apontamentos nesse sentido: José Murilo de Carvalho e Lilia Moritz Scwartz, por exemplo, ao identificarem a substituição do mito Dom Pedro II-Pai pelo mito Getúlio-Pai. A persistência da mística real, no nosso caso imperial, ainda que na República...
O que dizer da aura de prestígio da inesquecível Evita, a adorada Primeira-Dama da Argentina? Não raia a adoração das massas à aclamação dos povos de outrora? Não é a sua biografia uma história de arrependimento, penitência, glorificação, entronização e, finalmente, santificação? Até que ponto não é Eva Perón uma rainha para os argentinos, é fundamental que se questione.
Resumidamente, basta inferir que a idéia de Pais da Pátria fora sempre privativa dos Reis, até o XX.
As diferenças, contudo, entre varguismo e peronismo, por estes apontamentos que fazemos deverão ser sempre relevantemente salientadas, pois a História do Brasil é sui generis no contexto latino-americano: a Monarquia Nacional brasileira (1822-1889) faz-nos destoar da República Argentina, desde a era das independências. Mesmo assim, deve-se perscrutar o que de persistência do imaginário monárquico-cristão (católico) há em nossos fenômenos políticos populistas.
Afinal, a busca pela unicidade é um dos pilares do Cristianismo: PARA QUE TODOS SEJAM UM. Universo = diverso no uno... (...) (1)Esta nossa citação serve para elucidar que de fato há muito nos interessamos na compreensão do ethos relacionado à Realeza e as Nobrezas, no Brasil e no mundo.
De importante nela ressalte-se o que dissemos quanto aos ditadores totalitaristas do séc. XX.
A Rússia, por exemplo, chega ao séc. XX com o czarismo, sistema que em muito ainda tem de ser estudado; uma vez que foi lá que se produziu a Revolução de orientação marxista primeiramente na História Universal, pode-se perfeitamente entender o quanto é obscuro e complexo para o Ocidente o universo russo anterior a 1917.
Sabemos contudo que a Rússia, constituída de um sem-número de países e povos menores, com línguas, dialetos e histórias diversas, vivia sob o jugo de um monarca, o Czar e Autocrata de Todas as Rússias - seu título oficial -, o Chefe da Casa de Romanoff-Holstein-Gottorp. Fruto de trezentos anos de poder autocrático centralizado nas mãos dos Romanoff, o último imperador russo, Nikolai II, era inábil e infantilizado. Os erros estratégicos e atrocidades cometidos pelos seus ministros e generais, somados à sua tumultuada vida privada, fazem com que se dilapide em menos de vinte anos uma ordem relativamente coesa que havia herdado de seu pai, o Czar Aleksandar III.
As conseqüências mundialmente célebres dos resultados das Revoluções, a menchevique e a bolchevique, que depõem e prendem a Família Imperial russa em 1917, são o terrível fuzilamento do Czar, da Czarina Aleksandra, do Czarevitch Alexei, mais quatro filhas e dois funcionários régios - recentemente canonizados pela Igreja Ortodoxa -, além da incansável perseguição e do aprisionamento de mais vários grão-príncipes, príncipes e nobres russos no curso da Guerra Civil entre brancos e vermelhos.
Como pôde - e aqui é que gostaríamos de acrescentar, no futuro, com o auxílio da Antropologia Política e até da Psicanálise -, haver tal mudança de mentalidade?
Como foi possível a um Lenin ou a um Hitler, por exemplo, assinarem as sentenças de morte de seus próprios Imperadores, de seus próprios Soberanos?
Há nisso somente ambições políticas, inerências revolucionárias, regicídios comuns - a História conhece tantos outros - ou absoluta abstração de Deus, absoluta negação da transcendência, absoluta revolta com a Religião, absoluto ódio contra a Igreja (Católica, particularmente, mas tb. a Ortodoxa e qualquer outra idéia de Igreja)?
Muito estranho que até hoje as análises históricas se tenham centrado em discutir origens e conseqüências dos males totalitaristas e em quase nada tenham se voltado para a análise do mágico-religioso nestas perspectivas; talvez a majoritária presença de historiadores e cientistas sociais de postura materialista explique a questão. Pois passado o marxismo como escola filosófica preponderante nos quadros da academia, mesmo no culturalismo persiste o anti-monarquismo, o anti-catolicismo, o pró-republicanismo, etc.
Não deixa de forma alguma de ser interessante que historiadores de tradição e aprendizado marxista tenham percebido nuanças históricas absolutamente desprezadas - ao que tudo indica, propositalmente -, chegando mesmo a criar uma Nova História, não só na França, como na Inglaterra, nos Estados Unidos e em boa parte do mundo.
Desta forma é que se pode encarar o trabalho de Arno Mayer como ilustrativo in totum destas novas posturas historiográficas. Afinal, diz ele em A Força da Tradição:
A terceira e principal premissa deste livro é a de que a antiga ordem européia foi totalmente pré-industrial e pré-burguesa. Durante muito tempo, os historiadores enfocaram com demasiada insistência o avanço da ciência e da tecnologia, do capitalismo industrial e mundial, da burguesia e das classes médias, da sociedade civil liberal, da sociedade política democrática e do modernismo cultural tal. Estiveram muito mais preocupados com essas forças inovadoras e a formação da nova sociedade do que com as forças de inércia e resistência que retardaram o declinio da antiga ordem. Embora num certo nível os historiadores e cientistas sociais ocidentais tenham repudiado a idéia de progresso, num nível diferente continuaram a acreditar nela, ainda que em termos determinados. Essa crença tácita e duradoura no progresso vem acompanhada por uma intensa aversão à paralisia e à regressão históricas. Houve, assim, uma tendência marcante a negligenciar, subestimar e desvalorizar a resistência de velhas forças e idéias e o seu astucioso talento para assimilar, retardar, neutralizar e subjugar a modernização capitalista. incluindo até mesmo a industrialização. O resultado é uma visão parcial e distorcida do século XIX e do ínicio do século XX. Para obter uma perspectiva mais equilibrada, os historiadores terão de considerar não só o grande drama da transformação progressiva, mas também a implacável tragédia da permanência histórica, e investigar a interação dialética entre ambas. (2)Na Alemanha, assimilar o que foi e o que ainda hoje representa o final da I Guerra e a deposição de cinco Dinastias reais (Prússia, Baviera, Saxônia, Wurtemberg e Hanôver), quatro Dinastias grã-ducais (Oldemburgo, Saxe-Weimar, Mecklemburgo-Schwerin e Mecklemburgo-Strelitz), seis Dinastias ducais (Anhalt, Hesse, Baden, Saxe-Coburgo-Gotha, Saxe-Meiningen e Saxe-Altemburgo) e seis Dinastias principescas (Lippe, Schaumburgo-Lippe, Hohenzollern-Sigmaringen, Reuss, Schwarzburgo e Waldeck-Pyrmont), cada uma delas alçada ao poder quase mil anos antes, é, no mínimo, melindroso.
Neste mundo, compreender a disputa pelo poder e a primazia dos povos teutônicos entre a Casa de Habsburgo e a Casa de Hohenzollern. Investigar o que representavam os parlamentos hereditários em cada uma dessas pequenas nações alemãs; quem eram os príncipes mediatizados e que poder eles detinham até 1918; qual papel cabia aos nobres (condes, barões e senhores), nesta constelação monárquica e aristocrática dos germanos do séc. XX.
O que a queda, o exílio e a perseguição dos Habsburg, a morte do Imperador Karl I - recentemente beatificado pela Igreja Católica - têm a dizer dos princípios do século passado?
No universo latino, estudar os significados da Unificação Italiana, conhecendo e investigando as Dinastias insulares reinantes até a década de 1860. Quem eram os Borbone das Duas Sicílias, os Asburgo da Toscana, os Borbone de Parma? Como viviam suas cortes e seus sistemas particulares de nobreza, exército; como viviam os povos sob suas administrações? O que eram os Estados Pontifícios; como o Papa os governava?
O que a Itália unificada sob a égide dos Savóia (monarcas do Piemonte e da Sardenha) representou para o imaginário cristão europeu de fins do XIX?
O que as monarquias espanhola e portuguesa representavam nesse universo? Como se deu a I República na Espanha e a volta da Monarquia? Quais as crises afetaram os reinados dos Bragança-Saxe-Coburgo em Portugal? Por que a República portuguesa precedeu a I Guerra Mundial, em 1910, adiantada pelo dramático regicídio de D. Carlos I e D. Luiz Filippe no Terreiro do Paço, em 1908?
Como viviam e se relacionavam esses Primos Reais que governavam a Europa, às vezes com mãos de ferro, às vezes com santidade cristã, até o advento do terrível fratricídio de 1914-18?
Já está mais do que na hora, ao nosso ver, de deixar com que esses príncipes e seus descendentes falem e se deixem melhor entender. Numa perspectiva de volta da monarquia nos Bálcãs, como vem acontecendo recentemente com a Bulgária e a Iugoslávia, sobretudo, façamos, também nós brasileiros - cuja Dinastia Imperial é européia - novas perguntas para antigas questões e tentemos dar a nossa contribuição à História.
***************************
NOTAS
1) Cf. CERQUEIRA, Bruno da Silva de: Populismo e Identidade Nacional, Apontamentos sobre Varguismo e Peronismo, s/ed, Rio de Janeiro, 2001. (voltar)
2) Cf. MAYER, Arno J.: A Força da Tradição, a Persistência do Antigo Regime, p. 14, Cia das Letras, São Paulo, s/d. (voltar)
Nenhum comentário:
Postar um comentário