quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Artigo – “Gabriela” e o ethos da República Velha no Brasil



“Gabriela” e o ethos da República Velha no Brasil

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Bruno de Cerqueira*
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Assisto com prazer e emoção ao capítulo final do remake de “Gabriela, Cravo e Canela”, que a TV Globo acaba de exibir em 2012.
O texto de Jorge Amado (1912-2001) que embasa a versão novelesca da trama é de 1958. Nele, o literato baiano expõe ao leitor a portentosa terra cacaueira de Ilhéus, no Recôncavo Baiano da década de 1920.
A protagonista é a belíssima Gabriela, uma típica sertaneja brasileira, das tantas que nossa história social conheceu: forte, autêntica, sofrida, mas também meiga, afetuosa, verdadeiramente doce. Seu amante e, a um tempo, marido não-legal, é o “turco” Nassib, na pessoa de quem Jorge Amado homenageia os imigrantes sírio-libaneses que tanto povoaram o Brasil da Belle Époque.
Na esfera política, que muito nos interessa aqui, desponta o Coronel Ramiro Bastos e o coronel-a-ser Mundinho Falcão. Como se sabe, a República Velha (1889-1930) foi o período histórico em que o coronelismo e o localismo deram o tom do cotidiano governativo e administrativo do Brasil.
O acadêmico José Murilo de Carvalho, um dos maiores teóricos políticos do Império do Brasil, retomando o grande jurista Victor Nunes Leal (1914-1985), nos ensina as minúcias que diferenciam o coronelismo das práticas clientelistas do antigo Estado Imperial. Havia mandonismo e clientelismo, mas não havia coronelismo, embora os “coronéis”, estes potentados rurais tão conhecidos de nós todos, já existissem aos montes. Tratava-se de patente da Guarda Nacional, uma instituição civil brasileira moldada na francesa que foi imensamente importante para a consolidação do Estado Brasileiro, mas que entrou em franca decadência quando o Exército e a Marinha imperiais começaram a se fortalecer, nas décadas de 1860, 1870, 1880 e 1890.
Após a queda da Monarquia e a militarização do aparelho de Estado brasileiro, em 1889 – o historiador Marco Antonio Villa elucida-o muito bem em suas obras -, sobrou aos antigos senhores de terras e de escravos, para além de dominarem a política local, como sempre fizeram, alimentar-se das benesses que os novos donos do poder no Rio de Janeiro lhes ofereceriam. Milhares dos antigos sinhôs brasileiros, muitos deles filhos, netos, irmãos, sobrinhos ou afilhados das centenas de barões, viscondes e condes do Império, passavam agora, sob a ordem nada “republicana” da República Velha a governar de forma despótica e intransigente os municípios, os estados e a própria presidência do país. O federalismo torto, ou às avessas, praticado no Brasil em que vigeu a Constituição de 1891 era o dos coronéis quase que como “senhores feudais” desconectados do tempo e do espaço europeus em que unicamente existiram.
Conforme salienta Monteiro Lobato (1882-1948) e o próprio Ruy Barbosa (1849-1923) – que de monarquista e parlamentarista passou a republicano e presidencialista, pois almejava ser presidente da República – em seus textos, antes os fazendeiros administravam as câmaras municipais e as assembleias legislativas, mas acima deles havia presidentes de Província e, obviamente, o Imperador do Brasil (Poder Moderador da Constituição de 1824). Dissipada a monarquia, os fazendeiros passaram a reinar e governar o país. Sergio Buarque de Hollanda (1902-1982) aduz em sua HGCB: “A República Velha era o império dos fazendeiros”…
Em resumo, conforme a imensa maioria dos historiadores brasileiros esclarece, a República Velha era uma oligarquia feroz, em que o poder e a voz do povo estavam quase que por completo eliminados. Se utilizássemos a tipologia aristotélica clássica das formas de governo, ressignificada por S. Tomás de Aquino no séc. XIII, diríamos que o Brasil passou de uma monarquia aristodemocrática para uma “tirania oligárquica”. Mas não podemos ver as coisas desse modo.
Se é certo que a República brasileira nasceu de um golpe de estado militarista, racista (anti-negros), machista (anti-III Reinado), positivista e secularista (anti-católico), e que, conforme sempre afirmamos, esse quase “pecado original” ainda delineia suas práticas de Estado, não se pode dizer que muitos dos homens públicos que a compuseram – presidentes, senadores, deputados, governadores, intendentes municipais – deixasse de ter a marca, por assim dizer genética e genealógica dos antigos nhonhôs e iaiás brasileiros. Em grande parte, eram a mesma gente!
Daí que entenda hoje as palavras do historiador monarquista Otto de Alencar de Sá Pereira, quando me falava da probidade de muitos homens de governo da República Velha, por serem, alguns, antigos conselheiros e titulares do Império. No verdor dos meus anos de adolescente militante, eu acreditava que era exagero dele colocar as coisas sob esse prisma, pois me parecia que a República forjara um Brasil nefasto no quesito corrupção. Ao ver “Gabriela” e me lembrar de suas lições, entendo bem melhor o que queria dizer…
De forma que assistir “Gabriela” é se defrontar com um dos períodos históricos mais fascinantes do Brasil – infelizmente, pouco ou nada estudado nas universidades brasileiras. Desde que fundamos o IDII, em 2001, chamamos atenção para o fato de que muitas das mazelas sociais do Brasil são facilmente depreendidas quando se debruça sobre as instituições liberal-oligárquicas de nossa primeira República.
Ramiro Bastos, magistralmente interpretado pelo ator Antonio Fagundes na filmagem de 2012, é quase o arquétipo dos administradores regionais e locais daquelas décadas coronelísticas. Homem rústico, sobranceiro, orgulhoso, autoritaríssimo, tinha no amor paternal-maternal que nutria pela neta Gerusa, no amor carnal pela bella donna e caftina Maria Machadão e no respeito e afeição pela desprezada Gabriela o seu quinhão de humanidade.
Para manter-se como césar municipal eram-lhe necessários sacrifícios afetivos incomensuráveis. A aridez de uma política em que as instituições teimavam em não aceitar a diversidade de opiniões e de posturas e uma moral social (pseudo-cristã) restritiva e mesquinha conformavam os espíritos dos machos que tinham de comandar as unidades nada “federadas” daquele Brasil. O mesmo falso moralismo e desamor que faziam com que o Coronel Jezuíno Mendonça se corroesse em sua saudade da Sinhazinha que matara; ou que ensejavam em Dona Dorotheia uma autoafirmação puritana constante, devida ao passado dequenga na juventude; ou que insuflavam no jovem sinhozinho Berto a avidez pelo domínio e o apossamento da pequena Lindinalva, amada do irmão, o quase-padre Juvenal; ou que impediam o amor entre o Coronel Amâncio e suaMiss Pirangi; ou, ainda, que forçavam Nassib a não perdoar Gabriela do único ato de traição que havia praticado nos tempos em que coabitaram.
Pois bem, o grande Jorge Leal Amado de Faria quer, ele mesmo filho dessas elites rurais hirtas, nos ensinar com seu texto delicioso que o fardo da repressão afetivo-sexual dos homens e da repressão físico-sexual das mulheres era pesado demais e que libertar-se desse jugo também proporcionava uma melhora, ou uma “evolução”, na sociedade.
Indivíduos libertos tendem a ser cidadãos ativos, conscientes e justos.
Jorge Amado foi comunista, como centenas de intelectuais no século XX o foram. Souberam enxergar com uma clareza cristalina os defeitos dos homens e das mulheres governantes e governados. Atribuíram às formas antigas doreligare, em especial o cristianismo católico e os protestantes, muito da responsabilidade pelos males sociais que acabavam por legitimar com sua inação e parceria com o poder público. Por outro lado, filho, neto e bisneto de “varões católicos” e “santas senhoras” ele e dezenas desses escritores que simpatizaram com o socialismo foram sensíveis às válvulas de escape que o próprio viver religioso daquelas sociedades engendrava.
O bisneto do Coronel Ramiro Bastos é um novo “Ramiro”, que acabará por redimir a atormentada alma do tirânico bisavô. Gabriela e Nassib serão felizes, sem as amarras que a  institucionalidade matrimonial pode proporcionar àqueles que dela não necessitem.
Só lamento, vendo “Gabriela”, a perda e a decadência gradual dos valores aristocráticos entre as classes dirigentes de nosso país. Alexis de Tocqueville (1805-1859) nos alerta em sua obra politológica que a tendência das democracias contemporâneas é enfatizarem a Justiça e a Igualdade, em detrimento da Honra e da Glória. Na guerra intelectual que se trava diariamente nos parlamentos e altas esferas de administração pública é visível a falta de lhaneza, de gentileza e de nobreza que as antigas classes dirigentes da economia e da política mantinham.
Se durante séculos, determinadas famílias conduziram povos e nações, o Novecentos fez emergir o fenômeno do aburguesamento social, em que todos são chamados não a serem melhores, isto é, não a se “aristocratizarem”, mas sim a serem mais espertos, mais ricos, mais hábeis. Desnecessário dizer que isso conduz ao aumento da corrupção governamental e que o Brasil é uma espécie de laboratório histórico desse instigante processo.
Nicolau Sevcenko ressalta o ambiente de arrivismo e esnobismo da República Velha em seu clássico Literatura como missão (1983), no qual mostra eficazmente que a inserção social e o enriquecimento ilícito de “scrocks” e “smarts” foi sem precedentes. Ele analisa Lima Barreto (1881-1922) e Euclides da Cunha (1866-1909) como estudos de caso para apontar a forma pela qual se deu o necessário alijamento dos intelectuais mais críticos e reformistas (ou “revolucionários” para a visão reacionária da época) da vida política republicana.
Relendo suas páginas, tendo a confirmar minha teoria de que a República Velha é a responsável pela estapafúrdia situação de conceder aos brasileiros negros, índios, mulatos e caboclos a não-cidadania e a estrangeiros brancos imigrantes europeus as oportunidades para se tornarem cidadãos. Sempre comento com meus amigos de Ciências Sociais que ao ler os jornais e revistas, mormente as de veleidades e “fuxicos”, e observar os nomes de centenas de políticos, latifundiários, industriais, megaempresários, ou seja, os atuais “ricos” do país, identifico muito mais ítalodescendentes,  germanodescendentes ou árabodescendentes do que afrodescendentes ou ameríndiodescendentes. Isto significa muita coisa…
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Bruno de Cerqueira (33) é historiador, monarcólogo, especialista em Relações Internacionais, professor de Cerimonial e Protocolo,indigenista especializado (analista) da FUNAI e gestor do IDII. 

sábado, 27 de outubro de 2012

Artigo – O casamento de Guillaume de Luxemburgo: êxtase de latinidade



O casamento de Guillaume de Luxemburgo:

êxtase de latinidade

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Bruno de Cerqueira*
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Acaba de se unir à condessa belga Stéphanie de Lannoy, 28 anos, o herdeiro do trono grão-ducal de Luxemburgo, Guillaume, 30 anos. Nosso Instituto enviou à prima-tia de Guillaume[1] uma mensagem de felicitações quando do noivado, como se lê aqui.
Foto de Guy Wolff. Copyright da Corte Grã-Ducal.
Acompanhando o longo cerimonial celebrado em 20 de outubro de 2012, um sábado de céu azul  límpido e claro — raro para os luxemburgueses —, pude notar quão latina se tornou essa realeza.
O noivo, Guillaume Jean Joseph Marie, é o filho mais velho do Grão-Duque Henri I — soberano do estado centro-europeu de 2600 quilômetros quadrados e 500 mil habitantes — e da Grã-Duquesa Maria Teresa, nascida em Cuba.
Pelo pai, Guillaume é um Nassau-WeilburgBorbone-ParmaBragança,Löwenstein-Wertheim-RosenbergSaxe-Cobourg-Gotha, Bernadotte, Wittelsbach, Hohenzollern-Sigmaringen, Schleswig-Holstein-Sondenburg-Glücksburg, Anhalt-Dessau etc. Pela mãe, Guillaume é um Mestre, Batista, Falla, Álvarez, Ramos-Almeyda, Tabío, Gonzalez de Mendoza, Espinosa de los Monteros, Bonet y Mora etc.
Já Stéphanie Marie Claudine Christine é, pelo pai, uma Lannoy, Ligne, Beeckman du Vieusart, Cossé-Brissac, Tayllerand-Périgord, Oultremont de Wégimont, Copis, Say, van der Noot d´Asschee, van Voden, Desmanet de Boutonville  etc. e, pela mãe, uma Della Faille de Leverghen, Brouchoven de Bergeyck, Meester, Plantin, Geelhand, Coussemaker, Mignard de la Mouillèreetc.
Guillaume é o futuro soberano dos luxemburgueses, um povo que fala um idioma germânico (Lëtzebuergesch) e descende de ribeirinhos do Mosela e do Reno. Luxemburgo, que guarda traços da presença do Império Romano, foi um feudo importante no Medievo. A Casa de Luxemburgo (linhagem Limburg-Arlon) foi uma dinastia famosa dos séculos XIII a XV e deu ao Sacro Império Romano-Germânico quatro imperadores e aos reinos da Bohêmia e da Hungria diversos soberanos.
Do séc. XV até fins do XVIII Luxemburgo foi uma província dos chamados “Países Baixos”, uma possessão da Casa da Áustria (dinastia Habsburg). Durante esse período, sofreu inúmeras invasões estrangeiras e retomadas por parte dos administradores habsbúrgicos.
Em 1815, após o tufão napoleônico, o Congresso de Viena reconheceu a autonomia do país, elevando-o a Grão-Ducado, sob a titularidade do soberano dos Países Baixos, ou seja, o chefe da dinastia Oranje-Nassau. Em 1830, muitos luxemburgueses se uniram aos belgas para exigir a independência do país frente aos neerlandeses, mas não tiveram sucesso. A Bélgica se emancipou, mas o Luxemburgo teve de esperar até 1890, quando morreu sem herdeiros masculinos o Rei Willem III (1817-1890). Um antigo pacto de família dos Nassauestipulava que em caso de extinção da linha masculina nos Países Baixos, o Luxemburgo passaria à outra linha masculina existente. Eram eles os Nassau-Weilburg, que governavam o Ducado de Nassau, anexado pelos prussianos em 1866.
Adolph I (1817-1905), último duque reinante de Nassau e irmão da Rainha Sophia da Suécia e Noruega (1836-1913), se tornou Adolphe I de Luxemburgo em 23 de novembro de 1890.
O filho de Adolphe I, Guillaume IV (1852-1912) reinou apenas sete anos. Sendo de origem luterana os Nassau-Weilburg o casamento de Guillaume com a Infanta D. Maria Anna de Portugal (1861-1942), filha do exilado D. Miguel I (irmão de D. Pedro I), foi uma bênção para os luxemburgueses, de maioria católica.
A Grã-Duquesa Marie Anne reinou como regente do Grão-Ducado de novembro de 1908, quando seu marido ficou doente, até junho de 1912, quando sua primogênita, Marie-Adelaïde I (1894-1924), foi declarada maior de idade e assumiu o governo. Impopular por ser considerada germanófila extremada, a Grã-Duquesa Marie-Adelaïde foi obrigada a abdicar em favor da irmã, Charlotte I (1896-1985) e retirou-se para um convento, em janeiro de 1919.
A Grã-Duquesa Charlotte é a grande “mãe” da história luxemburguesa. Sua memória é venerada pelo povo. Ela se casou com seu primo-irmão Félix (1893-1970), nascido Príncipe D. Felix de Parma, filho de sua tia D. Maria Antonia de Portugal (1862-1959) e irmão da Imperatriz Zita da Áustria (1892-1989).
A soberana que atuou na II Guerra Mundial, quando o III Reich anexou o pequeno país, e estabeleceu um governo luxemburguês no exílio, em Londres, reinou até 1964, quando abdicou para o filho mais velho, Jean I (1921- ).
Jean I casara-se em 1953 com a prima Joséphine-Charlotte (1927-2005), princesa da Bélgica. O fato de a Casa Real neerlandesa e a Casa Grã-Ducal luxemburguesa serem ramos da dinastia Nassau e de o futuro Grão-Duque Jean de Luxemburgo ter se casado com a filha do Rei Leopold III dos Belgas (1901-1983) ajudou a fomentar tremendamente o BENELUX, união econômica firmada em fevereiro de 1958 pelos três antigos “Países Baixos”.
O herdeiro de uma longa tradição de enlaces com “Ebenbürtigkeit”[2] era Henri (1955- ). Em 14 de fevereiro de 1981, contudo, o Grão-Duque hereditário Henri de Luxemburgo desposou Doña Maria Teresa Mestre y Batista-Falla (1956- )[3], sua colega na faculdade de Ciências Políticas em Genebra. A Senhorita Mestre era uma cubana emigrada para a Suíça, em decorrência da Revolução de 1959.
Em que pese o fato de Maria Teresa ser de família muito católica e ter um parentesco com a tia do então noivo, a Rainha Fabiola dos Belgas (nascidaDoña Fabiola de Mora y Aragón), esposa do Rei Baudouin (1930-1993), a verdade é que sua origem latino-americana e, portanto, “creolla”, instigou os luxemburgueses naquele princípio dos anos 1980[4].
Foto de Lola Velasco.Copyright da Corte Grã-Ducal.
Diz-se que a avó de Henri, a antiga monarca Charlotte I, temeu que na mistura étnica de que são compostos todos os latino-americanos, a jovem señorinapudesse ter sangue negro, para além do óbvio sangue ameríndio que possui[5]. Isto em nada diminui a memória da grande soberana, pois que ser racista era um pressuposto educacional e cultural da ampla maioria de seus contemporâneos, ainda mais se se tratasse de membros de sua classe sócio-genealógica.
Henri cumpriu os desejos de seu coração e desposou a mulher amada, dela gerando cinco filhos: Guillaume (1981), Félix (1984), Louis (1986), Alexandra (1991) e Sébastien (1992). Os jovens príncipes, que são morenos em meio a uma população majoritariamente alourada, são considerados belíssimos; os dois mais velhos parecem galãs de cinema.
Foto de Lola Velasco. Copyright da Corte Grã-Ducal.
As duas irmãs do Grão-Duque Henri, as Princesas Marie-Astrid (1954- ) e Margaretha (1957- ) desposaram primos mais germânicos que latinos: Carl Christian da Áustria (1954- ) e Nikolaus de Liechtenstein (1947- ). São felizes com as proles que geraram. Já os dois irmãos de Henri, Príncipes Jean (1957- ) e Guillaume (1963- ) uniram-se a latinas: o primeiro, morganaticamente, à francesa não-nobre Hélène Vestur e o caçula a uma anglo-hispano-ítalo-grega, Sibilla Weiller. A Princesa Sibilla de Luxemburgo (1968- ) é, pela mãe (Donna Olympia Torlonia di Civitelli-Cesi e Borbón), prima-sobrinha de D. Juan Carlos I da Espanha.
A segunda etnia mais presente no Luxemburgo, após os “nacionais”, é a portuguesa, cujos imigrantes buscam há décadas melhores condições de vida. Em nome deles, proferiu uma das “preces da comunidade” na missa de casamento de Guillaume e Stephanie a Duquesa de Bragança, D. Isabel (nascida Dona Isabel de Herédia), esposa de D. Duarte Pio, chefe da Casa Real de Portugal. Falando em Português, D. Isabel pediu acolhimento e benquerença aos pobres que batem às portas dos mais favorecidos.
Por fim, em explosão de latinidade, os convidados ao casamento principesco homenagearam com uma longa salva de palmas os jovens recém-casados ao término da cerimônia, sendo acompanhados até pelo Arcebispo de Luxemburgo, o jesuíta Dom Jean-Claude Hollerich, cuja homilia havia sido profícua em salientar a importância do papel social que terá um casal como Guillaume e Stéphanie, cujo cristianismo deve ser revigorado diariamente. Por sinal, concelebravam a missa de esponsais dois primos da noiva, membros da Casa de Della Faille de Leverghen. Além de baterem palmas, os convidados tiraram muitas fotos com seus smartphones e iphones
Na sacada do Palácio Grão-Ducal, especialmente preparada para a ocasião, os agora Grão-Duque e Grã-Duquesa hereditários de Luxemburgo[6] responderam a toda essa efusividade do povo e dos familiares com três beijos e abraços calorosos, para delírio dos presentes. Repórteres internacionais comentavam jamais ter visto algo assim…
Não faltou a essa profusão latina, sequer, a modernidade dos tempos. Em uma nação considerada bem conservadora, na véspera do casamento religioso, Guillaume e Stéphanie haviam sido unidos civilmente pelo burgomestre da cidade de Luxemburgo (Luxembourg-Ville), o Deputado Xavier Bettel. Ele é um político sério e respeitado do Partido Democrata (Demokratesch Partei), a agremiação liberal-conservadora que durante décadas tem administrado o Ministério dos Assuntos de Classe Média — sim, Luxemburgo possui um tal ministério… Bettel é assumidamente gay e vive com seu companheiro, Gauthier Destenay; ambos compareceram à missa na Catedral de Nossa Senhora de Luxemburgo.
Com a tradicional festa de fogos de artifícios terminou, à noite, a boda de Guillaume de Luxemburgo e Stéphanie de Lannoy. A nova princesa é loura, mas de uma família de castanhos em que só ela parece ter nascido “blonde, yeux bleux”, uma fórmula tradicionalíssima quando se costumava falar em príncipes europeus…[7]
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*Bruno de Cerqueira (33) é historiador, monarcólogo, especialista em Relações Internacionais, professor de Cerimonial e Protocolo, indigenista especializado (analista) da FUNAI e gestor do IDII.
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[1] A princesa belga Christine Marie Elisabeth de Ligne (1955- ), filha do Príncipe titular Antoine de Ligne (1925-2005) e da Princesa Alix de Luxemburgo (1929- ), é desde 1981, S.A.I.R. a Princesa D. Antonio João do Brasil, princesa de Orleans-e-Bragança. Ela e o marido geraram D. Pedro Luiz (1983-2009), D. Amélia (1984), D. Rafael Antonio (1986) e D. Maria Gabriela Fernanda (1989), herdeiros dos títulos e direitos dinásticos da Casa Imperial do Brasil.
[2] Ebenbürtigkeit é o nome do princípio de igualdade de nascimento que regia as uniões entre membros das dinastias europeias herdeiras do legitimismo proclamado pelo Congresso de Viena (1815). O  Ebenbürtigkeit  existe entre as linhagens da alta realeza (casas imperiais, reais, grã-ducais, ducais e principescas reinantes) e as da média realeza (composta, sobretudo, das casas principescas e condal-principescas do antigo Sacro Império Romano-Germânico, desapossadas por Napoléon Bonaparte), além de algumas das que chamamos de “baixa realeza” ou “pequena realeza”, que são as casas principescas nacionais da Áustria, da Hungria, da Bohêmia, da Polônia, da Bélgica, da Itália, da França etc.
[3] Nascida na cidade de Marianao, Província de Havana, é a filha de Don José Antonio Mestre y Álvarez (1926- ) e da Senhora, nascida Doña María Teresa Batista y Falla (1928-1988). Membros da alta aristocracia cubana, deixaram a ilha em outubro de 1959, se estabelecendo em Nova York. Em solo norte-americano, Maria Teresa estudou na Marymount School e no Lycée Français de Nova York. Indo residir na Europa, viveram em Santander e em Genebra.
Sobre sua origem cubana, declarou à imprensa tanto de Luxemburgo, quanto da Espanha, em 2002, quando visitou a terra natal, que “Hay algo muy fuerte que he descubierto y se llama cubanía, un sentimiento que cuando uno crece en una familia cubana no se pierde nunca.Me he dado cuenta de que sucede algo muy especial con los cubanos y es que están sumamente unidos. Por eso, aunque no estén viviendo en Cuba, crecen con Cuba, comen cubano, hablan cubano, sienten cubano y el corazón late cubano.”
[4] Os creollos são os colonos latino-americanos; membros das elites rurais do continente, descendem dos espanhois (colonizadores), tanto quanto dos índios (colonizados).
[5] Ela não é a primeira soberana-consorte europeia a ter sangue indígena. A atual rainha da Suécia, Silvia (1943- ) é nascida Silvia Renate [Soares de Toledo] Sommerlath, filha de Alice Soares de Toledo (1906-1997), paulista de família “quatrocentona”, décima-segunda-neta de Bartyra (Izabel Dias), a filha do Cacique Tibiriçá de Inhampuambuçu (?-1562). Mesmo a antecessora de Silvia no trono sueco, a Rainha Josephine (1807-1876), nascida nobre de Beauharnais, depois princesa de Leuchtenberg, possuía sangue ameríndio, uma vez que sua avó, a Imperatriz Joséphine dos Franceses (1763-1814), nascera na Martinica e era descendente de creollos pela mãe, Rose Claire des Vergers de Sannois (1736-1807). A Rainha Josephine da Suécia é a tetravó do próprio Grão-Duque Henri I de Luxemburgo…
[6] Uso aqui a fórmula “Grão-Duque hereditário” como versão imediata do antigo título germânico Erbgrossherzog, mas é de se notar que a imprensa francófona utiliza comumente “Grão-Duque herdeiro” (Grand-Duc héritier). A diferenciação está no fato de que os “Erb” eram herdeiros de principados germânicos (Erbprinz e Erbgrossherzog), enquanto os “Kron” eram herdeiros de impérios e reinos (Kronprinz). Qualquer fórmula está correta.
[7] Quero dedicar este artigo aos meus amigos indigenistas da Funai, que labutam arduamente pela dignificação da causa nobilíssima que é o Indigenismo Brasileiro, ultrajado há décadas. Dedico a todos eles, em especial os “antigos” Guilherme Carrano, Rogério Oliveira, o “semi-novo” Alex Noronha, e os “novos” Martha Montenegro, Elena Guimarães, Nina Almeida, Thaís Bittencourt, Danusa Sabala, Cecília Reigada, Bruna Seixas, Lorena Soares, Filipe Parente, Mauro Meirelles, Amaury Freitas, Pedro Grandi, Manoel Prado Jr. e Jezuíno Almeida.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Artigo - Mas será o benedito: até santa Isabel é?




Mas será o benedito: até santa Isabel é?

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Bruno de Cerqueira*
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A memória polimorfa de Dona Isabel de Bragança (1846-1921) tem demonstrado quanto é rica a História do Brasil.
O Instituto que leva seu nome e que nasceu em 2001 para revificar sua presença no panteão nacional, bem como a de todos os líderes do Abolicionismo dos anos 1880 e dos tempos anteriores à década gloriosa de nossa construção nacional, tem obtido vitórias incontestes nos “planos e metas” a que se propõe.
Tem diminuído consideravelmente nos diversos movimentos negros a aversão ao culto que os antigos escravos e boa parte de seus descendentes nutriam pela “loura flor da Casa de Bragança”, no dizer de José do Patrocínio (1853-1905) e aumentado, por parte de estudiosos dos abolicionismos brasileiros, o interesse na personagem feminina mais importante de nossa História.
Eis o noli me tangere do IDII: comprovar que nesse “altar da Pátria” cabe a ela o primeiro lugar. Independentemente de monarquismos, reacionarismos, catolicismos e outros ismos. Por brasilidade.
Recentemente, no programa popular “O Maior Brasileiro de Todos os Tempos”, do SBT, sua memória venceu a do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que nos governou na redemocratização brasileira por que temos passado, desde o fim do período militar (1964-1985). Em que pese o fato de não haver o necessário distanciamento para julgar a vida e a obra desse político social-democrata brasileiro, é forçoso reconhecer que a figura da eterna “Princesa Isabel” suplanta a maioria de seus concorrentes. Di-lo Joaquim Nabuco (1849-1910), nos inúmeros textos em que descreve o fim da barbárie escravagista entre nós.
O mesmo programa televisivo já demonstrou que nem mesmo a queridíssima Irmã Dulce (1914-1992), de memória bem mais recente que a Redentora, é-lhe superior em apreço popular. Por óbvio, a metodologia da emissora na elaboração dos “shows” seria matéria para dissertações e teses tanto em Comunicação Social, quanto em História da Cultura, mas o que de fato importa, para o IDII, é proclamar a grandeza da mulher que não pôde reinar em nosso País.
Por fim, nasce agora um movimento, no seio da Igreja Católica, que deseja ver D. Isabel do Brasil beatificada e, quiçá, canonizada. Se durante o curso de sua vida terrena seu catolicismo era motivo de repulsa, indignação, estupefação, despeito, ataques e vilipêndios — era chamada de “beata, caturra, fanática” —, imagina-se o que não ocorrerá se a Santa Sé Apostólica, através da Sagrada Congregação para a Causa dos Santos — estes os nomes técnicos para “Vaticano” e seu ministério de assuntos hagiográficos — proclamá-la “Serva de Deus” no ano que vem, por ocasião do Encontro Mundial da Juventude com o Papa Bento XVI. Será o primeiro passo para sua beatificação, se assim Roma decidir. Todavia, para se chegar ao Roma locuta, causa finitapassam-se décadas ou séculos…
“O Vaticano faz seus santos quando quer e bem entende: tudo pura política!”, dizia-me um professor na graduação de História, na PUC-Rio, em reação a uma contraposição minha, no que tange à administração nassoviana em Pernambuco. Indubitável, dizia eu, que o Conde Principesco Soberano de Nassau-Siegen, Johann Moritz (1604-1679), tenha sido um culto e liberal governante do Brasil Holandês, mas indubitável, também, que ele era acompanhado de huguenotes ignaros e boçais, que foram capazes de queimar vivos mais de 40 católicos dentro de uma igreja, no Rio Grande do Norte — João Paulo II os reconheceu como “Mártires da Fé”, em 1998, e o pontífice atual os beatificou em 2008.
Pois bem: uma associação diocesana anti-abortista de Taubaté (SP) resolveu solicitar a abertura do processo de beatificação de D. Isabel na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. Foi informada, contudo, que primeiramente a Arquidiocese de Ruão (Rouen), na França, onde D. Isabel faleceu, deverá ser ouvida e o ordinário local (bispo) autorizar o processo. Os restos mortais da “candidata a santa” estão, por sua vez, em Petrópolis, na catedral que ela ergueu, de maneira que outra autoridade eclesiástica, o Bispo de Petrópolis, deverá, em caso de prosseguirem os trâmites, autorizar a abertura do jazigo, se for necessário. A sé de Petrópolis, contudo, está vaga, desde que se foi para a Europa D. Filippo Santoro, um “isabelófilo” convicto, diga-se de passagem.
Como se vê, todas essas minudências processuais envolvem Direito Canônico, Eclesiologia, Hagiologia, mas também envolvem História.
Mas será o benedito? Por que ela é santa? Por ter abolido a escravidão com a Lei Áurea e perdido o trono? Por ter sido católica, papista, ultra-montana? Por ter recebido de Leão XIII a Rosa de Ouro? Por ter se negado a permitir a ereção de estátua sua, como Redentora, sugerindo que se erigisse uma estátua ao Cristo, único Redentor? Por ter sido amiga de São João Bosco e São Pio X? Além do mais, que história é essa de santidade? Isto existe? Alguém crê em santidade, ainda mais de personagens políticos, em pleno século XXI?
As respostas são variadas e as perguntas se desdobram.
Para um historiador cristão, contudo, as respostas são positivas. Se a maior parte das escolas historiográficas atuais é composta de ateístas ou agnósticos há os que, como Jacques Le Goff e o jesuíta francês Michel de Certeau (1925-1986), não abandonam o culto do Cristo que o mundo viu nascer 2000 anos atrás.
Karl Rahner (1904-1985), um dos maiores teólogos germânicos de todos os tempos, assim definia em seu Grundkurs des Glaubens (1976) qual a tarefa do historiador cristão:
O historiador cristão das religiões não precisa conceber a história religiosa extracristã e extrabíblica como mera história da atividade religiosa do homem ou ainda como pura deprava­ção da possibilidade humana de fazer religião. Na história reli­giosa extracristã ele pode tranqüilamente observar, descrever, ana­lisar e interpretar em suas últimas intenções também os fenômenos religiosos, e, se também aí vê em ação o Deus da revela­ção vétero e neotestamentária — não obstante toda a primitividade e depravação que naturalmente existem na história religio­sa, não está se opondo absolutamente à pretensão de absolu­to que tem o cristianismo.
(…) Em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado temos um critério para discernir, na história religiosa concreta, entre o que é mal-entendido huma­no da experiência transcendental de Deus e o que é legítima ex­plicação dela. Somente partindo de Jesus, é possível realizar em última análise semelhante discernimento dos espíritos.
(…) Se livremente, co­mo simples historiadores e cientistas da religião — independen­temente de nossa fé em Jesus Cristo —, buscássemos penetrar no Antigo Testamento e em seus fenômenos religiosos histori­camente assegurados, não possuiríamos nenhum critério para distinguir em últimos termos o que é pura e legítima manifesta­ção (derivada da natureza da autocomunicação transcendental de Deus) e objetivação histórica dessa autocomunicação divina e o que constitui depravação redutiva dela; aí deveríamos dis­tinguir ulteriormente com mais precisão (o que uma vez mais seria impossível sem olharmos para Jesus Cristo) entre o que, enquanto objetivação progressiva e epocal da experiência trans­cendental de Deus, pode-se considerar legítimo — ainda que so­mente como explicação provisória, mas permeada de intrínseca dinâmica rumo à revelação plena em Jesus — e o que não pas­sou de depravação, constatável já com referência à situação veterotestamentária então existente.
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De maneira que não nos preocupemos. Se a Divina Onipotência quiser, a Igreja beatificará e canonizará a Redentora da História do Brasil, aquela a quem André Rebouças (1838-1898) e o Povo Brasileiro creditaram o mais glorioso dia de nossa Nacionalidade.
Aquela que, por ser MULHER, foi desprezada e rechaçada. Banida do território nacional em 1889, foi aclamada “Dona Isabel I” apenas pela corte de exilados que a cercava em 1891, quando morreu-lhe o pai, D. Pedro II, no Hotel Bedford, em Paris. Amargando o maior exílio concedido a um brasileiro em toda a História, nunca reviu a Pátria, morrendo saudosa e piedosamente em 1921.
Assis Chateaubriand Bandeira de Mello (1892-1968) sempre defendeu, como, aliás, Nabuco antes dele, que o reinado de D. Isabel no exílio foi o que lhe concedeu a coroa de glórias, ainda em vida. Nossa soberana desterrada não passou um dia sequer sem rezar e trabalhar pelo seu povo, recebendo dos governantes da República Velha — velha de coronelismo, velha de racismo, velha de asco pela cultura popular, velha de servilismo aos Estados Unidos, velha de patriarcalismo — total e pleno desdém.
Mas ganhando do Povo, sobretudo dos negros, os mais sofridos dos Brasileiros, o amor incondicional, traduzido na cantiga “Princesa Dona Isabel / mamãe disse que a senhora / perdeu seu trono na terra / mas tem um mais lindo agora / no céu está esse trono / que agora a senhora tem / que além de ser mais bonito / ninguém lho tira, ninguém”
Quem quiser conhecer um pouquinho de história da historiografia sobre nossa personagem pode ler o livro D. Isabel I a Redentora: textos e documentos sobre a imperatriz exilada do Brasil em seus 160 anos de nascimento(2006). Não é um panegírico, mas certamente é um libelo. Defende veementemente, entre outras coisas, que se estude a transição do Oitocentos para o Novecentos brasileiro e, particularmente, convida as historiadoras — mais que os historiadores — a investigarem os projetos para o III Reinado, as biografias dos grandes homens que estavam ao lado da Regente e que não puderam ser ministros e conselheiros de Estado de D. Isabel I porque ela não reinou.
Parafraseando o político e pensador católico brasileiro Plínio Corrêa de Oliveira (1908-1995) e sem tefepismo nenhum, pois que não sou adepto de nenhum sectarismo religioso, a saída da Princesa Imperial do Brasil, naquela fatídica madrugada de 17 de novembro de 1889 foi, de um ponto de vista histórico, o “entardecer da Pátria”! Ou para Rebouças, ainda mais enfático: “Acabou-se a civilização brasileira!”.
Cabe a nós, isabelófilos e neoabolicionistas, trabalharmos pela grandeza do Brasil, sempre. Se isto inclui congratular o Papa pela iniciativa que nem se sabe se terá, de fazer nascer uma “Santa Isabel do Brasil”, muito bem. Se não inclui, muito bem também! Santos são heróis da fé, segundo a Igreja; D. Isabel já é heroína do Brasil há muito tempo…
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Bruno de Cerqueira (33) é historiador, monarcólogo, especialista em Relações Internacionais, professor de Cerimonial e Protocolo,indigenista especializado (analista) da FUNAI e gestor do IDII. 

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Artigo - O jubileu de diamante, a monarquia britânica e o papado



O jubileu de diamante, a monarquia britânica e o papado
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Bruno de Cerqueira*
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Inúmeras têm sido as manifestações por ocasião dos 60 anos de reinado de Elizabeth II da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, do Canadá, da Austrália, da Nova Zelândia, da Jamaica, de Belize etc. Trata-se do Chefe de Estado mais importante do mundo, pois que titulariza a maior quantidade de nações!
Em artigo muito interessante (http://cronai.wordpress.com/2012/06/07/god-save-the-queen/), a jornalista Cora Ronai acaba de nos falar sobre sua continuada aversão à instituição monárquica, mas salienta ela admirar de forma inconteste a monarca mais visada, fotografada, comentada e, por muitos, venerada, do planeta.
Elizabeth Alexandra Mary desperta nas pessoas sentimentos complexos: respeito, admiração e acatamento nos súditos fieis; indignação e até afetação nos republicanos do Reino Unido – eles existem! – e dos “Overseas Realms”. Àqueles que desejam e batalham pelo fim da monarquia na “terra da Rainha” e em seus antigos domínios coloniais, a tarefa é hercúlea, senão quimérica.
O filme “The Queen”, de Stephen Frears (2007), interpreta com maestria os dissabores e infortúnios da soberana quando morreu-lhe a antiga nora e, em alguns sentidos, rival na atenção do público britânico e mundial. Por óbvio os diálogos são frutos da imaginação do diretor e dos escritores, mas vários se aproximam da possibilidade de verossimilhança. Aliás, é necessário reconhecer que o grande sucesso da película se deve à brilhante Helen Mirren e demais astros do elenco, para além da direção; contudo, o que ninguém comenta é que o filme é fortemente baseado em alguns documentários da rede estatal britânica BBC, em especial o “Queen Elizabeth II reflects on her service: rare footage”, de 1992.
Há muito a se dizer sobre a era elisabetana no séc. XX. A “era elisabetana”, como costumamos designar, é o reinado de sua avoenga, Elizabeth I (1533-1603), que governou de 1558 até a morte. Trata-se do Quinhentos – forma com a qual os historiadores italianos gostam de apelidar os séculos, após o XIV – na Grande Albion, uma época de terríveis conflitos religiosos.
E aqui entramos no objeto do presente artigo, despretensioso, mas que deseja instigar os nossos leitores.
Sua Santidade o Papa acaba de enviar um telegrama a Sua Majestade Graciosíssima a Rainha, conforme reporta a agência de notícias vaticana ZENIT:
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CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 6 de junho de 2012 (ZENIT.org) – Por ocasião do Jubileu de Diamante da rainha Elizabeth II, o papa Bento XVI enviou um telegrama de cumprimentos à monarca.
 
O Santo Padre ofereceu os seus “sinceros parabéns a Sua Majestade”, elogiando Elizabeth II por dar “aos súditos e ao mundo um exemplo inspirador de dedicação ao dever e de compromisso com os princípios da liberdade, da justiça e da democracia, conservando uma nobre visão do papel de uma monarquia cristã”.
 
Bento XVI recordou “as corteses boas-vindas” recebidas de Elizabeth II em Edimburgo, em setembro de 2010, no início da sua visita pastoral ao Reino Unido, e renovou os agradecimentos pela hospitalidade experimentada na ocasião.
 
“Seu compromisso pessoal com a cooperação e com o respeito mútuo entre os crentes das diferentes tradições religiosas tem contribuído em grande medida para incentivar as relações ecumênicas e inter-religiosas através do seu reinado”.
 
Confiando a rainha e toda a família real “à proteção de Deus Todo-Poderoso”, Bento XVI reiterou seus “melhores desejos” e assegurou suas orações por “saúde e prosperidade contínuas”.
 
 
O que vemos, portanto? Vemos que na segunda era elisabetana aqueles conflitos e guerras de séculos atrás são finalmente superados.
O republicanismo norte-irlandês, bastante imbuído de catolicismo fanático, também finou-se, e a Rainha visitou a República da Irlanda em maio de 2011.
Alguém sabe dizer o quanto a “Defensora da Fé”, um dos muitos títulos de realeza que Elizabeth II possui, trabalhou por tudo isso? Em sua discrição absoluta, sua quase “marmoreidade”, alguém sabe dizer o quanto a Rainha é uma pessoa verdadeiramente cristã e verdadeiramente caridosa para com os outros, os estranhos, os pobres e, sobretudo, os diferentes?
Há várias biografias da Rainha. Devo confessar que nunca li nenhuma. Mas arrisco opinar que se trata de uma pessoa profundamente religiosa, uma crente e fiel em Jesus Cristo das maiores que já se viu na Terra. Alguém em quem a fórmula da tradição, “By the Grace of God, Queen” ressoa de forma permanente. Alguém que pôs toda sua vida, e seu reinado, a serviço dos seus povos, que são centenas de nações e etnias.
A Chefe da Commonwealth é uma das maiores cristãs de nosso planeta e mirando Elizabeth II nós podemos ver o quanto as teorizações de Ciência Política e das ciências sociais em geral sobre a separação entre Igreja e Estado podem falhar… Um documentário antigo, que se pode encontrar no site da Pathé, diz exatamente o contrário do que aprendemos na academia: que a união entre a igreja e o estado (anglicanismo na Inglaterra e em Gales, presbiterianismo escocês) é uma fórmula capabilíssima de trazer bem-estar ao povo… Como diria Levis-Strauss, isso é bom para pensar! Afinal, na Dinamarca, na Suécia e na Noruega o luteranismo é a religião oficial e ninguém reclama disso.
Independentemente de ser a favor ou contra essa união, que nos catolicismos nacionais sempre foi uma tortuosa realidade, quero chamar a atenção para as palavras papais: a monarquia de Elizabeth II e de seus ancestrais é uma monarquia cristã. O significado disso é enorme.
Que não me venha nenhum amigo com o clichê de que ser cristão não é ser santo e perfeito, pois todos o sabemos. Mas ser cristão significa almejar essa santidade cuja fonte inestimável e inesgotável é o próprio Senhor e Rei do Universo.
Essa é a grande marca, a meu ver, da segunda era elisabetana, tão pouco investigada e descurada, como chamo atenção: a do cristianismo enraizado de sua soberana, sempre tentando superar desgraças, rancores, desamores, que o passado teima em manter e retroalimentar no presente.
Quando o Príncipe William desposou Catherine Elizabeth Middleton, na Abadia de Westminster, tive oportunidade de comentar o casamento na Globonews. Na hora em que o noivo adentrou o presbitério, ele se retirou com o irmão, o Príncipe Henry, para um lugar atrás, ou ao lado, por alguns minutos. Percebi que nenhum comentarista entendeu aquilo. Daí eu disse: nesse momento o príncipe foi rezar em um dos muitos altares laterais que a igreja possui, para rogar a Deus, através de seus inúmeros antepassados enterrados ali, alguns dos quais canonizados pela Igreja e celebrados até hoje pelos anglicanos mundo-afora, para que sua união com a jovem e bela “Kate” seja feliz e abençoada. Coisas de um neto de Elizabeth II…
Parodiando o hino,God saves the Queen!
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Bruno de Cerqueira, indigenista especializado (analista) da Funai,
é historiador, internacionalista e monarcólogo.
Leciona Organização de Eventos, Cerimonial e Protocolo.